Policiais militares de São Paulo não conseguiram acionar o modo de gravação intencional de câmeras corporais em metade das ocorrências analisadas pela Defensoria Pública do estado, com base em levantamento de prisões realizadas na capital paulista em 2024.
De um universo de 96 casos selecionados por amostragem, houve acesso a imagens relacionadas a 40 incidentes – em metade deles só está disponível a gravação de rotina, que filma com qualidade de imagem inferior e sem áudio.
No modelo atual de câmeras corporais, a gravação intencional (que aumenta a resolução e capta o som) depende do acionamento do policial.
Em parte dos casos de levantamento em que foi possível analisar o conteúdo das imagens, a Defensoria constatou situações em que a câmera foi retirada do uniforme e o aparelho ficou obstruído durante as abordagens.
Segundo o órgão, os dados mostram a importância de registrar as ações policiais de forma ininterrupta, sem depender de acionamento manual do agente de segurança.
Entre os casos identificados, há registros de agressões físicas por parte de policiais, incluindo chutes e socos. Algumas abordagens tiveram a filmagem comprometida devido à câmera corporal ter sido deixada no veículo.
Uma das ocorrências, porém, serviu para confirmar a regularidade da abordagem, após o preso afirmar na audiência de custódia que havia sido agredido pela polícia (leia a descrição de alguns casos, abaixo neste texto).
Vídeo rotineiro e intencional
Atualmente, as câmeras corporais utilizadas pela Polícia Militar de São Paulo (PM-SP) gravam ininterruptamente desde o momento em que são fixadas nos uniformes dos policiais. As imagens são gravadas em baixa resolução.
Para qualquer “fato de interesse policial”, como resposta a ocorrências, prisões ou perseguições, o policial deverá ativar o modo de gravação intencional. Nesse formato, as imagens são filmadas com melhor qualidade e o som é capturado.
O formato de gravação de câmeras corporais está no centro da polêmica em torno do edital de compra de 12 mil novas câmeras corporais para policiais, lançado pela gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Na segunda-feira (10), o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou pedido da Defensoria Pública de São Paulo para suspender o leilão.
Pelas regras, os equipamentos serão adquiridos com função “liga e desliga”, na qual cabe ao policial ou ao Centro de Operações da PM acionar ou não a câmera. A Motorola foi a vencedora da competição.
Para a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, a maior parte das gravações armazenadas no modelo atual são vídeos rotineiros, que não constituem “registro de interesse policial”.
Segundo o secretário do departamento, Guilherme Derrite, 97% dos vídeos gravados e armazenados não eram relevantes para investigações policiais ou processos criminais.
Gravações na prática
No total, a Defensoria Pública coletou, por meio de amostragem, 96 casos de presos que passaram por audiência de custódia na cidade de São Paulo, entre 10 de janeiro e 3 de junho, em que solicitaram acesso a imagens de câmeras policiais.
Segundo a agência, 56 dos pedidos de imagens não foram atendidos. Dos 40 restantes, em metade (20 casos) a gravação intencional não foi acionada, e a análise da ocorrência baseou-se apenas na gravação de rotina (com menor qualidade de imagem e sem áudio).
A análise das imagens disponíveis mostrou ainda, segundo a Defensoria Pública, 8 casos de câmeras sendo retiradas de seus uniformes por policiais durante a abordagem monitorada e 4 situações em que a câmera foi “total ou parcialmente coberta/coberta pelos policiais”. participando da abordagem”.
“Esses dados indicam que parecem haver obstáculos ao uso adequado das câmeras corporais, o que possivelmente resultará no acionamento não voluntário durante as operações”, afirmou o órgão, em comunicado encaminhado ao STF no início de junho.
“Se houver dificuldade em manter as câmeras uniformizadas e desobstruídas durante o policiamento ostensivo, também será improvável que a ativação voluntária seja realizada nessas ocasiões.”
Costas e agressão do policial
Os 96 casos levantados referem-se a prisões por crimes de roubo, furto, tráfico, receptação, lesão corporal, porte ou porte ilegal de arma de fogo, ocorridos em São Paulo.
Em um dos autos analisados, a Defensoria Pública identificou que o policial retirou a câmera do uniforme e deixou o aparelho “no chão do veículo” durante a abordagem.
