Áudio apreendido pela Polícia Federal (PF) e divulgado nesta segunda-feira (15) pelo Supremo Tribunal Federal (STF) mostra o ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem dando instruções aos advogados do senador Flávio Bolsonaro (PL) em relação ao caso das “rachadinhas”.
Além disso, alerta sobre riscos “políticos” em relação à condução do caso.
As falas de Ramagem constam de um trecho da gravação apreendida pela PF durante a investigação sobre monitoramento ilegal de pessoas e autoridades públicas, conhecida como “Abin Paralela”.
O áudio foi gravado durante reunião no dia 25 de agosto de 2020. A reunião contou, além de Ramagem, com a participação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), do então chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, e de dois advogados de senador Flávio Bolsonaro — Juliana Bierrenbach e Luciana Pires.
Segundo a PF, a reunião teria sido realizada para discutir um plano de cancelamento da investigação contra Flávio Bolsonaro no caso das “rachadinhas”.
Durante a reunião, os advogados apresentaram a Jair Bolsonaro, Heleno e Ramagem um suposto esquema criminoso operado por quatro funcionários da Receita Federal que, segundo eles, poderia anular as investigações do Ministério Público do Rio de Janeiro sobre o senador.
Depois de ouvir as questões apresentadas pelos advogados, Ramagem discute o caso e os orienta sobre como abordar o assunto:
Veja o diálogo:
- ALEXANDRE RAMAGEM: Tem que haver uma análise contundente. Se essa questão desses quatro auditores for realmente robusta. E se realmente foi barrado pelo Ministério Público.
- ALEXANDRE RAMAGEM: Porque essa é a forma correta de investigar qualquer possível vulnerabilidade aí. O que circula mesmo é a promiscuidade entre MP e Receita, desde o início. Não é só a COPEI [Coordenação-Geral de Pesquisa e Investigação]é SPEI, na ponta.
- JULIANA BIERRENBACH: O SPEI. Claro que sim! Exatamente.
- ALEXANDRE RAMAGEM: Nada de novo. O que toca na questão do email, que é sempre levantada com a quebra do sigilo bancário.
- JULIANA BIERRENBACH: Exatamente.
- ALEXANDRE RAMAGEM: Isso é bastante robusto. Seja quem for o ministro do STF, ele abraçará essa causa.
- ALEXANDRE RAMAGEM: Nessa questão sim, abrace.
A essa altura, um dos advogados diz que o senador Flávio Bolsonaro havia alertado que a abordagem proposta por Ramagem poderia ser “imprudente”. Na resposta ao advogado, Ramagem sugere que a questão era política.
O diálogo segue:
- LUCIANA PIRES: Desculpe, desculpe. O Flávio me disse para não fazer isso, porque acha uma imprudência.
- ALEXANDRE RAMAGEM: Calma, calma. Neste momento não é uma questão política.
- Mais adiante na conversa, Ramagem explica que a investigação das denúncias – destacadas pelos advogados – relacionadas à Receita Federal não deveria ser feita pelo GSI. Segundo Ramagem, o general Augusto Heleno poderia ser “crucificado politicamente” caso a estrutura fosse utilizada para investigar a denúncia.
- ALEXANDRE RAMAGEM: Se você vem pela rota do GSI, não é a mais correta. Por que? Porque são dados diferentes, inteligência, dados ordinais.
- ALEXANDRE RAMAGEM: Estamos uma bagunça. A inteligência está sendo atacada, o STF não está num bom momento para isso.
- ALEXANDRE RAMAGEM: Mas, são dados fiscais e bancários que eles vão manter em sigilo. Então o GSI não terá acesso, por barreira do próprio Ministério da Economia. O próprio ministro Paulo Guedes não poderá ficar à margem.
- ALEXANDRE RAMAGEM: Politicamente, o General Heleno será, será crucificado, como uma personalidade a favor de Flávio Bolsonaro. Ele está provocando esse problema em prol do processo. Acredito que não seja o melhor caminho.
- JULIANA BIERRENBACH: Mesmo com a previsão legal?
- ALEXANDRE RAMAGEM: Mesmo com previsão legal. Nesses julgamentos excepcionais que o STF está tendo agora. A previsão legal não significa nada.
A CNN procurei por todos os mencionados. Ela ainda não conseguiu contato com as advogadas Luciana Pires e Juliana Bierrenbach. O ex-presidente Jair Bolsonaro ainda não se pronunciou oficialmente.
Veja abaixo o posicionamento dos demais:
Alexandre Ramagem
O presidente Bolsonaro sempre se manifestou na reunião sobre não querer favores ou favores. Me manifestei contra a atuação do GSI sobre o tema, indicando o caminho através de um procedimento administrativo da Receita Federal, previsto em lei, e também de um procedimento judicial no STF.
Vamos conversar sobre essa gravação da reunião de agosto de 2020. A gravação não foi clandestina, teve aprovação e conhecimento do presidente.
A gravação aconteceu porque a informação veio de uma pessoa que compareceria à reunião, que teria contato com o governador do RJ na época e que poderia vir com uma proposta que não havia sido republicada. A gravação, portanto, seria registrar um crime. Um crime contra o Presidente da República. Mas isso não aconteceu e a gravação foi descartada.
Os advogados que compareceram à reunião compareceram e apresentaram possíveis irregularidades que poderiam estar acontecendo na Receita Federal no caso da elaboração de relatórios de inteligência financeira. De toda a reunião, os advogados devem ter falado 80% da reunião contando os episódios. O presidente Bolsonaro falou pouco. Quando o presidente se pronunciava, sempre afirmava que não queria favoritismo. Disse aos advogados que as pessoas eram públicas, podiam falar com elas, mas através delas o presidente sempre expressou que não queria ‘o caminho’, muito menos tráfico de influência.
Os advogados haviam pedido o início de uma investigação por meio do GSI… Nesses momentos, me manifestei contra em todas as oportunidades da reunião. Eu disse que a inteligência não pode lidar com dados de sigilo fiscal bancário, não haveria o resultado desejado, as ações do GSI nesse sentido seriam até prejudiciais ao general Heleno, o que não seria o caminho correto e não teria resultado. Ou seja, informamos que o que deveria ser feito era (inaudível) a própria Receita abrir um procedimento administrativo interno na forma jurídica, por qualquer desvio de conduta que possa estar ocorrendo.
Os advogados informaram ainda que o assunto já foi levado à Justiça. Então informamos para ele arquivar a questão, com os dados, com as informações, no tribunal competente, inclusive no STF.
Augusto Heleno
Procurado, o advogado Matheus Millanez, que representa o general Augusto Heleno, informou que não falará.
Flávio Bolsonaro
Mais uma vez, a montanha deu à luz um rato. O áudio mostra apenas meus advogados comunicando suas suspeitas de que um grupo atuava com interesses políticos dentro da Receita Federal e com o objetivo de prejudicar a mim e minha família. Com base nessas suspeitas, tomamos as medidas legais cabíveis. O próprio presidente Bolsonaro diz na gravação que “não tem jeito” e diz que tudo deve ser investigado dentro da lei. E assim foi feito. É importante destacar que até o momento não recebi resposta da Justiça a respeito do grupo que acessou ilegalmente meus dados confidenciais.
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