Os cientistas identificaram que a variante do vírus oropouche (OROV) responsável pelo surto de febre oropouche no norte do Brasil já se espalhou para Bahia, Espírito Santo e Santa Catarina.
No novo estudo, publicado na revista científica The Lancet, pesquisadores do grupo Fleury e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) confirmaram ainda a existência de duas novas mutações, presentes nesses mesmos estados.
As alterações no genoma do vírus podem ter contribuído para a sua propagação pelo país, para o aumento dos casos e para as graves manifestações da doença, que causou as duas primeiras mortes no mundo em 2024.
Este ano, o Brasil registrou mais de 7,8 mil casos de febre oropouche em 22 estados, segundo dados do Painel de Monitoramento de Arboviroses do Ministério da Saúde. Para efeito de comparação, em 2023, foram 831 casos da doença, todos em estados da região Norte (Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima).
Novo passo para entender o vírus
As informações do estudo complementam o que pesquisas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) já indicavam sobre o genoma do vírus que deu início ao surto da febre oropouche no Norte do país, em 2022.
Segundo análise da Fiocruz, o aumento de casos foi causado por uma nova linhagem de OROV que surgiu no Amazonas entre 2010 e 2014 e se espalhou silenciosamente ao longo da última década.
Agora, a nova pesquisa mostra que essa mesma variante já chegou à Bahia, ao Espírito Santo e a Santa Catarina, o que indica a propagação do vírus por todo o país.
Mutações
Os cientistas também encontraram novas mutações datadas do período entre 2023 e 2024após o início do surto. Isto indica que a propagação do vírus nos últimos dois anos pode ter desencadeado alterações no seu genoma.
“À medida que o vírus é transmitido, ocorrem mutações”, afirma Daniela Zauli, coordenadora de Pesquisa e Desenvolvimento do Grupo Fleury.
Pesquisas indicam que o vírus passou por um rearranjo – mudanças que impactam maior parte do seu DNA. Evidências indicam que o OROV se reorganizou com outros dois microrganismos de sua família: o vírus Iquito e o PEDV, que circulam na Amazônia e têm potencial para infectar humanos.
“O vírus tem três pedacinhos. O que aconteceu num determinado momento é que dois ou até três vírus diferentes contaminaram a mesma célula. Ao embalar um novo vírus, em vez de levar os três segmentos de um mesmo oropouche, levaram um pedacinho de outros vírus, que são semelhantes”, explica o infectologista Celso Granato, diretor clínico do Grupo Fleury que não participou do estudo .
Essa troca com outros vírus pode acontecer eventualmente, segundo especialistas. “Isso faz parte da evolução natural (dos vírus). Temos que estar atentos ao que essa evolução traz para o ser humano”, afirma Daniela.
Ela ressalta que não é possível afirmar se essas mutações estão relacionadas a casos graves de febre oropouche ou a alterações na forma de propagação do vírus. Novos estudos deverão investigar essas associações.
A febre Oropouche é transmitida pelo inseto Culicoides paraenses conhecido como maruim ou flebotomíneo. “Quando você tem uma mutação, isso pode gerar a capacidade de ser transmitido por outros tipos de insetos”, diz Granato. “Falando em hipótese, se esse vírus se adaptar bem ao Aedes aegypti, por exemplo, isso é muito ruim porque é um mosquito que está mais disseminado no país”, completa.
Especialistas enfatizam a importância da ampliação dos testes porque as amostras fornecem material de análise e permitem aos pesquisadores entender se alterações no OROV exigem mudanças nas medidas de prevenção de doenças, por exemplo.
“Essa vigilância genética do vírus é de extrema importância porque é por meio dela que entenderemos melhor como esse vírus está se comportando em um país como o Brasil, que é tão heterogêneo”, finaliza Granato.
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