De acordo com um estudo publicado na revista Clinical Oral Investigations, pessoas que sofrem de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) frequentemente relatam que apertam ou rangem os dentes constantemente durante o dia – um hábito conhecido como bruxismo acordado. O trabalho, que incluiu o exame clínico de aproximadamente 80 pacientes, entre casos e controles, chama a atenção para a importância da dentistas e psiquiatras trabalhar juntos em um diagnóstico mais preciso dos dois problemas de saúde.
Conceito cunhado nos Estados Unidos, baseado no comportamento apresentado por veteranos de guerra, o transtorno de estresse pós-traumático passou a incluir, com o tempo, também vítimas de violência urbana. Estima-se que esta condição afete cerca de 4% das pessoas expostas a eventos violentos ou acidentais, como combates, tortura, ameaças de morte, balas perdidas, desastres naturais, ferimentos graves, violência física ou sexual e sequestros repentinos.
“Considerando que, na Região Metropolitana de São Paulo, mais de 50% dos habitantes já foram expostos a algum tipo de trauma urbano, número comparável a áreas de conflito civil, é de grande importância compreender os possíveis impactos psicológicos e manifestações físicas do TEPT, que podem persistir por anos após o trauma”, diz Yuan-Pang Wang, pesquisador do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq-FM-USP) e coautor do estudo.
Esses sintomas incluem memórias angustiantes, involuntárias e recorrentes do evento, estado emocional negativo, comportamento autodestrutivo, alterações no padrão de sono e reação dissociativa (alterações na consciência, memória, identidade, emoção, percepção do ambiente e controle comportamental), entre outros. Poucos estudos, porém, estudaram a relação entre estresse pós-traumático e dor orofacial e bruxismo, que é definido como a atividade repetitiva do músculo mastigatório. Sua prevalência na população geral varia entre 8% e 30%.
Neste estudo apoiado pela Fapesp, pacientes com diagnóstico de TEPT atendidos no Ambulatório de Trauma do Instituto de Psiquiatria da FM-USP foram encaminhados para exame clínico que teve como objetivo analisar sua saúde bucal.
Segundo os pesquisadores, além do bruxismo autorrelatado, os pacientes também apresentaram diminuição do limiar de dor após o exame clínico.
“Constatou-se que a higiene oral não estava relacionada com o problema”, afirma Ana Cristina de Oliveira Solis, primeira autora do estudo. “A avaliação periodontal, que também incluiu a medição do nível de placa bacteriana e sangramento gengival, mostrou que os pacientes com estresse pós-traumático apresentavam um nível de higiene bucal semelhante aos controles. No entanto, os pacientes sentiram mais dor após a sondagem.”
Tratamento multidisciplinar
Segundo os pesquisadores, atualmente o bruxismo não é mais considerado um sintoma isolado, mas sim uma evidência de um problema maior. “Nosso trabalho mostra que pode haver manifestação de transtorno de estresse pós-traumático a nível bucal, evidenciado por bruxismo e maior nível de dor após exame clínico odontológico. Isto requer uma atuação conjunta entre psiquiatras, psicólogos e dentistas, o que pode contribuir para o rastreio [rastreamento] e o tratamento de ambas as condições de saúde”, afirma Solis.
Para isso, a pesquisadora recomenda que, durante o exame clínico, o dentista esteja atento aos relatos de dor dos pacientes e considere a possibilidade de se deparar com uma pessoa com problemas psiquiátricos ainda não diagnosticados.
“Pacientes que vivenciaram algum evento traumático podem sentir vergonha de falar sobre o assunto e procurar ajuda especializada; O hábito de procurar atendimento odontológico é muito mais comum e frequente”, afirma Solis. “Portanto, seria interessante que os dentistas incorporassem instrumentos de triagem de transtornos mentais em sua rotina de atendimento e os aplicassem a esses pacientes. Também é importante saber orientar o paciente a procurar ajuda especializada.”
Os psiquiatras, por sua vez, podem questionar os pacientes com TEPT sobre sintomas orais, como bruxismo, dores musculares e dores na articulação temporomandibular (ATM). Nesse caso, deverão encaminhá-lo ao dentista para que seja realizado um tratamento multidisciplinar e sua qualidade de vida melhore.
O artigo “Bruxismo auto-relatado em pacientes com transtorno de estresse pós-traumático” pode ser lido em:
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