Para o inundações devido às fortes chuvas no Rio Grande do Sul impactou milhares de famílias. Segundo o último balanço divulgado nesta sexta-feira (10) pela Defesa Civil do estado, são quase 2 milhões de pessoas afetadas pela tragédia, sendo mais de 337 mil desabrigados e mais de 69 mil pessoas em abrigos.
Além das perdas materiais, há um enorme dano psicológico para essas famílias e saúde mental da população local já se tornou uma preocupação de saúde pública. Segundo Miriam Alves, presidente do CRPRS (Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul), os prejuízos causados pelas enchentes – que podem incluir, além de familiares, amigos e animais, espaços como residências, espaços comunitários e culturais, escolas, hospitais, trabalho, igrejas e terreiros – podem impactar o bem-estar mental a curto, médio e longo prazo.
“Entre as reações emocionais e comportamentais esperadas dessas vítimas, temos a própria tristeza, angústia, raiva, choro, preocupação com o futuro, falta de apetite ou excesso dele e insônia”, explica Alves ao CNN.
“Existe também a possibilidade de aumento de sintomas psicológicos em pessoas que já necessitavam de cuidados de saúde mental, bem como aumento do uso de substâncias e ocorrência de diversos fatores de violência. São reações esperadas e temos que ser observadas na prática, nos abrigos, e temos que refletir sobre o que a psicologia pode oferecer para ajudar”, afirma.
Diante deste cenário, as necessidades de apoio psicológico concentram-se no apoio prático. “Esta não é a escuta clínica a que estamos habituados, como a psicoterapia. Envolve apoio prático, oferecendo água, oferecendo local seguro para se aquecer, sentar e oferecer comida. São cuidados básicos e não devem ser realizados de forma invasiva”, explica Alves.
Efeitos indiretos das inundações na saúde mental
Além das vítimas diretas das inundações, existem também outros níveis de impacto no bem-estar mental causados pelas catástrofes naturais. É o caso de quem mora em bairros e regiões não afetados pelas chuvas no RS, mas que conhece familiares ou amigos que foram impactados, ou mesmo quem acompanha a situação pelos noticiários e redes sociais.
“Vivemos uma situação em que todos estamos sendo afetados, de diferentes formas”, afirma Miriam Alves. “As notícias mostraram como a situação no Rio Grande do Sul afetou a todos em nível nacional. O cavalo caramelo [que estava ilhado e foi resgatado] É um exemplo perfeito dessa afetação nacional”, menciona.
O presidente do CRPRS explica que, nestes casos, o cuidado em saúde mental passa também pela escuta ativa por parte dos profissionais.
“Aqueles que estão seguros também deveriam poder falar sobre isso. Você não pode ignorar o que está acontecendo. Colocar em palavras esses sentimentos é fundamental para a sociedade como um todo, para que seja ainda possível construir estratégias para minimizar esses impactos no futuro, pois vivemos uma situação que, infelizmente, se repetirá”, afirma.
A psicóloga clínica Camilla Rodrigues conta CNN que, durante seu atendimento, tem recebido relatos de pacientes ansiosos e angustiados ao acompanhar a situação no RS.
“O que aconselho é evitar assistir vídeos sensacionalistas; se você se emocionar, compartilhe a notícia; Se você tiver possibilidade de fazer uma doação, procure uma instituição ou voluntário de confiança, e se tiver recursos para buscar ajuda clínica, faça-o”, aconselha.
As crianças também são afetadas e devem receber apoio psicológico
As crianças vítimas de enchentes no RS também devem receber atenção especial. José Paulo Ferreira, presidente da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul, conta CNN que as crianças não conseguem compreender a dimensão do que está a acontecer e, por isso, devem receber orientação e ajuda dos seus pais ou responsáveis.
“É preciso entender que será preciso explicar às crianças porque tudo isso aconteceu. Por que eles tiveram que sair de casa com pressa; por que, eventualmente, um de seus familiares se perde; por que ela e sua família estão morando em um abrigo ou por que falta água e comida em suas casas… É uma situação que nem as crianças nem os adultos estão preparados para enfrentar, mas é preciso conversar com eles”, ele aconselha.
Além disso, as crianças que vivem em abrigos devem, na medida do possível, ter a oportunidade de brincar e exercer a criatividade. “É através da brincadeira que as crianças expressam os seus sentimentos de irritação ou frustração e as suas ansiedades. Isso até nos ajuda a entender o que essa criança precisa”, afirma Ferreira.
O especialista afirma ainda que as crianças que não foram directamente afectadas pelas cheias, mas que vivem em locais próximos das regiões mais afectadas, também podem sentir os impactos da tragédia. “É uma situação muito triste na região. Todo o estado está de luto. As aulas, por exemplo, foram suspensas esta semana. Tudo isso afeta as crianças e o trabalho tem que ser feito com todas elas, não apenas com as mais vulneráveis”, afirma.
Como obter ajuda? Veja serviços que estão trabalhando para apoiar a saúde mental
As vítimas diretas e indiretas das enchentes no Rio Grande do Sul podem obter apoio psicossocial por meio de alguns serviços disponíveis atualmente. Confira abaixo:
Rede de Atenção Psicossocial (RAPS)
A Rede de Atenção Psicossocial é constituída por um conjunto integrado e articulado de pontos para atender pessoas em sofrimento psíquico, no âmbito do SUS (Sistema Único de Saúde). Os serviços são prestados nos seguintes pontos de cada município e região:
- UBS (Unidade Básica de Saúde);
- CAPS (Centros de Atenção Psicossocial);
- UA (Unidades de Acolhimento);
- Hospitais Gerais;
- Centros Comunitários e Culturais.
Numa nota enviada a CNNa Secretaria de Estado de Saúde do Rio Grande do Sul afirmou que “a Política Estadual de Saúde Mental do RS vem trabalhando na elaboração do plano de ação de saúde mental e atenção psicossocial para o enfrentamento do desastre no estado” e que, dentre as ações para população, está apoiando a reorganização da Rede de Atenção Psicossocial para retomar o atendimento à população.
Além disso, a secretaria afirma que estão trabalhando para “qualificar a atenção primária à saúde (postos de saúde) para a atenção à saúde mental” e que “o Estado transferirá recursos específicos para esse fim aos municípios prioritários”.
Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre
A Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre está disponibilizando um serviço de apoio online gratuito para vítimas de enchentes e profissionais envolvidos no resgate das vítimas. Os interessados devem entrar em contato pelo número (51) 99113-5950.
Abrigos
Nos abrigos dedicados às vítimas das enchentes, também existem equipes multidisciplinares para atender a população, incluindo psicólogos. Segundo a SES, o mapeamento e intervenção do apoio psicossocial em abrigos também faz parte do plano de ação de saúde mental e atenção psicossocial do estado do RS.
Para quem quiser ajudar: Secretaria de Saúde cadastra profissionais voluntários
A Secretaria de Estado de Saúde está cadastrando profissionais de saúde para formar um grupo de voluntários para atuar nos municípios afetados, incluindo psicólogos. A colaboração ocorre em unidades de pronto atendimento, hospitais e outros serviços de saúde. A inscrição pode ser feita através site da secretaria.
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