Um estudo com a participação de pesquisadores brasileiros parece ter demonstrado que o modelo padrão utilizado para explosões solares está desatualizado. Os dados obtidos através da observação telescópica do Sol não puderam ser explicados por nenhuma das teorias aplicadas.
As explosões solares são eventos extremamente intensos que ocorrem na atmosfera do Sol com durações que variam de minutos a algumas horas. De acordo com o modelo padrão, a energia que desencadeia tais fenômenos é transportada por elétrons acelerados que correm da região de reconexão magnética na coroa para a cromosfera.
Por meio de colisões, esses elétrons depositam energia na cromosfera, causando aquecimento e ionização do plasma e radiação intensa em diversas faixas do espectro eletromagnético. As regiões de deposição de energia são chamadas de “pés” dos arcos de explosão e geralmente aparecem em pares conectados magneticamente.
Para testar a validade do modelo padrão, um estudo recente comparou resultados de simulações computacionais baseadas no modelo com dados observacionais fornecidos pelo telescópio McMath-Pierce durante a erupção SOL2014-09-24T17:50. O foco do estudo foi medir o intervalo de tempo na emissão de radiação infravermelha (IR) de duas fontes cromosféricas emparelhadas.
O trabalho foi publicado no diário Avisos mensais da Royal Astronomical Society.
“Encontramos uma diferença importante entre os dados fornecidos pela observação telescópica e o comportamento previsto pelo modelo. Na observação telescópica, os pés de arco emparelhados aparecem como duas regiões intensamente luminosas na cromosfera solar. Como os elétrons incidentes partem da mesma região da coroa e seguem trajetórias semelhantes, seria esperado, com base no modelo, que as duas manchas brilhassem quase simultaneamente na cromosfera. Não foi isso, entretanto, o que a observação telescópica mostrou. Houve um atraso de 0,75 segundos entre um brilho e outro”, diz Paulo José de Aguiar Simões, professor da Escola de Engenharia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, pesquisador do Centro de Radioastronomia e Astrofísica Mackenzie e primeiro autor do artigo.
Um atraso de 0,75 segundos pode parecer irrelevante, mas considerando todas as configurações geométricas possíveis, os pesquisadores descobriram que, com base no modelo, o atraso máximo seria de 0,42 segundos. O número real é significativamente maior.
“Utilizamos uma técnica estatística sofisticada para inferir as diferenças temporais das emissões do arco pé, e o chamado Método de Monte Carlo para estimar as incertezas desses valores. Além disso, os resultados foram testados por simulações de transporte de elétrons e simulações hidrodinâmicas radiativas. Através de todos esses recursos, conseguimos construir diferentes cenários para o tempo de voo dos elétrons da coroa até a cromosfera e o tempo de produção da radiação infravermelha. Todos os cenários baseados em simulações apresentaram diferenças de tempo muito menores do que as obtidas pela observação telescópica”, informou Simões.
Um dos cenários testados foi a espiralização e aprisionamento magnético de elétrons na coroa. “Usando simulações de transporte de elétrons, exploramos cenários de assimetria magnética entre os pés dos arcos. A expectativa era que quanto maior a diferença nas intensidades do campo magnético entre os pés do arco, maior o atraso na penetração dos elétrons na cromosfera. Isso também deve causar uma discrepância maior no número de elétrons que chegam à cromosfera, devido ao efeito de aprisionamento magnético”, disse.
“No entanto, a análise dos dados observacionais de raios X mostrou intensidades muito semelhantes originadas na base dos arcos, indicando quantidades semelhantes de deposição de elétrons nessas regiões. Portanto, a causa do atraso observado nas emissões não estava lá”, afirmou o pesquisador.
Simulações hidrodinâmicas radiativas também mostraram que os tempos de ionização e recombinação na cromosfera são muito rápidos para explicar o atraso.
“Simulamos o tempo de geração das emissões infravermelhas. Além de calcular o transporte de elétrons para a cromosfera, calculamos também sua deposição de energia e as consequências que produzem no plasma: aquecimento; expansão; ionização e recombinação de átomos de hidrogênio e hélio; radiação produzida no local, que tem o efeito de liberar o excesso de energia. A radiação infravermelha é produzida em decorrência do aumento da densidade eletrônica no meio cromosférico, consequência da ionização do hidrogênio, originalmente em estado neutro no plasma”, explicou.
Os resultados das simulações mostraram que, com a penetração de elétrons acelerados, a ionização e a geração de emissão infravermelha são quase instantâneas. “E, portanto, incapaz de explicar o atraso de 0,75 segundos entre as emissões do arco pé”, acrescentou Simões.
Em suma, nenhum dos processos simulados a partir do modelo foi capaz de explicar os dados observados. Diante disso, a conclusão dos pesquisadores foi até certo ponto óbvia: é necessário reformular o modelo padrão. É assim que a ciência funciona.
“O atraso temporal observado entre fontes cromosféricas desafia o modelo padrão de transporte de energia por feixes de elétrons. A existência de um atraso maior sugere que outros mecanismos de transporte de energia podem estar em jogo. Mecanismos como ondas magnetossônicas, transporte condutivo ou outras formas de transporte de energia podem ser necessários para explicar o atraso observado. Esses mecanismos adicionais precisam ser considerados para uma compreensão completa das explosões solares”, resume o artigo.
O estudo recebeu apoio da FAPESP por meio de dois projetos (13/24155-3 e 22/15700-7).
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