No Brasil, historicamente o churrasco é acompanhado de “cerveja” e, rapidamente, tudo vira alegria e comemoração.
Mas, se você se considera um “carnívoro de plantão”, posso te dar um conselho? O harmonização de vinho e carne (desde que feito corretamente) pode ser uma das melhores experiências gastronômicas da sua rotina.
Para isso, é necessário levar em consideração alguns aspectos que podem parecer difíceis, mas que no final farão muito sentido. Quando se trata de carne, deve-se atentar para o nível de marmoreio, se o corte é mais ou menos gorduroso e o tempero utilizado. Vale entender também se o “assado” será feito na grelha, no espeto ou no tradicional fogo gaúcho.
Já no vinho o que conta é a estrutura, ou seja, intensidade, taninos, acidez e complexidade. É nesta altura que poderá retirar da sua adega aqueles vinhos potentes e que passaram vários meses em barricas de carvalho.
Conheça os melhores vinhos para acompanhar diferentes cortes no churrasco:
Ancho, costela e tira assada
Nesta categoria temos três cortes que deixam qualquer churrasco muito saboroso pelo potencial de maciez e gordura da carne: o ancho, a costela e o assado de tira.
Ancho ganhou muitos fãs nos últimos anos. A peça sai da parte frontal de um filé bovino medindo aproximadamente 4 centímetros de altura, ideal para preparar na grelha perto do fogo. Aqui a dica principal é um bom Cabernet Sauvignon envelhecido em madeiradê preferência aos feitos no Valle del Maipo, no Chile.
Localizados no sopé da Cordilheira dos Andes, a cerca de 800 metros de altitude, esses rótulos trazem alta acidez, taninos numerosos e rústicos que vão combinar com a textura da carne e dar aquela sensação de “limpar o paladar”.
Além do ancho, a costela e o assado de tira são outras duas opções que você pode acompanhar com um bom Cabernet do novo mundo. Aqui também vale a pena usar os feitos em Mendoza, pois trazem algumas notas de fruta madura e tabaco que vão ajudar a elevar o sabor único da carne rente ao osso.
Para as harmonizações indicadas acima, evite usar molhos ou temperos que não sal e pimenta.
Outra sugestão super assertiva é a Tannat. Como é de costume nos assados, prefira rótulos produzidos no Uruguai ou no Brasil aos franceses, pois o terroir celestial tem altitude e influência das correntes marítimas, o que dá até um leve toque de “salinidade” aos vinhos.
Raquete
Na chamada “revolução do churrasco”, novos nomes e tipos de pedaços de carne foram, aos poucos, introduzidos na comida brasileira, como a raquete. Está localizado no centro da espádua do boi. Na classificação de qualidade, é o terceiro corte bovino mais macio.
Quem já frequentou, por exemplo, a rede de restaurantes NB Steak, comandada pelo gaúcho Arri Coser, tem esse corte como um dos preferidos. Lá chama-se Bife NB e é temperado com um pouco de sal. Segundo Arri, o avanço genético do gado aliado à qualidade da ração e ao tratamento que o gado recebe no campo possibilitou ao Steak NB competir pelo gosto da clientela.
“A raquete é uma carne muito fibrosa, por isso fizemos inúmeros testes. Um dia decidimos tirar todas as fibras e membranas do meio da carne e vimos que ficou uma peça linda. Não teve outro jeito, virou carro-chefe dos restaurantes”, comentou.
Antes de ir ao fogo, a dica é retirar a membrana que fica bem no meio da peça. Depois disso é só deixar por 8 minutos de um lado e 4 do outro na brasa.
Falando em tempero, Arri recomenda apenas sal e pimenta, mas o sal tem uma peculiaridade importante: “O sal deve vir antes da carne para que os poros se fechem e a suculência seja mantida. O sal que utilizamos é sal grosso, mas moído com qualquer acessório disponível. O sal fino, por exemplo, não é recomendado porque acaba queimando a boca quando a carne está quente.”
Em relação à harmonização, a sugestão que faço é um pouco inusitada. Vamos arriscar a combinação por complemento com um Alicante Bouchet, de preferência com longo envelhecimento em barricas de carvalho, pois a casta tem notas de especiarias muito presentes e poderá dar um toque extra à prova.
Uma boa escolha poderia ser o rótulo Alicante Bourbon da Garbo Enologia Criativa. Cerca de 50% do vinho estagia 10 meses em barricas de whisky turfadas, o que significa que acrescenta aromas e sabores fumados que irão complementar a experiência sugerida.
Picanha e vazio (fralda)
Nesta categoria temos dois cortes que nunca podem faltar no típico churrasco brasileiro. A picanha, pode-se dizer, é a “rainha” do assado, além, claro, da vazia que foi rebatizada de “fraldinha” em alguns pontos do país.
Diferentemente da harmonização sugerida acima, se o seu churrasco tem predominância dessas duas peças, opte por um vinho que tenha menos rusticidade e que apresente aromas frutados e florais.
Para uma combinação regional, a aposta é uma Merlot das montanhas do sudeste. A minha sugestão é o Corte 01 da Intento Vinhos, um blend entre Merlot e Tannat com uma integração muito interessante de espécies de carvalho.
O Tannat envelhecido durante 14 meses em barricas novas de carvalho francês e Merlot dividido em três barricas, duas partes em carvalho americano e uma em francês com menores teores de polifenóis.
O resultado foi um vinho elegante, macio e equilibrado na boca, mas com taninos acentuados, ideal para contrastar com a untuosidade da picanha e o vazio na mastigação.
Fora do Brasil, vale investir em um Chianti ou outras garrafas feitas com Sangiovese cultivado na Itália.
Se você gosta de temperar sua carne com molho ou temperos diversos, é aconselhável evitar comprar rótulos que tenham teor alcoólico acima de 13,5%, pois a sensação de “quente” na boca pode acabar incomodando.
Não tem um Chianti na sua adega? Respire e vá Bordéus. A clássica montagem francesa fará com que você nunca esqueça esta combinação em todos os sentidos: complexidade do vinho, textura e persistência no final de boca.
Frutos do mar grelhados
O churrasco de frutos do mar é outra tendência da gastronomia brasileira. Recentemente, o chef William Ymamura do Bai180, em São Paulo, criou um cardápio especial de sábado dedicado a delícias assadas.
Há vieira com bacon, polvo com alho francês, camarão com gremolata ou alho preto, linguiça de peixe e até pão de alho com bottarga. Os preparos são feitos fora do restaurante em forma de “espetos”, para que você possa experimentar diferentes tipos sem exagerar.
Ao contrário da carne bovina, a melhor combinação será com vinhos brancos ou rosés.
Se você não quer arriscar, a dica certa pode ser um Chablis ou Pinot Grigio do velho mundo. Ambos apresentam acidez forte, mas equilibrada com o teor alcoólico e o corpo do vinho.
Além disso, os vinhos com a uva Riesling São também opções versáteis para a infinidade de frutos do mar que o chef Will, como é conhecido, gosta de preparar.
Na hora de classificar os rosés, opte sem medo pelos que têm denominação de origem “Provençal”. São vinhos elaborados especialmente para a gastronomia e que vão melhorar a experiência de todos à mesa.
Depois dessas dicas, tenho certeza que você vai pensar duas vezes antes de abrir aquela “cerveja” durante o churrasco, vá de vinho!
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