O plenário da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) aprovou nesta segunda-feira (17), por aclamação, um parecer que define como inconstitucional, anticonvencional e ilegal o projeto de lei (PL) que equipara o aborto após a 22ª semana de gestação ao homicídio. Com 81 membros, o conselho da OAB é o órgão máximo da instituição que representa o direito brasileiro.
“Absoluta desproporcionalidade e desrazoabilidade da proposta legislativa em questão, além de misoginia e racismo perversos. Em suma, do ponto de vista do direito constitucional e do direito internacional dos direitos humanos, o PL 1904/2024 é flagrantemente inconstitucional, não convencional e ilegal”, afirma o parecer.
O documento considera ainda que o PL remonta à Idade Média, sendo “atroz, degradante, retrógrado e persecutório de meninas e mulheres”. Segundo o parecer, “[o PL] obriga as meninas e mulheres, principais vítimas de violação, a duas opções: ou é presa pelo crime de aborto, cujo tratamento será igual ao dado ao crime de homicídio simples, ou é obrigada a dar à luz o filho do seu violador .”
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O Conselho votou a favor do parecer produzido por uma comissão formada por cinco representantes da OAB, todas mulheres, liderada pela assessora de Silvia, Virginia Silva de Souza, atual presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos.
“75 mil estupros por ano, sendo 58 mil desses estupros contra meninas de até 13 anos, 56% negras. O retrato das vítimas desse projeto de lei, se aprovado, são meninas negras pobres que têm voz aqui, sim, neste plenário. Eu vim daquele lugar”, disse Silvia de Souza durante a sessão do conselho da OAB.
O parecer foi feito a pedido do presidente da Ordem, Beto Simonetti, que destacou que o documento hoje aprovado não é um mero parecer da instituição. “É um posicionamento da Ordem dos Advogados do Brasil, forte, firme, sereno e responsável. E, a partir daí, continuaremos lutando no Congresso Nacional, através do diálogo, e apoiando e apoiando a nossa posição”, afirmou.
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O documento aprovado pede que o projeto de lei que equipara aborto a homicídio seja arquivado ou, se aprovado, que a questão seja levada ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Inconstitucional
O parecer afirma que o PL 1.904/24 viola a Constituição ao não proteger e garantir o direito à saúde, especialmente para mulheres vítimas de estupro. Segundo o parecer, a pena imposta pelo projecto à mulher vítima de violação, por ser superior à pena imposta hoje ao violador, também viola o princípio da proporcionalidade que deveria reger o direito penal.
“Atribuir a uma vítima de violação uma pena maior do que a do seu violador não cumpre os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade da proposta legislativa, bem como o tratamento desumano e discriminatório para com as vítimas de violação”, diz o documento.
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De acordo com o projeto, a mulher pode pegar pena de até 20 anos, enquanto o estuprador pode pegar no máximo 10 anos de prisão.
O documento aprovado hoje pela OAB destaca ainda que o texto “bruto e desconectado da realidade” não considera as dificuldades que mulheres e meninas vítimas de estupro têm no acesso ao aborto legal.
“O PL não se preocupou com a possibilidade de descoberta tardia da gravidez, fenômeno comumente percebido nas regiões mais interioranas dos estados brasileiros, ou mesmo com a falta de cuidado do Estado em prestar assistência médica em tempo hábil”, argumentou. .
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Segundo a OAB, as dificuldades impostas pela realidade justificam a interrupção da gravidez após a 22ª semana.
“No Brasil, o aborto seguro está restrito a poucos estabelecimentos e concentrado nos grandes centros urbanos. A dificuldade em reconhecer os sinais de gravidez entre as crianças, o desconhecimento sobre as disposições legais do aborto, a descoberta de diagnósticos de malformações que geralmente são realizados após a primeira metade da gravidez, bem como a imposição de barreiras por parte dos órgãos de saúde próprio sistema (objeção de consciência, exigência de boletim de ocorrência ou autorização judicial, entre outros) constituem os principais motivos para a procura do aborto após a 20ª semana de gestação”, explica o parecer.
Lei criminal
O parecer afirma que o Direito Penal deve ser utilizado como último recurso, pois é regido pelo princípio da intervenção mínima e da reserva legal. “O direito penal torna-se ilegítimo quando serve ao clamor social, pois a sua utilização deve ser como ultima ratio, e não como primeira e única opção”, diz o documento.
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Outro argumento utilizado é que o PL viola o princípio da humanidade das penas.
“A imposição de pena de homicídio às vítimas de estupro é capaz de trazer características de penas cruéis e infames, o que seria um retrocesso e uma violação do princípio da humanidade das penas”, argumentou.
Secularidade e vício formal
Segundo a OAB, o PL também violaria o princípio do Estado Laico, que sustenta que as convicções de determinada religião não podem ser impostas à sociedade como um todo.
“A política criminal proposta no PL em análise, em seu aspecto sociológico, parece estar imbuída de convicções teístas, ao mesmo tempo que se afasta da realidade de meninas e mulheres brasileiras estupradas e engravidadas por seus algozes e, portanto, não encontra abrigo em o princípio da laicidade do Estado”, afirma.
A OAB também chamou a atenção para o fato de o projeto ter sido aprovado com urgência e sem discussão com a sociedade.
“Constatado vício formal, por não ter sido divulgado pela Diretoria [da Câmara] e poderá ser votado diretamente no Plenário, sem antes ser submetido à análise das comissões de mérito da Câmara, e ainda oferece a possibilidade de participação da sociedade civil e das Instituições Públicas nos debates e discussões sobre este tema”, acrescentou.
Defesa do PL
De autoria do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL/RJ), o texto conta com a assinatura de 32 parlamentares. Ao justificar o projeto, o deputado Sóstenes argumentou que “como o Código Penal não estabelece limites máximos de idade gestacional para a realização da interrupção da gravidez, o aborto poderá ser praticado em qualquer idade gestacional, mesmo quando o nascituro já seja viável”.
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