A pouco mais de quatro meses das eleições municipais, a ministra Cármen Lúcia assume, nesta segunda-feira (3), a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em substituição ao ministro Alexandre de Moraes —ela continuará sendo a única mulher na Corte.
Como missão, organizará eleições municipais, a realizar em Outubro. Em declarações recentes, Cármen Lúcia já demonstrou preocupação com a inteligência artificial (IA) e a desinformação. A segurança no processo eleitoral também é um dos focos do novo presidente do TSE.
Padrões
No início do ano, o TSE aprovou 12 normas para eleições municipais. O conjunto inclui resoluções sobre como combater a desinformação e o uso indevido da IA.
Que esta tecnologia não seja utilizada para minar a democracia, os eleitores e as garantias das liberdades
Carmem Lúcia
A declaração da ministra foi dada no dia 28 de fevereiro, um dia após a apresentação das resoluções, quando falou ao plenário do STF sobre o tema. Na ocasião, o juiz também analisou a forma como a desinformação impacta o regime democrático.
A desinformação tornou-se uma doença muito grave, com sérios riscos de comprometer a saúde democrática
Carmem Lúcia
Cuidadoso
Sobre o combate às fake news e ao uso de novas tecnologias durante a disputa nos municípios, o cientista político Leonardo Barreto destaca o direito à liberdade de expressão.
“O ministro precisará ser extremamente cuidadoso ao navegar na linha que separa as notícias falsas da opinião e das críticas ao governo. Ter o ajuste certo é fundamental para aumentar a credibilidade do TSE”, explicou.
Apesar de reconhecer o desafio, principalmente no que diz respeito ao controle das redes sociais, o cientista político Eduardo Grin, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), reforça o papel do Tribunal.
“É importante que o TSE e a Justiça regulem, cubram e sejam rigorosos com quem desinforma e, portanto, cria uma incapacidade de assumir uma posição justa e democrática.”
Segurança no processo eleitoral
Em abril, Cármen Lúcia se reuniu com juízes presidentes dos Tribunais Regionais Eleitorais de todo o país para apresentar as diretrizes e expectativas da Justiça Eleitoral para as eleições deste ano.
Durante a reunião, o ministro falou sobre confiabilidade, justiça e segurança no processo eleitoral.
Temos que estar preparados para este intenso trabalho e para os desafios que se colocam, nomeadamente nestas eleições autárquicas, garantindo a segurança constitucional e física dos juízes, funcionários, eleitores e demais envolvidos, e dos equipamentos e recursos tecnológicos, neste imenso processo democrático
Carmem Lúcia
“Teste” para 2026
Nas últimas eleições, em 2022, o tema também foi amplamente discutido, com vários estados adotando um esquema especial de segurança.
De acordo com boletim do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), durante o período da Operação Eleições 2022, foram registradas 1.166 ocorrências relacionadas a algum tipo de crime eleitoral.
As agressões físicas, que tiveram seu auge nos atentados de 8 de janeiro de 2023, e até mesmo os ataques à reputação das pessoas, seguiram-se a uma disputa “extremamente tensa” pela Presidência da República, afirma a cientista política Grazielle Albuquerque, professora do mestrado em Avaliação de Políticas Públicas da Universidade Federal do Ceará (UFC).
No caso das eleições autárquicas, o professor destaca que o pleito está mais relacionado com “rivalidades locais, discussões entre grupos vizinhos, rixas entre grupos geograficamente mais próximos, o que pode inflamar os ânimos e confirma mais uma vez a ideia de que as eleições de 2024 são um ‘ teste’ para 2026.
Imprensa livre
No início de maio, o ministro participou de painel sobre liberdade de imprensa na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), em São Paulo, e também fez referência ao processo eleitoral.
Não é possível realizar eleições sem uma imprensa livre e responsável, é impossível. A imprensa é a grande parceira do Judiciário ao oferecer ao público, aos cidadãos, aos eleitores e aos não-eleitores todas as informações para que possam fazer suas escolhas. Mas é muito perigoso imaginar que distorcendo, desinformando, mentindo você terá um resultado que é a liberdade do eleitor
Carmem Lúcia
Para Grin, o acesso à informação gratuita é considerado pela ciência política um dos pilares da democracia. “Porque é através da informação gratuita que as pessoas desenvolvem os seus argumentos, fazem as suas escolhas e, portanto, optam por alguma posição política no âmbito daquilo que é o jogo político democrático”, explica.
Nesse sentido, Leonardo Barreto considera acertada a decisão do juiz em “tornar os profissionais de imprensa parceiros do TSE, porque estão na linha de frente do combate à desinformação”.
Desafios
Na opinião de Grin, o ministro deveria ser “muito duro” em temas como fake news, deepfake e abuso de poder econômico —temas que permearam as últimas eleições e continuam em destaque no pleito deste ano. Barreto concorda e destaca as dificuldades que o tribunal enfrentará.
“Como é improvável que o Congresso aprove legislação sobre esses temas antes das eleições de outubro, caberá ao TSE administrar as situações sem marco legal, o que poderia abrir grandes discussões e questionamentos”, afirmou.
Presidente novamente
A experiência no comando do TSE não será inédita para Cármen Lúcia, que já presidiu o Tribunal entre abril de 2012 e novembro de 2013.
Ao tomar posse naquela ocasião — às vésperas da primeira eleição em que os candidatos estariam sujeitos à Lei da Ficha Limpa —, a juíza destacou a importância da celeridade da justiça, da liberdade de imprensa e da honestidade nas eleições.
Desde então, a avaliação é que o cenário político mudou radicalmente. “Nestes 12 anos tivemos os dias de junho de 2013, o impeachment de Dilma Rousseff, a Operação Lava Jato, o 8 de janeiro… No cenário atual, ainda há o avanço das pretensões autocráticas, que é uma realidade que acrescenta à desinformação”, comenta Albuquerque.
Para o pesquisador, a situação indica que “quem comanda o TSE tem o desafio de lidar com uma série histórica de turbulências internas e um cenário global de intenso questionamento institucional”. “Especialmente quando se trata de questões sobre urnas eletrônicas e a própria democracia.”
Neste cenário, a conclusão de Leonardo Barreto é que a ministra “se encontra num jogo mais imprevisível e sob muito mais pressão do que no passado”.
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