Especialistas consultados por CNN criticou a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender o X (antigo Twitter) em todo o Brasil na última sexta-feira (30).
A decisão foi tomada depois que o STF determinou que o empresário Elon Musk, dono da X, nomeasse um novo representante legal da empresa no Brasil, sob pena de suspensão da rede social. A empresa não cumpriu a ordem em 24 horas, conforme decisão.
Os advogados destacaram que a decisão foi tomada à margem do direito internacional, atípico do Código de Processo Civil. Dizem ainda que o bloqueio total da plataforma no Brasil é algo que surpreendeu e que a forma de intimação pela rede social era ilegal.
Veja os cinco pontos mais criticados pelos especialistas:
1 – Surpreenda com o bloqueio de toda a plataforma
Marcelo Crespo, coordenador do curso de Direito da ESPM, diz que o bloqueio de todo o X é surpreendente. Isso acontece porque é preciso ter um comportamento proporcional dentro da Justiça brasileira.
“Em primeiro lugar, destaca-se a questão do bloqueio de toda a plataforma. Claro que se pode interpretar que a plataforma não está a cumprir decisões judiciais, pode-se interpretar que dentro da plataforma há discurso de ódio, há crimes, há pessoas a arquitetar o fim do Estado Democrático de Direito, mas dentro da plataforma estrutura jurídica do país, é sempre importante pensarmos em adotar um comportamento proporcional”, explica o advogado.
“É assim que aprendemos, é assim que se ensina direito. Você nunca parte da medida mais estrita para alguma coisa. E especificamente sobre o bloqueio da plataforma, temos que concordar, ou pelo menos é o que imagino que a maioria das pessoas esteja pensando, que o bloqueio da plataforma em si prejudica todos os usuários, principalmente. Claro que pode haver uma interpretação de que ali existem atos ilícitos, mas seria esse o melhor caminho?”, continua.
2 – Nuances fora do direito internacional
Solano de Camargo, presidente da Comissão de Privacidade da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), afirma que a decisão de Moraes tem nuances que não se aplicam ao direito internacional.
O caso, para o representante da OAB, causou enorme consternação no mundo jurídico, por se tratar de uma investigação que “possui diversas nuances que não se aplicam, principalmente, ao que há de mais correto do ponto de vista do direito internacional”.
“Como, por exemplo, a intimação via carta rogatória, a utilização de representantes no Brasil para impor medidas coercitivas contra pessoas físicas, a utilização de outras empresas que participariam em tese sem que isso fosse demonstrado pelo grupo econômico para apreensão de valores”, diz o especialista.
3 – Decisões atípicas do código de processo civil
Para Alan Campos Elias Thomaz, especialista em direito e tecnologia, Moraes tomou decisões atípicas do código de processo civil.
“De certa forma, as decisões de onde partiram foram atípicas em relação ao procedimento comum seguido pelo Código de Processo Civil. Temos uma série de situações que não são normais”, afirma Thomaz.
Para o perito, X “deveria ter acatado a decisão e questionado através de mecanismos apropriados” o que foi determinado por Moraes.
Contudo, ele observa que há uma declaração do próprio Supremo de que “não caberia cumprir a ordem do magistrado.
“Tudo isto leva a estas atipicidades, que não são comuns num processo judicial normal. Neste caso, a decisão de bloqueio da plataforma ataca o descumprimento da ordem judicial, mas atinge os usuários da plataforma, que são todos os afetados pela limitação da liberdade de expressão”, finaliza.
4 – Intimação inválida
André Marsiglia, advogado constitucional e especialista em liberdade de expressão e direito digital, afirma que o despacho de Moraes é ilegal por resultar de uma decisão inválida por ter sido tomada via redes sociais.
“Essa decisão, que decorre de uma intimação que não considero válida porque foi feita via redes sociais, precisamos entender que é uma ordem que é ilegal. Porque decorre de intimação inválida, então esse é um ponto importante”, afirma o jurista.
Para Marsiglia, é desproporcional “punir 22 milhões de usuários pela suposta possível ilicitude de uma plataforma”.
Para ele, um juiz precisa encontrar caminhos alternativos, a começar pela multa ou punições alternativas, para que a penalidade aplicada a Musk não repercuta nos usuários, inclusive aqueles que trabalham com a plataforma e exercem sua liberdade de expressão, como jornalistas, advogados e políticos, por exemplo.
“Estamos aqui às vésperas, por exemplo, de uma campanha eleitoral em que os políticos de lá também exercem o seu poder para promover as suas campanhas”, exemplificou.
Menciona ainda que se todas as empresas forem fechadas por descumprimento de decisões judiciais “isso vai acabar com o país”.
“É óbvio que as ordens judiciais devem ser respeitadas, mas quando não são cumpridas não se pode tomar uma medida desproporcional. O descumprimento de ordem judicial é algo que devemos ficar atentos, mas não é crime”, continua.
Marsiglia cita o Código de Processo Civil, artigo 774, parágrafo quarto, quando diz que quando uma ordem judicial não é cumprida é preciso “encontrar uma forma mais branda de punir quem descumpre, e não a forma mais severa ”.
“E a forma mais branda é multa. Então não é crime. Não pode resultar em prisão, não pode resultar na derrubada de uma plataforma. Cabe ao juiz encontrar a forma menos onerosa de efetivar sua decisão”, finaliza.
5 – Inédito
Luiz Fernando Plastino, especialista em Direito de Informática, menciona que a decisão proferida por Moraes não tem precedentes na jurisprudência do país.
“Este é um caso que não temos precedente, nem digo que não tenha precedente em termos de forma como as decisões estão a ser tomadas e o cumprimento da decisão, mas também acontece no âmbito de uma investigação para investigar um crime que a gente nunca tinha visto isso na história receptora do Brasil, desde a redemocratização”, diz Plastino.
Segundo o especialista, a falta de regulamentação deixa as empresas do setor de tecnologia livres para impor suas próprias regras. No entanto, também estão abertos à interpretação da legislação, como aconteceu no caso de X.
“É neste tipo de contexto que surgem medidas inusitadas para tentar tomar uma decisão judicial”, explica.
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