A chegada de italianos ao Brasil é um exemplo de que a imigração é uma solução, e não um problema, na opinião do embaixador brasileiro em Roma, Renato Mosca.
Cumprindo agendas em São Paulo, o embaixador conversou com CNN e analisou o tema, que diz ter sido “bastante polémico” nos últimos anos na Europa. Mas o exemplo da imigração italiana mostra que “a nossa sociedade é diversa, forte e resiliente, precisamente por isso, porque incorporamos o melhor das pessoas”.
Ele cita, como exemplo, o facto de o número de crianças nas escolas estar a diminuir em Itália e o país necessitar cada vez mais de mão-de-obra. “A sociedade italiana precisa de descendentes italianos e os brasileiros estão nisso porque somos o país com a maior comunidade italiana do mundo”.
Leia a entrevista completa com o embaixador da CNN:
O presidente Lula disse ontem que a comemoração dos 150 anos da imigração italiana tornou as trajetórias dos nossos países “para sempre inseparáveis”. Como você vê os laços entre Brasil e Itália?
Os laços entre Brasil e Itália são históricos. São laços que se baseiam numa imigração extraordinariamente grande. Os italianos ajudaram no desenvolvimento do Brasil, tiveram um impacto extraordinário na cultura brasileira, na formação da sociedade brasileira, na industrialização do Brasil. Então, são laços que vão além dos laços bilaterais de dois países, há algo de extraordinário neles.
Agora em julho, uma série de homenagens por todo o Brasil comemora o embarque da Força Expedicionária Brasileira para a Itália, na Segunda Guerra Mundial. Como isso marcou e tem marcado a relação entre os dois países?
Esta é mais uma passagem, mais um episódio que confirma esta estreita relação. O Brasil foi o único país da América Latina que enviou tropas para lutar na Segunda Guerra Mundial. Estas tropas chegaram à Itália em julho de 1944 e travamos batalhas muito difíceis até a vitória em Monte Castello, e isso teve um impacto e um sentimento dentro da sociedade italiana, que permanece viva até hoje. Já estive três ou quatro vezes na região da Linha Gótica, onde ocorreram batalhas da Segunda Guerra Mundial dentro da Itália, e, até hoje, embora não haja muitos sobreviventes daquele momento, quem viu os episódios tem um sentimento não só de reconhecimento, mas de gratidão aos militares brasileiros. Os soldados brasileiros tinham um comportamento diferente, eram mais solidários, dividiam comida, dividiam roupas com a sociedade, com a população, que naquele momento vivia uma situação muito difícil. Então, tudo isso fica preservado, esse sentimento continua vivo. O soldado brasileiro é reconhecido como um herói, a libertação da Itália das forças nazistas está intimamente relacionada aos soldados brasileiros.
Os pedidos de reconhecimento da cidadania italiana por parte dos brasileiros aumentaram consideravelmente nos últimos anos. Como você avalia esse movimento?
Olha, o fluxo é linear. Temos recebido uma demanda do governo italiano por pedidos de reconhecimento de cidadania ao longo das décadas. Esta questão da migração é algo frequentemente bastante controverso, especialmente neste momento na Europa. Mas sempre insisto que a imigração é uma solução, não é um problema. E dou um exemplo com a imigração italiana no Brasil, que é um país que recebe imigrantes de todo o mundo. Nossa sociedade é diversa, forte e resiliente, justamente por isso, porque incorporamos o melhor das pessoas… O reconhecimento muitas vezes leva muito tempo na Itália, mas temos trabalhado para facilitar o acesso dos brasileiros ao trabalho lá. Porque entendemos que a economia italiana precisa desta força de trabalho. Em 2013, 800 mil crianças ingressaram na escola. Em 2023, dez anos depois, são 375 mil, menos da metade. E este é um processo que se aprofunda, que acelera, porque, cada vez mais, a nossa sociedade tem menos crianças. Então, a sociedade italiana precisa de descendentes italianos e os brasileiros estão nisso, porque somos o país com a maior comunidade italiana do mundo. Todas as manhãs acordo e penso “o que vou fazer naquele dia” para contribuir com a qualidade de vida do povo brasileiro. Então, pensar nisso é importante porque muitos brasileiros decidem imigrar e viver como expatriados. Devemos encarar isto de forma positiva, como um processo, um movimento positivo. Porque esse brasileiro continuará contribuindo para aquele país, ele cria uma rede de amizades. Portanto, não há razão para ter uma percepção negativa da imigração. A Itália precisa de brasileiros, precisa de descendentes italianos. Portanto, precisamos fazê-los compreender esse lado positivo e empreendedor que podemos ter na sociedade italiana.
Como representante brasileiro em Roma, que marcas você espera deixar?
Encontrámos uma situação de letargia, algo provocada pela pandemia. Nossas relações (Brasil e Itália) estavam paralisadas. A reativação destes mecanismos de diálogo tem sido uma prioridade. Adotamos um perfil muito mais aberto, mais democrático, transparente e acessível. Acho que a embaixada do Brasil num país é a casa do Brasil naquele país. Então, precisamos sempre acolher, não só os brasileiros, mas também a comunidade empresarial, a comunidade acadêmica. Esta é a minha maior motivação: mostrar que estamos abertos e dedicados a melhorar a qualidade de vida do povo brasileiro, única razão pela qual estamos no exterior, para estabelecer contatos que beneficiem nosso país e nosso povo. A visita do presidente italiano ao Brasil esta semana coroa o trabalho que realizamos nos últimos dez meses, porque há uma grande convergência em 2024 de eventos importantes, como os 150 da imigração italiana no Brasil. Temos também uma coincidência de duas presidências, o G20 e o G7, que muito contribuíram para aumentar a coordenação entre os dois países. Então, tudo isso levou a uma agenda muito mais consistente, a uma troca de autoridades muito mais frequente, a visitas de autoridades, e isso relançou a nossa relação. É uma reativação que estamos vivenciando.
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