Divulgada nesta sexta-feira, 24, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua: Covid-19, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que crianças e adolescentes são maioria entre os não vacinados contra a Covid -19 . O medo de reações adversas por parte dos pais e responsáveis é o principal motivo da não vacinação do grupo, que abrange pessoas de 5 a 17 anos.
O estudo, realizado no primeiro semestre de 2023, abrangeu 210 mil domicílios em todos os estados do país, envolvendo a participação de 200,5 milhões de pessoas. Destes, 38.395 tinham entre 5 e 17 anos e 162.089 tinham mais de 18 anos. Os dados revelam que 14,8% dos indivíduos entre 5 e 17 anos, o equivalente a 5,7 milhões de crianças e adolescentes, não haviam recebido nenhuma dose da vacina no momento do estudo. Em comparação, apenas 3,4% dos entrevistados com 18 anos ou mais estavam na mesma situação.
Entre os motivos para não vacinar, os responsáveis citaram principalmente o medo de reações adversas (39,4%). Outros motivos incluíram: “não acha necessário, acredita na imunidade” (21,7%), “não confia ou não acredita na vacina” (16,9%), “por recomendação de um profissional de saúde” (6,4%) e “a vacina que queriam não estava disponível” (5,7%). Outros 9,8% dos entrevistados indicaram que nenhuma dessas categorias refletia o motivo da não vacinação de crianças e adolescentes.
É importante destacar que a pesquisa considerou apenas crianças com 5 anos ou mais, pois o questionário foi elaborado em 2022, quando a vacinação ainda era restrita a essa faixa etária. Somente no início de 2024 a vacina contra a Covid-19 foi incluída no calendário nacional de imunização de crianças com 6 meses ou mais.
Entre os adultos, prevaleceu a negação quanto à eficácia da vacina: 36% dos não vacinados afirmaram que a decisão se deveu à desconfiança na vacinação. Além disso, 27,8% relataram medo de reações adversas, 26,7% disseram não achar necessário porque acreditavam na imunidade natural, 3,8% seguiram a recomendação de um profissional de saúde e 1,4% não encontraram a vacina desejada nas unidades de saúde. Outros 4,3% dos entrevistados afirmaram que nenhuma dessas categorias refletia o motivo da não vacinação.
No total, a pesquisa mostrou que 11,2 milhões (5,5%) de pessoas entre os 200,5 milhões de entrevistados optaram por não receber nenhuma dose da vacina. Em contrapartida, a grande maioria, 93,9%, optou por receber pelo menos uma dose da vacina, totalizando 188,3 milhões de pessoas. Das pessoas que tomaram pelo menos uma dose da vacina, 58,6% estavam com todas as doses recomendadas no momento da pesquisa, enquanto 38,6% não haviam completado o esquema vacinal.
Em termos territoriais, a região Norte concentra o maior número de pessoas não vacinadas (11%), seguida pelo Centro-Oeste (8,5%), Sul (6,3%), Nordeste (5,5%) e Sudeste (3,7%) . Nas regiões Norte, Centro-Oeste, Nordeste e Sudeste, o principal motivo do esquema vacinal incompleto foi o esquecimento ou a falta de tempo. Somente na região Sul o principal motivo foi a percepção de que a vacina não era necessária ou a perda de confiança na vacina.
Em média, três crianças ou adolescentes morrem a cada quatro dias no Brasil em decorrência da Covid-19
Em novembro de 2023, pouco antes de o Ministério da Saúde ampliar a vacinação contra a Covid-19 para pessoas com 6 meses ou mais, especialistas ouvidos pelo Estadão explicaram a importância dessa medida. Segundo eles, a Covid-19 torna-se cada vez mais uma “doença pediátrica”, com um número significativo de casos graves em crianças, incluindo idosos, antes considerados o principal grupo de risco para a doença.
A opinião dos médicos vai ao encontro dos dados divulgados pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em março deste ano. Segundo a instituição, quatro anos após o início da pandemia, declarada pela OMS em 11 de março de 2020, ainda morrem no Brasil, em média, três crianças ou adolescentes de até 14 anos a cada quatro dias por complicações da doença .
A análise do Observa Infância, da Fiocruz, com base nos dados do Sivep-Gripe/Fiocruz das primeiras nove semanas de cada ano, entre 2021 e 2024, mostra que baixas taxas de cobertura vacinal estão associadas à persistência da mortalidade nessa faixa etária. Até março deste ano, as taxas de vacinação entre os menores de 14 anos eram de 11,4%, um pouco abaixo do percentual dos adultos, que era de 14,9%.
“Neste momento, se você analisar os dados não só do Brasil, mas dos Estados Unidos também, o risco de casos graves e de morte em crianças é praticamente comparável ao da população com mais de 80 anos. Nós, adultos, fomos vacinados, tivemos a doença ou as duas coisas. As crianças ficaram muito menos expostas, resultando em menor imunidade natural, e sem vacinação são um grupo muito suscetível”, disse a infectologista Rosana Richtmann, do Instituto de Infectologia do Hospital Emílio Ribas.
O pediatra e infectologista Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunização da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), explicou que, ao receber de uma a quatro doses da vacina e/ou já ter tido a doença em algum momento, a população adulta brasileira hoje, apresenta um quadro bem mais brando da doença em comparação com a era pré-vacinação. “Por outro lado, as crianças que nascem agora [momento em que a vacina ainda era restrita a crianças a partir dos 5 anos] Eles são o único grupo que não teve oportunidade de receber uma dose de vacina ou exposição ao vírus. Quando olhamos as taxas de incidência, este é o segundo grupo com maior incidência de internações, atrás apenas dos maiores de 80 anos, mas quase empatado”.
No Brasil e no mundo, as ações de imunização contra a Covid-19 foram realizadas excepcionalmente à medida que as vacinas eram aprovadas pelos órgãos reguladores. Ao longo de 2022 e 2023, começaram a ser oferecidas vacinas para crianças, inicialmente restritas a maiores de 5 anos. Hoje, para o grupo de 6 meses a 5 anos, há duas vacinas disponíveis: Pfizer Baby e Coronavac (a partir de 3 anos).
As vacinas para crianças foram disponibilizadas num momento em que os adultos já tinham recebido duas doses ou mais, reduzindo a percepção de risco da doença. A inclusão dessas vacinas nas campanhas do governo federal, durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, foi marcada por uma série de entraves e uma forte onda de desinformação. Tudo isso, segundo especialistas, foi o que contribuiu para a dificuldade de sucesso nas taxas de vacinação.
Cristiano Boccolini, pesquisador da Fiocruz e coordenador do Observa Infância, destacou a importância do imunizante, principalmente em tempos de escalada de outras doenças. “A análise mostra que temos uma vacina segura, eficiente e disponível em todos os municípios. Precisamos usar os recursos que temos para garantir a saúde das crianças, principalmente em um cenário desfavorável, com circulação de outras doenças perigosas, como a dengue”, disse, em nota da Fiocruz.
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