Na década de 1950, Charlie Chaplin deu um trecho de mil palavras de sua autobiografia ao jornal russo Izvestia. Os soviéticos pagaram royalties ao rei do cinema mudo com quatro quilos de caviar. Isso é cerca de uma colher por palavra.
O magnata grego Aristóteles Onassis gostava de comer o seu caviar prensado, como os camponeses, enquanto Christian Dior cobria os seus ovos raros com ovos mais desejados do mundo.
Símbolo máximo de luxo, o caviar não é para todos. Há quem possa consumir e quem “nunca viu, nem comeu, só ouço falar” – como diz a música de Zeca Pagodinho.
Mesmo com o passar dos anos, guerras e novas civilizações, a maldita manteve a mesma reputação durante séculos. E isso é no Brasil, na França, nos Estados Unidos ou em qualquer outro lugar do planeta.
O ingrediente é um verdadeiro farol. Simples. Sem rodeios. Para o ovas de esturjãopeixes pré-históricos com mais de 250 milhões de anos, são sinônimos de “o saber viver” – em tradução livre algo como aproveitar ao máximo a vida. Aqui foi escrito em francês para dar ainda mais sofisticação às coisas.
O mundo inteiro consome ovas de peixe, seja salmão, truta ou tainha, mas nenhuma delas pode ser chamada de caviar.
Caviar, o verdadeiro, é o nome dado às ovas não fertilizadas de alguns esturjões da Eurásia e da América do Norte. São 27 espécies, mas as mais desejadas são quatro: Almas, Beluga, Oscietra e Sévruga.
Essas espécies são encontradas no Mar Cáspio, lar de quase todos os peixes selvagens que ainda não foram extintos do planeta.
O mais desejado do mundo
Ó O caviar mais caro do mundo é Almas, que em russo significa “diamante”. Ele vem da região hoje conhecida como Crimeia, no sul da Ucrânia. Segundo o Guinness Book – o Livro dos Recordes, o Almas é vendido regularmente por US$ 34,5 mil (cerca de R$ 178 mil) o quilo, o que o torna o alimento mais caro do mundo. Provém exclusivamente de esturjão albino com mais de 100 anos.
O caviar beluga É produzido por peixes maiores, que pesam de 600 a 800 quilos. O peixe vive exclusivamente no Mar Cáspio, no Irã. As ovas são as maiores entre todos os caviares. Alguns podem atingir o tamanho de uma ervilha. As cores variam entre o cinza prateado e o cinza escuro, quase preto. A quantidade de sal é equilibrada e tem leve sabor amanteigado. Durante muito tempo foi reservado exclusivamente às famílias reais.
Ó Esturjão Oscietra É muito menor que o Beluga. Hoje, a maior parte dos peixes é cultivada para garantir produção e qualidade contínuas. Possui consistência agradável e sabor sutil. Suas cores variam entre o marrom escuro e o dourado. E quanto mais leves são, mais caros – isto significa que são produzidos por esturjões mais velhos.
Sevruga É o mais comum e o que se reproduz mais rapidamente. As ovas são menores e cinza peroladas. Seu sabor inclui um sabor marítimo acentuado e um tanto cremoso.
Características do caviar
Tamanho e cor das ovas: variam de acordo com a espécie de esturjão de onde provêm. Alguns são pequenos e delicados, outros robustos. A cor pode variar entre o preto intenso e o dourado brilhante.
Sabor: delicadamente salgado. Algumas variedades podem apresentar notas mais suaves e cremosas, enquanto outras são mais intensas e complexas. Todos, porém, trazem um leve sabor de maresia.
Textura: explosivo. Quando consumido, o caviar explode suavemente na boca. Esta explosão faz parte e é essencial à experiência sensorial de provar caviar.
É bom, escasso e caro
O preço do caviar é governado por uma equação que combina escassez, domínio artesanal e status social. A raridade cada vez mais evidente do esturjão selvagem, aliada à cuidada colheita das ovas e à delicada maturação, gera uma iguaria extremamente desejada e raramente oferecida.
Nas 320 páginas do livro Caviar – A estranha história e o futuro incerto da iguaria mais cobiçada do mundopor Inga Saffron, a jornalista americana, que foi correspondente do jornal Inquiridor da Filadélfia, na década de 1990, em Moscou, destaca como o comunismo soviético foi duro com os esturjões. Porém, segundo a obra, o capitalismo americano era ainda pior.
A economia estatal bolchevique ajudou a manter os preços elevados e a controlar a produção. Com o fim da União Soviética, em 1991, o ingrediente tornou-se apenas mais uma mercadoria a ser vendida nas mãos dos americanos. Ganhou as prateleiras de todo o mundo. O resultado foi imediato: o preço despencou e diversas ovas de origem duvidosa tomaram conta do mercado.
A produção de caviar, no entanto, foi então altamente impactada. As fêmeas do esturjão começaram a morrer no meio do seu habitat nos mares Cáspio e Negro – como resultado, menos ovos são produzidos e, portanto, consumidos.
