O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu, nesta quarta-feira (26), o julgamento que descriminalizou o porte de maconha para consumo pessoal.
A partir de agora, será considerado usuário qualquer pessoa que possua até 40 gramas da droga ou seis plantas fêmeas. Esta regra só se aplica à maconha. A posse de todas as outras drogas continua sendo crime.
Este critério baseado na quantidade é relativo. Isso significa que pessoas com quantidades menores da droga podem ser classificadas como traficantes, caso existam outros elementos que levem à conclusão de que se trata de tráfico e não de consumo.
A definição do critério dos 40 gramas valerá até que o Congresso aprove legislação sobre o tema, diferenciando na lei usuários de traficantes.
Mesmo não sendo mais crime, o consumo de maconha ainda é um ato ilegal – a partir de agora, de natureza administrativa, e não criminosa. O STF não legalizou o consumo de maconha no país.
A descriminalização evita que alguém seja condenado criminalmente por posse de maconha para consumo (dentro do limite de quantidade fixa).
O usuário, porém, ainda está sujeito a punições como advertências sobre os efeitos das drogas e medidas educativas como frequência de cursos.
A polícia ainda tem o poder de abordar as pessoas, levá-las à delegacia e apreender as drogas. Isso até que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou nova regulamentação para o procedimento.
Os condenados pelo crime de tráfico em valor inferior ao estabelecido pelo STF (40 gramas) poderão tentar rever a condenação na Justiça, com base na decisão do STF.
Em outras palavras, a definição do Tribunal tem o potencial de ser retroativa para beneficiar aqueles que foram condenados a penas criminais e estão na prisão, por exemplo. Este efeito não é automático e deve ser feito caso a caso.
A decisão do STF encerra um julgamento iniciado há 9 anos, em 2015. Os ministros aprovaram uma tese que servirá de referência para todas as instâncias do Judiciário.
Leia abaixo os principais pontos da decisão:
O que significa descriminalizar?
A decisão do STF significa que não é mais crime no Brasil adquirir, armazenar, transportar ou portar maconha para consumo pessoal, dentro do limite estabelecido.
Essa disposição constava do artigo 28 da Lei de Drogas de 2006. Essa norma não previa mais pena de prisão para quem fosse condenado como usuário, mas sim medidas de alerta sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade e medida educacional de frequência a programa ou curso educacional.
Com a descriminalização, a prestação de serviços à comunidade, que tem natureza criminosa, é retirada do rol de possíveis punições.
Uma vez que não há mais a possibilidade de condenação criminal, o usuário não será mais considerado reincidente caso venha a cometer outro crime no futuro.
A descriminalização também impede que o uso de drogas seja apanhado (dentro da quantidade presumida).
Não é legalizar
O debate travado no STF referia-se apenas à descriminalização da maconha para consumo. Não havia dúvida de discutir legalização.
Legalizar a maconha significa enquadrar essa prática na lei, retirando a proibição e estabelecendo parâmetros para a atividade.
Para isso, seria necessário estabelecer regras e diretrizes, ou seja, regulamentação.
A legalização teria que trazer definições para toda a cadeia produtiva da maconha, desde a produção, distribuição, venda e consumo.
Esse cenário tem como local de discussão o Congresso, órgão responsável pela criação das leis. Portanto, o debate no STF não é sobre a legalização da maconha.
Maconha ou todas as drogas
A decisão do STF descriminalizou o porte de maconha apenas para consumo, determinando que é presumido usuário quem portar até 40 gramas da droga ou seis plantas femininas de maconha.
A posse de qualquer quantidade de outras drogas continua sendo crime.
O próprio porte de maconha para consumo, apesar de não ser mais crime, ainda é uma prática ilícita. Isso porque a substância psicotrópica presente na maconha continua na lista de uso proibido no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A Anvisa abre exceções, como medicamentos registrados que contenham a substância tetrahidrocanabinol (THC) em sua formulação, desde que atendidos determinados requisitos.
A partir de quando é válido?
A decisão do STF que descriminalizou o porte de maconha para consumo terá validade a partir da publicação da ata do julgamento. Esta é uma espécie de resumo do que foi decidido.
As atas são publicadas à medida que o processo avança, no site do STF. Geralmente leva alguns dias para fazer isso.
Como será a abordagem?
Segundo tese aprovada pelos ministros do STF, a polícia ainda pode abordar a pessoa. O procedimento estabelecido prevê que o agente de segurança leve a pessoa até uma delegacia, onde a droga deverá ser pesada e apreendida.
Não será permitida a prisão em flagrante ou a elaboração do chamado depoimento circunstanciado, caso a pessoa se qualifique como usuário. Em outras palavras, a pessoa não pode ser processada criminalmente.
Haverá, no entanto, registro da substância apreendida da pessoa.
Depois, a pessoa será notificada para comparecer ao Juizado Especial Criminal. O juiz poderá então aplicar ao usuário as sanções previstas em lei (advertência sobre os efeitos das drogas e medidas educativas para frequência de cursos).
Esse procedimento será realizado até que o CNJ aprove uma nova regulamentação.
