Às vésperas da COP29, no Azerbaijão, e pouco mais de um ano antes da COP30, no Pará, o Brasil enfrenta uma catástrofe ambiental causada pelas chuvas no Rio Grande do Sul. “Um sinal muito claro de quão tarde estamos a chegar, em todos os âmbitos” na contenção da crise climática. Esta é a avaliação de Gonzalo Muñoz, um dos líderes da GFANZ (Glasgow Financial Alliance for Net Zero), uma coligação de instituições financeiras comprometidas com a redução das emissões de gases com efeito de estufa.
O chileno está no Brasil esta semana para uma série de eventos da Semana do Clima Brasil, promovidos pela Converge Capital e Capital for Climate. Ele conversou com o InfoMoney sobre o papel das instituições privadas e do governo diante da crise climática e defendeu a busca de soluções por meio de parcerias público-privadas (PPPs) para preparar uma infraestrutura capaz de se adaptar a um futuro de eventos extremos.
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Na COP28, Muñoz foi convidado pelo governo dos Emirados Árabes Unidos para liderar a transformação dos sistemas alimentares e agrícolas. O mandato seguirá as agendas da COP29, no Azerbaijão, que terá foco em finanças, e da COP30, no Brasil. “Grande parte do meu foco nos próximos dois anos será precisamente como acelerar essas transições. E o país número um a ser observado será o Brasil”, afirma.
Como membro do conselho da GFANZ — fundada em 2021 pelo enviado especial da ONU para Ação Climática, Mark Carney, ao lado da presidência da COP26 e em parceria com a campanha Race to Zero da ONU, Muñoz acompanha a agenda das instituições financeiras, com foco no Brasil .
InfoMoney – Que sinais a tragédia em curso no Rio Grande do Sul dá aos tomadores de decisão, empresas e investidores em relação à crise climática?
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Gonzalo Muñoz – É um sinal muito claro do quão tarde estamos chegando, em todas as áreas. Hoje é uma discussão baseada no risco, não só sobre o que significa usar uma tecnologia ou tomar uma decisão, mas o risco de não agir, ou agir tarde. Estamos falando de uma região que tinha uma barreira para se proteger de situações como essa [Muro da Mauá, em Porto Alegre] e não funcionou assim por causa da extrema crise climática que está resultando. Estamos passando por seca, frio extremo, calor extremo e isso está colocando em risco a vida das pessoas, como vemos no sul do Brasil, mas também veja como isso está desestabilizando os sistemas de vida, seja do ponto de vista do bem-estar mínimo da população, da infraestrutura, do comércio, da logística. A destruição de valor é muito maior do que poderíamos imaginar.
No setor financeiro, a lógica também gira em torno do risco. Não é ideológico, não é biológico e não se trata apenas de oportunidades de desenvolvimento. São riscos físicos, de ativos, da cidade, de sistemas logísticos e operacionais, como tem acontecido no Rio Grande do Sul. Teremos que operar com regulamentações e conexões diferentes. E depois, obviamente, o sector financeiro tem de ser um facilitador. As transições acontecerão mais facilmente se tivermos um mecanismo para estruturar finanças combinadas e parcerias público-privadas. Não será apenas o setor público que definirá tudo o que nos protegerá e nos colocará no futuro, nem o setor privado criará inovações ou mudará a forma de produzir e construir a sociedade do futuro. Terá que ser em colaboração entre os setores público e privado.
IM – Estas mudanças têm acontecido a um ritmo capaz de acompanhar a urgência das catástrofes?
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Muñoz – Infelizmente não. A velocidade com que temos que mudar é muito maior. Não somos uma espécie tão inteligente como pensávamos e, portanto, estamos a reagir demasiado lentamente e demasiado tarde. Casos como o do Rio Grande do Sul nos ajudam a imaginar esse futuro para o qual temos que nos preparar. Estamos a construir fisicamente as cidades dos próximos 40 ou 50 anos ou continuamos com as cidades de há 50 anos?
Temos que investir em soluções baseadas na natureza, inclusive em outros lugares do Brasil, em outros lugares do continente. O mundo tem que começar a se regenerar. E para isso também precisamos mudar o sistema de produção agroflorestal. Estes sistemas de produção agroflorestal necessitarão de muito capital de transição. Um projeto de sistema agroecológico, regenerativo, muitas vezes pode levar de três a cinco anos e pode até ter queda de produtividade em algum momento, ou um processo de adaptação que exigirá recursos para que o sistema seja favorável para o agricultor, pecuarista, aquela pessoa que está produzindo os nossos alimentos, os nossos produtos agrícolas, precisarão de apoio. Este apoio, mais uma vez, deverá vir acompanhado de uma financiamento mistoo governo ajuda a reduzir esse risco e o setor privado ajuda a dimensionar essas soluções.
