Nota: María I. Cobos é pesquisadora de pós-doutorado na Universidade de Granada, Espanha. Ana B. Chica é professora na Universidade de Granada, na Espanha. O texto foi publicado originalmente no site The Conversation.
O desenvolvimento de inteligência artificial levanta uma questão de grande importância prática e ética: As máquinas podem adquirir consciência? Para responder a esta pergunta, primeiro precisamos entender o que queremos dizer com “consciência”.
Este termo implica estar atento ao que se passa à nossa volta, no nosso organismo ou nas nossas ações, o que nos permite comportar-nos de forma flexível e controlada.
Ó O comportamento consciente pode ser distinguido por duas característicasou recursos:
- a primeira característica (R1) refere-se ao disponibilidade global de informações. Embora algumas partes do cérebro sejam altamente especializadas (áreas visual, motora e de memória), um requisito da consciência é que a informação esteja disponível globalmente. Ou seja, se vemos algo, podemos dizer qual é a cor, a forma, o som ou como é percebido;
- a segunda característica (R2) permite automonitoramento deste processamento. Avalia se a resposta estava certa ou errada, o que nos permite corrigir essa resposta imediatamente ou em situações futuras. Isso é conhecido como “metacognição”.
Vamos, por exemplo, preparar uma omelete de batata. Nesta receita precisamos selecionar os ingredientes, pegá-los e utilizá-los na hora certa (primeira característica).
Durante a preparação, temos que provar os alimentos em etapas intermediárias para avaliar o sabor e adaptar essas características às preferências atuais. Se, por exemplo, quisermos diminuir a quantidade de sal, usaremos menos sal, mas controlaremos para que o resultado final seja satisfatório (segunda característica).
Ambas as características são consideradas pré-requisitos para a consciência. Se faltar um deles, o processamento será inconsciente. Poderíamos adicionar sal sem perceber, pois é algo que fazemos automaticamente.
Esse processamento é eficiente, não consome atenção nem recursos de memória, mas é limitado. Não podemos avaliar se adicionámos a quantidade certa e, por vezes, isso faz-nos até duvidar se adicionámos ou não.
Uma das grandes limitações do processamento inconsciente é que “não temos consciência daquilo de que não temos consciência”. Em outras palavras, não podemos estimar como é o nosso processamento inconsciente ou avaliá-lo.
Como avaliamos a consciência?
A primeira característica (disponibilidade global) foi observada em seres vivos sem linguagem. Desde os primeiros meses de vida, bebês humanos são capazes de entender regras e responder a estímulos que não seguem uma sequência previamente estabelecida.
Animais como corvos e primatas podem responder, se treinados, com respostas sim ou não a estímulos que são muito difíceis de detectar.
A segunda característica (metacognição) refere-se à nossa capacidade de autoavaliar o processamento.
Quando percebemos ou respondemos conscientemente, podemos estimar a probabilidade de que nossa percepção ou resposta esteja correta. Isto pode ser avaliado em animais medindo o quanto eles persistem na escolha inicial (persistiremos mais quanto mais certeza tivermos) ou permitindo a opção de não responder (em situações de menos certeza, escolheremos esta opção de não responder com mais frequência).
As máquinas podem ter essas características?
Alguns pesquisadores propõem que ambos os recursos poderiam ser implementados em máquinas, para que agissem como se fossem conscientes.
Imagine que agora você é um robô que precisa preparar uma omelete de batata. Se pudesse medir a pressão arterial de quem vai comê-lo, essa informação poderia ser disponibilizada para todo o sistema (primeiro recurso) para cozinhar com menos sal caso a pressão arterial estivesse alta.
Ao mesmo tempo, se a pressão arterial estiver excessivamente alta, esse sistema pode enviar um alarme para o telefone da pessoa para que ela possa agendar uma consulta médica (primeiro recurso).
Além de tornar as informações acessíveis, seria interessante que o robô avaliasse seu próprio comportamento — por exemplo, se adicionar cebola à omelete resultou em um sabor agradável — e se atualizasse continuamente (segunda característica).
De acordo com esta posição, a consciência poderia ser reduzida a um conjunto de cálculos que poderiam ser implementados em máquinas.
O que esta abordagem não leva em conta é que, nos organismos biológicos, a consciência surge não apenas da interação do cérebro com o ambiente, mas também da interação do cérebro com o próprio organismo.
A fome, por exemplo, gera uma série de reações fisiológicas que o cérebro interpreta como sensação, emoção ou sentimento. Estas interpretações são parte essencial da consciência dos seres vivos, que se desenvolveram ao longo de milhões de anos de evolução e permitem a sobrevivência.
Diante do perigo, o coração bate mais rápido, o que nos ajuda a escapar da situação, mas também gera medo.
Estudos recentes descobriram que o batimento cardíaco é mais lento quando é percebido conscientemente do que quando não é percebido conscientemente. Isto indica que estar consciente envolve não só monitorizar o ambiente, mas também monitorizar os próprios sinais que o nosso corpo envia para melhor se adaptar, aprender e adaptar o nosso comportamento às novas exigências do ambiente.
Essas interações entre o cérebro e o organismo são essenciais para gerar experiências subjetivas na primeira pessoa (“eu vi”). Compreender a consciência nos humanos envolve compreender não apenas como respondemos ao ambiente, mas também como as informações do sistema nervoso central (cérebro) e periférico (corpo) são integradas para criar a experiência subjetiva de percepção.
Consciência ainda muito distante
As evidências científicas atuais mostram que, para que a consciência ocorra, é necessário um sistema que seja capaz de processar a informação, selecionando parte dela para disponibilizá-la globalmente (primeiro recurso) e que avalie, aprenda e retifique com base na experiência (segundo recurso).
Os cálculos atualmente realizados pelas máquinas não atendem a essas características e, além disso, carecem de uma mente e de um organismo vivo capaz de construir representações sensoriais tanto do ambiente quanto do estado interno de seu próprio organismo (o hardware, no caso de máquinas).
Esta falta de monitorização interna entre o cérebro e o organismo limita a possibilidade de as máquinas desenvolverem a consciência tal como a entendemos atualmente. Contudo, a ciência deve permanecer atenta ao rápido progresso da tecnologia, monitorizando os seus avanços e antecipando dilemas éticos que possam surgir.
Este artigo foi republicado de The Conversation. Leia o artigo original.
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