Regulamento da Nova Abordagem
O procedimento de abordagem descrito acima deverá mudar assim que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovar novo rito na regulamentação da matéria.
Essa futura regra deverá prever uma separação mais definida entre o usuário e o sistema de segurança pública, direcionando as pessoas para o setor saúde.
Em entrevista a jornalistas após o julgamento, no final da tarde desta quarta-feira (26), o presidente do STF, ministro Roberto Barroso, disse que até o CNJ agir, é seguido o procedimento já previsto na lei.
“Talvez seja desejável que no futuro seja diferente, porque o que entendemos, e o mundo inteiro está começando a entender, é que as drogas não são exclusiva, nem predominantemente, uma questão de segurança pública, mas sim de saúde pública.”
Critério relativo
O critério objetivo de 40 gramas ou seis plantas fêmeas para diferenciar usuário de revendedor é relativo, não absoluto.
Ou seja, será possível classificar como traficantes as pessoas que forem abordadas com quantidade de drogas inferior ao limite estabelecido, desde que existam outras evidências que indiquem a existência de comércio de maconha.
Entre esses outros elementos estão: a forma como a droga é armazenada, as circunstâncias da apreensão, a variedade de substâncias apreendidas, a apreensão simultânea de instrumentos como balanças, registros de operações comerciais e telefones celulares contendo dados de contato de usuários ou traficantes .
A quantidade de medicamentos foi definida, segundo Barroso durante a sessão, por acordo prévio com os ministros. Antes havia propostas que iam de 10 gramas a 60 gramas. Como disse o presidente do STF, a quantidade de 40 gramas ficou “no meio do caminho” e é a quantidade adotada no Uruguai, “que é a experiência da qual temos notícias”, afirmou o magistrado.
Segundo a tese, o oposto também é verdadeiro. Pessoas apreendidas com valores superiores a 40 gramas poderão ser enquadradas como usuárias, dependendo da análise do juiz de cada caso, desde que sejam apresentadas “provas suficientes da condição de usuário”.
Retroage para quem já foi condenado
A decisão do STF tem potencial para beneficiar pessoas que foram condenadas e estão presas por tráfico, por quantidade de maconha igual ou inferior à estipulada.
Segundo Barroso, “possivelmente” essas pessoas poderão solicitar a revisão da sua condenação.
Isso deve ser aplicado caso haja semelhança com a decisão do STF: quando a condenação é apenas por maconha e não há outro critério que possa configurar tráfico.
Esse tipo de revisão deve ser analisada caso a caso.
“A regra básica em matéria de Direito Penal é que a lei não se aplica retroativamente se agravar a situação de quem está acusado ou preso. Para se beneficiar é possível”, disse Barroso em entrevista a jornalistas. “Portanto, é uma especulação razoável.”
“Estabelecemos 40 gramas para distinguir o tráfico do consumo como uma presunção relativa. Às vezes, uma pessoa com 40 gramas, se ela tem uma balança com notas de venda, é óbvio que ela está traficando, é traficante. Portanto, 40 gramas não é uma presunção absoluta. Mas quem foi condenado sem fazer parte de organização criminosa, exclusivamente por ter sido flagrado com 40 g de maconha, possivelmente poderia pedir a revisão dessa condenação”, declarou.
Por que diferenciar?
A atual Lei de Drogas estabeleceu diferentes consequências e punições para o consumo e o tráfico, mas não estabeleceu parâmetros para especificar cada prática.
Se para os usuários a punição é administrativa, para os traficantes a pena é estipulada de cinco a 15 anos de reclusão, além de multa.
A conversa sobre a definição de critérios objetivos para distinguir práticas abre espaço para que as pessoas sejam classificadas de acordo com preconceitos discriminatórios, de acordo com a cor da pele, escolaridade ou local do incidente, por exemplo.
Isso acaba aumentando o encarceramento no Brasil, levando pessoas que seriam usuárias a serem presas por tráfico.
Segundo dados de 2023 da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), 852 mil pessoas cumprem pena no Brasil (650 mil em celas físicas).
O crime de tráfico de drogas é de longe o mais comum no sistema prisional brasileiro. Do total da população carcerária, 199.198 estão presos pelo crime (o que inclui as modalidades de associação para o tráfico e o tráfico internacional de drogas).
Por que o STF decidiu descriminalizar?
A decisão do STF foi proferida em um processo que tem o que se chama de repercussão geral. Isso significa que a tese aprovada deve ser aplicada a todos os processos que tratem do assunto na Justiça.
Inicialmente, a definição do STF impactará pelo menos 6.345 processos que estavam parados aguardando decisão.
O caso analisado pelos ministros é um recurso em que a Defensoria Pública de São Paulo contesta decisão do Juizado Especial Cível de Diadema (SP) que manteve a condenação de um homem pelo crime de posse de drogas para consumo pessoal.
Ele foi detido no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Diadema e portava 3 gramas de maconha.
O recurso pedia a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, que criminalizava a posse para consumo.
O caso começou a ser julgado em 2015 pelo STF. O relator é o ministro Gilmar Mendes.
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