IM – E como podemos promover um movimento de mudança das estruturas de crédito para favorecer estes projetos?
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Muñoz – Há alguns anos conversei com alguém do setor automotivo. Ele me disse que os carros elétricos não representavam nem 1,5% da produção do setor. No ano seguinte foram 3%, ainda nada. Depois, 6%, apenas um dígito. O que ele não estava analisando é que o valor dobrava a cada ano. Depois irá para 12%, depois para 24%, depois para 48%. Se você não acompanhar, acabou, ele está fora do mercado. Isto também está acontecendo no setor financeiro. E o que aconteceu aí é que esses atores mais históricos, tradicionais, muitas vezes ficam de fora da indústria porque não conseguem acompanhar a trajetória. Eu sempre digo: não olhe a foto de hoje. Veja o filme dos últimos 5 a 10 anos e entenda como as trajetórias mudam de linear para exponencial em algum momento. Se você não estiver prestando atenção ao que está acontecendo, você perderá. Fiz uma comparação entre as duas indústrias porque basta olhar quais são as maiores montadoras do mundo: BYD e Tesla.
EU SOU – E quem são os novos agentes do mercado financeiro?
Muñoz – Novas empresas de crédito e financeiras, que hoje acompanharam a digitalização com maior força. Basta ver quantos novos players do setor financeiro surgiram na Climetechs nos últimos três anos. É impressionante, é uma curva maravilhosa e eles estão oferecendo novas soluções que muitas vezes são simplesmente uma reação ao que o setor tradicional está demorando para acompanhar, porque ainda estão acomodados na estrutura tradicional.
Ainda assim, temos vários bancos na América Latina avançando nesse caminho. Os bancos internacionais estão fazendo um trabalho muito bom. Através do GFANZ estamos mapeando como está mudando, nunca é um caminho perfeito, há sempre altos e baixos, mas temos monitorado todos os setores e diversas instituições. Alguns dos gigantes estão se adaptando de maneira maravilhosa para conhecer esse novo mundo e entendendo algo que sempre dizemos: devemos acompanhar a morte do que morre e acompanhar o nascimento do que nasce.
IM – Como o Brasil está evoluindo nessa nova dinâmica do setor financeiro?
Muñoz – O mundo está sempre olhando para o que acontece com o Brasil: o quanto ele liderará a agenda que o mundo precisa e, portanto, o quanto essa contribuição que o Brasil entregará ao mundo será reconhecida em investimentos. Obviamente, temos tensão política a nível global. O Brasil, na presidência do G20, às vésperas da COP30, está obviamente no centro dos olhos do mundo.
O Brasil tem dois anos e meio para reunir muitos apoios para acelerar esses processos. Espero que daqui a três anos, quando pensarmos no maior legado que a COP30 deixou para o país, tenha sido uma aceleração gigante de recursos que ajudou a uma transição agroecológica no setor agroflorestal, para que este possa continuar a ser um país que ajuda a estabilizar o clima e a alimentar o mundo, mas de uma forma que promova a transição sustentável de que o mundo necessita
EU SOU – Antes de voltar ao tema da COP, o capital necessário para esta mudança hoje vem mais do exterior ou de dentro do próprio país?
Muñoz – Vamos ver o que ouvimos esta semana, certo (risos)? Mas até algumas semanas atrás ele vinha muito mais de fora. O Brasil ainda não estava ciente de todas as oportunidades. Obviamente, como acontece em todo o país, existem momentos políticos, tensões, lutas, então isso muitas vezes dificulta as coisas.
Veja o Chile: a COP25 foi a oportunidade de transição de um sistema elétrico baseado em termelétricas para um sistema elétrico baseado em energias renováveis, solar e eólica. Em 2019 foi uma briga, mas agora o Chile tem uma enorme possibilidade de fechar todas as termelétricas antes de 2032, com o compromisso sendo 2040. O Brasil pode usar a COP30 como um grande passo em direção à sustentabilidade. Agrofloresta e bioeconomia serão os conceitos principais.
EU SOU – Antes da COP30, ainda temos a edição 29, deste ano. O que esperar?
Muñoz – Não terá a mesma força de Dubai e do Brasil. Foi no meio de duas edições muito fortes, então para muitos de nós o foco já está bem colocado na COP30. Mas, ao mesmo tempo, temos outros dois eventos da COP: a Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD 16), em Cali, e a Convenção de Combate à Desertificação (CCD 16), em Riade. Estes dois, em algumas áreas, serão tão ou mais importantes que a COP29. Além disso, haverá a INC-5, a convenção dos plásticos, em Busan. Teremos então um período de dois meses de COP contínua, quatro grandes eventos ambientais que marcarão a agenda mundial. Serão muitas agendas separadas para os eventos, diferentemente do que acontecerá no próximo ano no Brasil.