Como são cada vez mais difíceis de encontrar, os preços sobem e o caviar fica ainda mais caro.
Processo lento e muitas ovas para pouco caviar
O caviar é um dos ingredientes icônicos da culinária russa. Mas a Rússia, não podemos esquecer, é o país com maior território do planeta, representando 3,35% da superfície total da Terra. Como transportar essa mercadoria de um lugar para outro sem estragá-la?
Foi aí que os pescadores tiveram a ideia de conservar as ovas com sal. O esturjão beluga leva até dois anos para atingir a maturidade necessária para produzir ovas.. Os ovos devem ser retirados enquanto o peixe estiver vivo. para garantir a sua qualidade e frescura.
Em seguida, são lavados e colocados em salmoura. Estes são então continuados por aproximadamente um a dois meses para atingir um grau ideal de cura.
O caviar prensado é preparado com ovas comprimidas. São necessários 5 quilos de caviar fresco para obter 1 quilo de caviar prensado.
Mais de 300 anos até se tornar um item de luxo
Ao longo de 300 anos, as ovas de esturjão deixaram de ser comidas por porcos (durante a época dos mongóis), por pessoas escravizadas e por aldeões, para se tornarem o alimento ingrediente mais caro e cobiçado do mundo. O caviar saiu direto da mesa dos camponeses para as bandejas de prata dos aristocratas.
O extermínio do esturjão começou na Idade Média, quando a carne deste peixe era extremamente valorizada. Apesar do seu aspecto pré-histórico, é um peixe que não luta muito quando capturado.
Tudo mudou em 1671, quando os cossacos rendidos (grupo heterogêneo, formado por dissidentes da Igreja Ortodoxa, camponeses fugindo do sistema feudal e marginalizados) presentearam o czar Aleixo com um prato de caviar como demonstração de humildade e submissão.
A partir de então, esta oferta de ovas de esturjão tornou-se uma obrigação e o melhor caviar foi enviado diretamente aos nobres de Moscou.
Com o exílio dos príncipes russos na França, o caviar chegou na mala. Preparar! O que antes era alimento para os pobres deu à vida um upgrade nunca antes visto na história: de ração para o ingrediente mais caro do mundo.
sotaque francês
Apesar de ter nascido na Rússia, o sotaque do ingrediente mais caro do mundo é o francês. Foi à mesa da burguesia parisiense que se estabeleceu.
Com a Revolução Industrial, a partir de meados do século XVIII, que possibilitou a consolidação do capitalismo, nasceu também o conceito de mercado de luxo, voltado para pessoas com alto poder aquisitivo.
“O luxo não é uma indústria. Na verdade, é um conceito construído ao longo do tempo por marcas icónicas e muitas vezes centenárias.”, explica Carlos Ferreirinha, fundador e presidente da MCF Consultoria, especializada em Inteligência Estratégica para Gestão de Luxo e Premium.
Segundo Ferreirinha, são diversas as características que transformam um produto ou serviço em premium, como: a aura de qualidade extraordinária, excepcional e inegociável aliada a elementos como raridade, exclusividade e “aquilo que não está disponível para todos a qualquer preço ou momento”.
Relativamente ao caviar, Ferreirinha diz que, tal como o mercado dos diamantes, a indústria precisa de ser regulamentada. “Hoje grande parte das marcas emblemáticas de diamantes trabalham com padrões e práticas muito rígidas em relação à dinâmica do mercado, como responsabilidade social, sustentabilidade e respeito.”
E se para alguns o ingrediente mais caro do mundo pode soar um tanto ostensivo e até caricaturado, Ferreirinha lembra que nenhum produto é ostensivamente luxuoso, esse é o comportamento de quem o consome.
Voltando a França, foi exactamente na terra do champanhe que o caviar encontrou o seu berço de ouro. “Caviar sempre foi sinônimo de luxo, ao lado do foie gras. São duas iguarias que um chef francês tem sempre à mão quando quer elevar um menu à sofisticação.”, afirma o chef executivo do Hotel Unique, Emmanuel Bassoleil, que criou em 1992, no extinto Roanne, o icónico prato de robalo cozido a vapor, com creme de champanhe e caviar.
“É um ingrediente que traz celebração. E Há todo um ritual para ser desfrutado, assim como o charuto. Precisa estar na temperatura ideal e ser arejado, ou seja, mexido com uma colher para que o oxigênio possa entrar”, completa.
Ao preço do ouro
O caviar, por si só, já é um produto caro. Porém, algumas produções podem aumentar ainda mais o item, que custa quase R$ 200 mil o quilo.
Um exemplo é o caviar branco. Essas ovas são ainda mais raras porque são albinas e retiradas do esturjão siberiano.
E para quem quiser uma versão ainda mais exclusiva, existe o Strotarga Bianco (conhecido como Ouro Branco). Esta edição de alto luxo é feita de ovas raras de esturjão siberiano albino e polvilhadas com fios de ouro comestível de 22 quilates.
Esta iguaria Custa cerca de R$ 538 mil – mas não é o quilo, mas sim uma lata de apenas 32 gramas.
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