As enchentes causadas pelas fortes chuvas no Rio Grande do Sul não trazem apenas impactos materiais. Os danos psicológicos serão sentidos a curto, médio e longo prazo, conforme explicam especialistas ouvidos pelo CNN.
“Entre as reações emocionais e comportamentais esperadas dessas vítimas, temos a própria tristeza, angústia, raiva, choro, preocupação com o futuro, falta de apetite ou excesso dele e insônia”, lista Miriam Alves, presidente do CRPRS ( Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul).
“Existe também a possibilidade de aumento dos sintomas psicológicos de pessoas que já necessitam de cuidados prévios de saúde mental, bem como de aumento do consumo de substâncias e da ocorrência de diversos fatores de violência. Todas essas são reações esperadas e temos que estar observando na prática, sobretudo, o que a psicologia pode oferecer”, afirma, em artigo publicado anteriormente pela CNN.
Para atender essa demanda de apoio psicossocial às vítimas das enchentes, a Secretaria de Estado de Saúde (SES) do Rio Grande do Sul está cadastrando profissionais da área, como médicos e psicólogos, para formar um grupo de voluntários que possam ajudar os municípios atingidos.
A psicóloga clínica Camilla Rodrigues é uma das voluntárias e trabalha na Escola Mesquita, na zona norte de Porto Alegre, um dos abrigos para vítimas de enchentes na região. A CNNela conta que, inicialmente, a preocupação dos atingidos era estocar alimentos, roupas e produtos de higiene.
“Até então eles estavam tranquilos, mas depois de uns três dias a ficha caiu”, diz ele. “Passámos de uma preocupação centrada no armazenamento para uma preocupação centrada na angústia. Eles perguntaram: ‘Onde está meu familiar perdido?’, ‘Onde está meu cachorro que não consegui resgatar?’, ‘Você sabe se minha casa foi tomada ou não?’, ‘Perdi meus documentos, o que eu vou fazer? ?’, ‘Está chovendo de novo. E agora?’”, compartilha.
A maior parte dos familiares atendidos por Rodrigues são ribeirinhos que perderam todos os seus pertences com as enchentes. “A maioria das casas não é de alvenaria, são de compensado e materiais reciclados. Então essas vítimas estão começando a perceber que não sobrou nada”, relata.
Diante desse cenário, o atendimento psicológico visa o suporte prático. “Estamos mediando as angústias dos pacientes e seguindo o protocolo do Conselho Regional de Psicologia, que é oferecer escuta e não ficar remoendo o que aconteceu, apenas acolher, sem dar falsas esperanças”, acrescenta Rodrigues.
Em seguida, são fornecidas orientações sobre o que o governo está oferecendo como recursos para as famílias afetadas, conforme explica Rodrigues, além de mapear os documentos perdidos pelas vítimas durante as enchentes. Também é restabelecida uma rede de apoio com familiares e conhecidos que não foram diretamente afetados pela tragédia.
Os profissionais de saúde também são afetados
Num cenário de desastre ambiental, como as enchentes no Rio Grande do Sul, os impactos na saúde mental são observados para além das vítimas diretas. Aqueles que estão na linha de frente no resgate e acolhimento da população afetada são impactados e muitas vezes precisam de ajuda.
A psicóloga Helen Barbosa dos Santos, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul na Pós-Graduação em Psicologia, também se ofereceu para ajudar vítimas alojadas em um abrigo em Eldorado do Sul, uma das regiões mais afetadas pelas enchentes.
Em seu relatório para CNNa psicóloga diz que está surgindo uma demanda para atender os próprios profissionais voluntários.
“Quem está na linha de frente acaba sendo vítima secundária da tragédia”, afirma o voluntário. Ela explica que as principais vítimas são aqueles que foram directamente afectados pelas cheias, com as suas casas e outros pertences perdidos e familiares e amigos próximos também afectados. Os secundários são aqueles que, de alguma forma, também estão observando a dor de quem sofreu essas perdas.
“Os psicólogos estão começando a acolher profissionais exaustos, cansados e que até brigam entre si. Então, precisamos trabalhar todas essas frentes”, relata.
É necessária formação de profissionais de saúde voluntários
Diante de um cenário de desastre natural é preciso dar apoio psicológico, explica Helen Barbosa dos Santos. “É fundamental para a saúde mental não só ouvir. É importante também trabalhar os fluxos de atendimento, trabalhar as relações entre os profissionais voluntários e capacitá-los para ouvir a vítima pela primeira vez, para saber o que dizer e o que não dizer às vítimas traumatizadas”, enfatiza.
O CRPRS, considerando o grande número de psicólogos que já atuam em abrigos, organizou círculos de orientação em emergências e desastres para profissionais interessados em ajudar, disponíveis em diferentes datas e horários. Você pode visualizar a programação através site.
Para quem quiser ajudar: Secretaria de Saúde cadastra profissionais voluntários
A Secretaria de Estado de Saúde está cadastrando profissionais de saúde para formar um grupo de voluntários para atuar nos municípios afetados, incluindo psicólogos. A colaboração ocorre em unidades de pronto atendimento, hospitais e outros serviços de saúde. A inscrição pode ser feita através site da secretaria.
O CRPRS ressalta que somente os profissionais formados em Psicologia e regularmente inscritos no conselho estão autorizados a exercer profissionalmente.
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