Pessoas vulneráveis continuam sendo alvo de cortes ou descredenciamento, afirmaram nesta quarta-feira (21), em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos do Senado (CDH), representantes de usuários que sofreram o cancelamento unilateral de contratos de planos coletivos de saúde.
Pediram ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que instalasse a CPI para investigar o cancelamento dos planos, já exigidos naquela Casa legislativa.
No debate, solicitado e presidido pelo Senador Flávio Arns (PSB-PR)apontaram também a inação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) diante dos abusos cometidos pelas operadoras.
A audiência pública virtual contou com a presença de um representante do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que prometeu ações dentro do governo em favor dos “hipervulneráveis”.
Letícia Fantinatti de Mello, fundadora da Associação Vítimas a Mil, disse que, mesmo após a reunião dos representantes dos planos de saúde com o presidente da Câmara, no primeiro semestre deste ano, os cancelamentos permanecem. Ela registrou uma situação ainda pior: as seguradoras estariam “camuflando” o cancelamento com um descredenciamento em massa de serviços e unidades. Para ela, isso é um indício de que “os planos querem trabalhar apenas com rede própria”.
“Em alguns casos não cancelaram, mas descredenciaram os locais e as pessoas continuam tendo os mesmos problemas em continuar com os tratamentos. Então, eu diria que dá no mesmo”, disse ela.
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Letícia citou o exemplo de uma mulher de 76 anos, moradora de Barueri (SP), e que gasta cerca de R$ 5 mil por mês com plano de saúde. A idosa, segundo ela, precisou de atendimento no Pronto Atendimento da cidade e acabou descobrindo que seu plano, da Amil, havia sido desclassificado – e a unidade de atendimento mais próxima oferecida em substituição era na cidade de Osasco ou no Bairro da Liberdade , na capital paulista. Isso seria irregular, uma vez que a resolução da ANS determina, em caso de inabilitação, a oferta de alternativa num raio de 8 km.
Lucas Andrietta, coordenador do Programa de Saúde do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), e as mães de autistas que participaram da audiência destacaram que aumentou o número de reclamações devido ao cancelamento unilateral de planos de saúde, o que levou ao pedido de criação de CPI na Câmara.
Em maio, lembraram Juliana Elvira Herdy e Fabiane Alexandre Simão, essa mobilização levou Arthur Lira a se reunir com representantes de planos de saúde, que, segundo comunicado divulgado na época, se comprometeram a reverter os cancelamentos unilaterais de contratos relacionados a algumas doenças e agravos , como aqueles com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
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Cancelamento e portabilidade
Juliana Elvira Herdy, médica e mãe atípica, afirmou que mesmo após reunião de Arthur Lira com representantes das operadoras, o plano do filho, que é autista, com assistência nível 2, foi cancelado.
Ela denunciou também que essas pessoas hoje se encontram reféns da quase impossibilidade de portabilidade de planos, pela falta de oferta de planos equivalentes, burocracia e regulamentação clara sobre toda a documentação e critérios necessários, além da dificuldade do próprio processo.
Segundo ela, operadoras, planos e corretoras acabam agindo em uma espécie de cartel para impedir a portabilidade de clientes com alguma vulnerabilidade, sem qualquer fiscalização ou penalidade da ANS.
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“Pessoas autistas não podem ter suas terapias interrompidas. E até parece algo que estamos exagerando. E não. Não é um exagero. Meu filho é adolescente, tem crises, às vezes, com episódios de agressividade que foram controlados. E que, quando o plano foi cancelado, ele teve que interromper várias de suas terapias […]. Após o cancelamento, ele teve uma grave crise. […] Foi uma situação gravíssima”, relatou Juliana Herdy.
Juros no lucro
Fabiane Alexandre Simão, que também é mãe de um filho com autismo e presidente da Associação Não Direito a Menos, afirmou que o verdadeiro interesse do cancelamento é apenas o lucro das operadoras, deixando pessoas com deficiência e idosos, que passam passam a vida pagando planos de alto valor, além de sobrecarregar o Sistema Único de Saúde (SUS).
“Vejo o deputado Arthur Lira fazendo um acordo a portas fechadas com o plano de saúde, dizendo que vão parar com o cancelamento unilateral, caso os planos segmentados sejam aprovados. É um absurdo ter um representante do povo, eleito pelo povo, sentado à frente de uma CPI que seguiu todos os ritos burocráticos, isso para mim é um ataque à democracia democrática. São decisões monocráticas, que vêm de cima para baixo, de forma vertical, ignorando a agenda e as necessidades do povo”, lamentou.
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Para ela, a intenção dos planos é inicialmente cancelar e depois oferecer um plano com coparticipação.
Omissão da ANS
Os participantes também foram unânimes nas críticas à ANS. Para eles, falta iniciativa da agência reguladora na regulação do setor, no monitoramento, na transparência e no acesso do consumidor. Letícia Mello disse que a maioria dos consumidores tem algum nível de restrição em fazer reclamações no próprio sistema da ANS, sob a justificativa de se tratar de um “caso de segurança”. No entanto, ela argumenta que, sem acesso aos meios oficiais de denúncia, a ANS não tem dados sobre a situação e as operadoras não são notificadas e “continuam na certeza da impunidade”.
“Você pergunta à ANS se tem algum problema e eles falam que está tudo dentro do padrão, que as reclamações aumentaram um pouco, mas que é normal. Mas, na verdade, se você for a qualquer outro órgão não oficial ou mesmo nas nossas redes sociais, percebemos que as coisas estão muito complicadas”, disse.
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O senador Flávio Arns considerou os relatos graves e se comprometeu a reuni-los todos em um documento para cobrar respostas da ANS. Ele informou ainda que apresentará pedido de audiência pública com representantes do órgão.
“A Agência Nacional de Saúde Suplementar está aí para ditar regras, ajudar, ver excessos, desvios, abusos e orientações menos burocráticas também, acessíveis à população […]. O que queremos não é um ‘favor’. Nós queremos [o atendimento] às pessoas mais vulneráveis, incluindo pessoas com algum tipo de deficiência – e o autismo é equiparado na legislação. As pessoas que mais precisam estão sendo empurradas para as margens. ‘Não, não vamos responder. Você é muito caro, você é muito difícil, vamos cuidar do que dá mais lucro…’ Isso não pode acontecer”, enfatizou Arns.
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