Em outro caso, o órgão registrou: “o cinegrafista está de costas para o policial que se aproxima do acusado; policial foi até um local que parece ser uma loja de roupas e tirou a câmera do uniforme.”
Também há registros de violência cometida por agentes de segurança, segundo a Defensoria Pública.
Em um dos casos, o órgão apurou no vídeo que o policial, após imobilizar o suspeito no chão, “deu um soco na nuca do suspeito”, aparentemente sem motivo, pois não houve resistência após a captura .
A pesquisa descreve ainda que houve “vários insultos” e que, segundo o policial, “demorou pouco para evitar que ele explodisse”. [preso]”.
Outro caso registrado teve potencial para confirmar a regularidade da abordagem. Em audiência de custódia, o preso alegou ter sofrido violência de agentes.
“No entanto, verificando as imagens não vimos nenhuma violência. A abordagem foi tranquila, os acusados se exaltaram em alguns momentos, mas os policiais agiram com calma”, diz a pesquisa. “Essencial para identificar padrões”
A CNNa defensora pública Fernanda Balera, coordenadora do Centro Especializado de Cidadania e Direitos Humanos do órgão, disse que o estudo fornece dados empíricos sobre o desempenho dessa política e mostra a importância de o registro ser realizado de forma ininterrupta.
“Se não fosse a gravação de rotina, nem saberíamos o que acontece nesses casos [em que não houve acionamento intencional]”, afirmou. “A gravação de rotina é essencial para identificar um padrão, independentemente de os PMs estarem ou não usando as câmeras de maneira adequada.”
“Se confiássemos apenas no acionamento voluntário, nunca veríamos esses casos em que a câmera foi deixada no veículo ou coberta propositalmente”, declarou.
Segundo Balera, o plano é realizar pesquisas semelhantes periodicamente, para subsidiar análises sobre a aplicação da iniciativa. “Espaço para melhoria e responsabilização”
Em resposta à CNN, a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública disse que as câmeras corporais utilizadas pelos policiais são “uma importante ferramenta para garantir a segurança das pessoas e dos policiais”, e que agora “terão novos recursos para contribuir para o lutar contra o crime e reduzir a mobilidade criminosa.”
O ministério disse ainda que a PM-SP é uma “instituição legalista” que “segue rígidos protocolos operacionais”.
“A Instituição mantém uma corregedoria atuante para responsabilizar os agentes que cometem excessos, indisciplinas ou desvios de conduta”, afirmou.
Segundo a secretaria, quando há indícios de irregularidades no uso de câmeras corporais, “inicia-se uma investigação rigorosa por parte dos órgãos fiscalizadores, com punição caso sejam detectados desvios”.
Segundo dados do órgão, já foram abertos cerca de 3 mil procedimentos para apurar desvios no programa desde a implantação das câmeras. Em 70% dos casos houve punições.
Leia a resposta completa da Secretaria de Segurança Pública:
“O Governo de SP entende que toda política pública deve ser continuamente aprimorada e modernizada para cumprir seu objetivo de forma mais completa e eficiente. Os COP são uma importante ferramenta para garantir a segurança das pessoas e dos policiais, e agora terão novas funcionalidades para contribuir no combate ao crime e na redução da mobilidade criminosa. As imagens captadas fazem parte do conjunto probatório dos inquéritos policiais e estão à disposição de órgãos de controle como o Ministério Público e o Judiciário.
A PM trabalha para melhorar o prazo de compartilhamento de imagens com esses órgãos. Na verdade, o novo modelo proposto proporcionará maior agilidade nesse sentido, com compartilhamento automático com Ministério Público, Judiciário e demais órgãos de controle, seguindo as regras estabelecidas na LGPD.
A Polícia Militar é uma instituição legalista, que atua estritamente dentro de seu dever constitucional e segue rígidos protocolos operacionais. A Instituição mantém uma corregedoria atuante para responsabilizar os agentes que cometem excessos, indisciplinas ou desvios de conduta. Quando há indícios de irregularidades no uso de câmeras corporais, inicia-se uma investigação rigorosa por parte dos órgãos fiscalizadores, com punição caso sejam detectados desvios. Desde a implementação das COPs, foram iniciados cerca de 3 mil procedimentos investigativos, que resultaram em punições em cerca de 70% dos casos.”
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