O fracasso do debate sobre alterações nas regras de utilização dos créditos PIS (Programa de Integração Social) e Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) com a volta da medida provisória (MPV 1.227/2024) que buscava compensar renúncias de receitas gerado pelas isenções trouxe à luz o discurso da comunidade empresarial de que o ajustamento fiscal do lado das receitas se aproxima de um limite tolerável para o sector produtivo e possível para as condições económicas do país.
A avaliação teve eco dentro do próprio governo, com a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet (MDB), reconhecendo um esgotamento de opções na estratégia de equilíbrio das contas públicas com base no aumento da receita. Seu discurso por uma agenda de revisão de gastos ganhou destaque e agora chega às mãos do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT).
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Uma discussão preliminar sobre o tema ocorreu entre membros do Conselho de Execução Orçamentária (JEO) − grupo composto pelos dois, além dos ministros da Casa Civil, Rui Costa (PT), e da Gestão e Inovação nos Serviços Públicos , Esther Dweck − e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na última segunda-feira (18). No dia seguinte, o presidente deu sinais em diversas direções durante entrevista à rádio CBN.
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Por um lado, disse não gostar de gastar o que não tem, reforçou seu discurso de compromisso com o equilíbrio das contas públicas e disse que não há nada descartado antecipadamente no menu de revisão de gastos − o que poderia indicar uma mudança em relação à postura até o início do ano.
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Por outro lado, repetiu que qualquer ajustamento nas despesas não recairá sobre a camada mais pobre da população e centrou novos ataques a grupos económicos que captam uma parte significativa do orçamento público através de benefícios fiscais. Apesar do discurso pertinente, o governo tem tido dificuldade em obter novos avanços nas chamadas “despesas tributárias”, principalmente após a difícil vitória no Supremo Tribunal Federal (STF) no caso de isenções para 17 setores econômicos e milhares de municípios − com a exigência de busca de uma fonte de compensação para novas renúncias de receitas.
“O que me preocupa é que as mesmas pessoas que dizem que precisamos parar de gastar são as pessoas que têm R$ 546 bilhões de isenção, desoneração de folha de pagamento, isenção de impostos. São os ricos que assumem parte do orçamento do país. E eles reclamam do que você gasta com os pobres”, disse ele.
Segundo Lula, o governo federal trabalha para apresentar ao Congresso Nacional, em cerca de 22 dias, um conjunto de medidas voltadas para o lado das despesas. “A equipe econômica tem que me apresentar as necessidades de corte. Ontem quando vi a manifestação da Ministra Simone Tebet, disse a ela que estava perplexo. Estamos discutindo cortes de R$ 10 bilhões, R$ 15 bilhões, R$ 12 bilhões aqui, e de repente você descobre que há R$ 546 bilhões em benefícios fiscais para os ricos neste país. Como isso é possível?” disse o presidente na mesma entrevista.
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O discurso de Lula sobre corte de despesas, porém, focou na revisão de possíveis fraudes e na concessão de benefícios indevidos nas políticas públicas existentes. “Se eu tiver as informações certas e algo estiver errado, tudo o que estiver errado será corrigido. Se alguém estiver recebendo o que não deveria receber, deixará de receber”, afirmou. “Mas eu quero ver, porque acho que isso não é problema do Brasil. O problema do Brasil é que a parte mais rica ficou com o Orçamento, porque tem muita isenção, muita isenção. É muito benefício fiscal sem que haja reciprocidade para o mundo do trabalho.”
A falta de detalhe sobre as medidas que poderão ser implementadas, o calendário legislativo apertado num ano de eleições autárquicas e a pressão contrária dentro da própria base governamental aliada à revisão das despesas geram incerteza sobre o potencial de tal agenda. Entre algumas iniciativas discutidas, a possível dissociação de programas sociais ou benefícios previdenciários do salário mínimo ou a revisão do salário mínimo constitucional para Saúde e Educação já sofreram fortes críticas da esquerda.
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O Partido dos Trabalhadores (PT) – sigla de Lula e principal base de apoio da atual gestão – já assumiu uma postura crítica ao movimento de revisão de gastos, o que exerce pressão contra movimentos mais significativos nesta agenda. Em nota divulgada nesta segunda-feira (17), o partido fala em “forte campanha especulativa” e “ataques ao programa de reconstrução do país com desenvolvimento e justiça social” e nega a existência de crise fiscal.
