A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou nesta quarta-feira (14) o atual surto de mpox em África como emergência de saúde pública global. O anúncio foi feito numa reunião com o comité de emergência em meio a preocupações de que uma estirpe mais mortal do vírus, chamada clade 1B, esteja a espalhar-se para outras regiões do mundo.
Em julho, a OMS incluiu o vírus mpox na lista atualizada de microrganismos com potencial para causar novas pandemias. O documento foi emitido na Cúpula Global de Preparação para a Pandemia de 2024, que aconteceu naquele mês no Rio de Janeiro.
O relatório visa criar conhecimentos, ferramentas e contramedidas amplamente aplicáveis que possam ser rapidamente adaptadas às ameaças pandémicas emergentes. Além disso, a estratégia também visa acelerar a vigilância e a investigação para compreender como os agentes patogénicos transmitem doenças e infectam os seres humanos e como o sistema imunitário lhes responde.
Apesar disso, a declaração da mpox como uma emergência global de saúde pública não significa que o surto esteja se transformando em uma pandemia. Contudo, o alerta serve para enfatizar o elevado risco de uma doença se espalhar para outros países através da propagação internacional, além de alertar para a necessidade de uma resposta internacional coordenada para conter esta doença.
“O maior receio da OMS é que este clado 1 saia da República Democrática do Congo e se espalhe pelo mundo, que foi o que aconteceu com o clado 2 em 2022”, explica o médico infectologista Álvaro Costa, cujo tema é Mpox. centro de pesquisa doutoral, em artigo publicado anteriormente em CNN.
“Naquela altura, todos os casos de mpox estavam concentrados em África, e os casos noutras regiões foram importados de pessoas que viajavam para lá, e de repente tivemos um surto. A tensão agora é evitar um surto global com essa outra variante”, acrescenta o especialista.
O clade 1 e o clade 2 são grupos diferentes de vírus que, apesar de apresentarem semelhanças genéticas, não são idênticos. De acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), o clade 1 leva a doenças mais graves e é mais letal em comparação com o clade 2.
O Clade 1 é endêmico na República Democrática do Congo e é responsável pelo surto atual. Em setembro de 2023, também foram registrados casos relacionados à subvariante 1B no país e em regiões adjacentes. O Clade 2 foi responsável pelo surto global que começou em 2022, de acordo com o CDC. No Brasil, os casos atuais estão relacionados à circulação do clade 2.
O Mpox pode se tornar uma pandemia? O que os especialistas pensam
O clade 1B, além de ser mais letal, parece ter maior transmissibilidade, segundo a infectologista Raquel Stucchi, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). Justamente por essa característica, o especialista acredita que é possível que mpox cause uma nova pandemia.
“Sabemos que, hoje em dia, não existe mais nenhuma doença infecciosa que fique concentrada em um único local com toda movimentação de pessoas [de um país para o outro]”, explica o infectologista ao CNN. “Assim, é possível que chegue a outros países de vários continentes, ainda mais por ser mais transmissível”, afirma.
Para Giliane Trindade, professor de microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), também há chances de a nova variante se espalhar para outras regiões do mundo além da África.
“Vivemos num mundo globalizado e o que vemos na República Democrática do Congo é que se trata de uma variante muito transmissível. Há transmissão comunitária e não é controlada. Isso é sempre um risco quando associado ao fator globalização”, afirma o professor, em artigo publicado anteriormente na CNN.
Segundo Hélio Bacha, infectologista do Hospital Israelita Albert Einstein, como a variante 1B do vírus mpox tem maior transmissibilidade, a preocupação da OMS em declarar emergência de saúde pública global é pertinente e real. “A importância de termos esta declaração é que temos medicamentos e vacinas eficazes contra esta doença, mas não em quantidade suficiente para enfrentar uma situação de pandemia”, afirma. CNN.
O que deve ser feito para conter uma nova pandemia
Stucchi afirma que, entre as principais medidas para conter surtos e uma nova pandemia causada pela mpox, está a vacinação da população, com maior igualdade no acesso à vacina. “Infelizmente, parece que não aprendemos — como sociedade, gestores públicos e população — com a pandemia da Covid-19 sobre equidade. Já devíamos ter vacinado a população africana, porque sempre foi uma população mais afectada pela doença [mpox] e é aqui que há maior mortalidade”, afirma o especialista.
Também é necessário fornecer tratamento adequado e iniciá-lo precocemente em pacientes com maior risco de desenvolver casos graves de infecção por mpox, segundo o infectologista.
“Temos que ter uma política de responsabilidade multilateral, de vários países, para combater esta doença. A possibilidade de enfrentar esta doença individualmente sem o apoio e aporte financeiro de uma política global representa um risco muito elevado de termos um problema de saúde pública gravíssimo”, acrescenta Bacha.
Depois de declarar a mpox uma emergência de saúde pública global, a OMS assinou o processo de Lista de Uso de Emergência para ambas as vacinas mpox e desenvolveu um plano de resposta regional exigindo 15 milhões de dólares, com 1,45 milhões de dólares já libertados do Fundo de Contingência de Emergência da OMS.
No Brasil, o Ministério da Saúde anunciou que, a partir desta quinta-feira (15), instalará um Centro de Operações de Emergências em Saúde (COE) para coordenar as ações de resposta à mpox.
“Desde o anterior ESPII para Mpox, declarado pela OMS em julho de 2022 e encerrado em maio de 2023, a vigilância da doença continua sendo uma prioridade para o Ministério da Saúde, que tem monitorado de perto a situação global e as informações compartilhadas pela OMS e outras instituições. A secretaria já iniciou a atualização das recomendações e do plano de contingência para a doença no Brasil”, afirma o ministério em Comunicado de imprensa.
Casos de Mpox em todo o mundo
De acordo com o CDC, o actual surto de mpox na República Democrática do Congo é mais generalizado do que qualquer surto anterior na região e a letalidade é mais elevada. Só este ano, a República Democrática do Congo registou 15.600 casos de mpox e 537 mortes. O número já é superior ao surto de 2022, causado pelo clado 2: apesar dos 85 mil casos registrados, houve apenas 120 mortes. Em todo o mundo, a OMS já registou 99.176 casos confirmados de mpox em 116 países, de janeiro de 2022 a junho de 2024.
No Brasil, até o momento, foram registrados 709 casos de mpox. Na quarta-feira (14), a ministra da Saúde, Nísia Trindade, afirmou que não há motivo para “alarme”, mas sim para “alerta” em relação ao vírus mpox.
“Neste momento não há registo de grande preocupação, mas diversas medidas podem ser tomadas, como alertar os viajantes e uma série de ações que devem ser tomadas em situações como esta”, disse o ministro.
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