No mesmo texto, a comissão executiva nacional do PT diz que a agenda de ataques ao governo visa “tirar dos pobres para manter privilégios dos ricos”. E conclui: “Diante deste cenário, o Partido dos Trabalhadores reafirma o seu compromisso com a manutenção dos pisos constitucionais da Saúde e da Educação, a política de aumento real do salário mínimo e a sua vinculação às pensões e aos benefícios da Segurança Social e da Assistência Social. São conquistas históricas da classe trabalhadora e da sociedade brasileira, diante das quais não há espaço para retrocessos.”
Na opinião da equipe de análise política da XP Investimentos, os episódios recentes marcam uma tentativa do governo de “aproveitar a situação para casar o debate sobre isenções fiscais com corte de despesas”, apesar dos entraves existentes. “Lula avançou dentro do que dissemos ser o discurso possível para este governo: o de combater os gastos indevidos e corrigir distorções, sem ‘sacrificar os mais pobres’. A entrevista que ela concedeu pode ser lida como um passo adiante na direção do que Haddad vem vocalizando desde a semana passada, um endosso público à revisão dos gastos, mesmo que sem definir o que será apresentado como proposta concreta”, apontam. .
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“O que falta ainda é um acordo interno sobre quais serão as medidas. Se é possível mudar o nível de Saúde ou se será através da revisão cadastral do Benefício de Prestação Continuada (BPC), da Seguridade Social, do Bolsa Família, etc. O JEO precisa se ajustar internamente e construir alternativas mais sofisticadas do que simplesmente acabar com os benefícios, então que há viabilidade política”, continuam.
A ideia é que a lista de medidas seja apresentada a Lula, para que o presidente tome uma decisão e encaminhe ao Congresso Nacional até o próximo Relatório Primário de Avaliação de Receitas e Despesas (RARDP) do terceiro bimestre, previsto para julho. 22. O momento será importante para que o Poder Executivo sinalize aos agentes econômicos que o cenário fiscal para este ano está mantido e que haverá um esforço de revisão de despesas na busca pelo cumprimento das metas estabelecidas.
Soma-se a isso o fato de que o governo federal só tem até o final de agosto para submeter ao Congresso Nacional o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2025. E caso sejam necessárias novas medidas para atingir a meta de déficit zero no próximo ano (ou a faixa inferior, que corresponde a um déficit de 0,25% do PIB), é necessário que todas sejam submetidas ao Legislativo antes da peça.
“Ainda parece cedo para dizer se realmente haverá uma disposição mais ampla para enfrentar esta agenda. O fato é que, antes da volta do MPV, o momento do governo era propor essas mudanças somente após as eleições municipais. Agora, o debate foi precipitado − o que não deixa de ser uma notícia positiva −, mas ainda não está maduro no governo”, concluem os analistas da XP.
Para os analistas políticos Leonardo Barreto e Fábio Fernandes, da consultoria I3P Risco Político, medidas de curto prazo podem ser apresentadas pelo governo antes das eleições municipais, mas a tendência é que grande parte da discussão seja adiada para mais tarde, com os parlamentares se concentrando em disputas. pelas prefeituras.
Ricardo Ribeiro, analista político da MCM Consultores, destaca o histórico de embates entre a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann, e Haddad, e lembra que o ministro levou a melhor sobre a maioria deles − o que pode indicar algum impulso para a agenda ajuste de despesas. “A posição do Haddad prevalece, quase sempre. Gleisi Hoffmann não é um obstáculo à política econômica de Haddad. O primeiro desafio do Haddad, hoje e sempre, será conseguir a aprovação de Lula para as principais decisões de política econômica”, pontua o especialista.
“Lula, ao que parece, deu à equipe econômica mais alavancagem para avançar um pouco mais em direção ao ajuste fiscal gradual. E é provável que novas medidas de ajuste fiscal sejam adotadas ainda este ano”, continua.
“As medidas estruturantes não serão capazes de colocar a situação fiscal do país numa trajetória claramente percebida como de equilíbrio consistente. Mas deverão produzir algum impacto positivo na situação fiscal de curto prazo”, conclui.
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