O juiz Paulo Fernando Deroma De Mello, da 1ª Vara de Crimes Fiscais, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da Capital, condenou integrantes de uma quadrilha que executou o “golpe do Tinder” a penas de até 18 anos de prisão. O grupo, formado por nove suspeitos, todos condenados, tinha ligações com o PCC. Criaram “Maria Clara”, uma fantasia virtual que atraía homens desavisados para encontros românticos.
Os réus foram condenados por organização criminosa e extorsão qualificada – mediante grave ameaça, uso de arma de fogo e restrição de liberdade – de um homem de 48 anos.
O principal condenado, Alisson Raphael Lino Porfirio, é apontado como líder da quadrilha. Ele pegou 18 anos e já está preso. Segundo o Ministério Público, Alisson negociou percentuais dos valores extorquidos, para dividir os lucros do crime com um homem conhecido como “Goiânia”, identificado como integrante do PCC.
Segundo o Ministério Público, Alisson trabalhou na abordagem das vítimas e na “gestão do cativeiro”.
Outros dois arguidos, também condenados a 18 anos – Diego Lopes Simões e Wallace Vitorino de Oliveira – eram “beneficiários de transferências bancárias de montantes significativos”.
A investigação indica que os dois foram citados em diálogos entre Alisson e “Goiânia”.
Outros seis arguidos – Jaqueline Gomes Alves, João Alexandre Silva Warnava, Stephany Rayane Gomes Nunes, Paulo Alexandre Macencio da Silva, Jairan Gomes dos Santos e Jéssica Norberto de Jesus – receberam 15 anos de prisão. Eles disponibilizaram suas contas para transferência de valores extorquidos da vítima.
A ação mostra que alguns réus eram responsáveis por tarefas como repartir o produto do crime, abordar as vítimas e administrar o cativeiro, além de saquear dinheiro para posterior distribuição entre colegas.
O juiz Paulo Fernando Deroma de Mello destacou a “enorme sofisticação” do grupo. A sentença foi assinada nesta terça-feira (4).
Segundo o magistrado, a quadrilha mantinha vários setores: um fornecia armas para práticas criminosas; outro foi encarregado de criar perfis falsos em aplicativos de namoro; um setor era constituído por “ladrões de vítimas”; outro cuidou dos cativos.
A estrutura da “gangue Tinder” também incluía um núcleo que recrutava pessoas para abrir e transferir contas correntes para capturar valores extorquidos das vítimas. Além disso, um centro de informática.
Segundo denúncia do Ministério Público de São Paulo, a quadrilha usava aplicativos de namoro como o Tinder para atrair vítimas e marcar encontros.
Ao chegar ao local marcado, a vítima foi “abordada por integrantes da facção”. Com os olhos vendados, ela foi colocada em um veículo no qual foi transportada para o cativeiro. Lá, a vítima teve seus cartões bancários e telefone celular despojados. Ameaçada, ela divulgou a senha para compras e transferências de valores que caíam nas contas do grupo criminoso. As contas eram geridas pelos “responsáveis pelo recebimento desses valores espúrios”.
Os investigadores afirmam que os criminosos chegaram a questionar as vítimas sobre seu comportamento financeiro para que elas se adaptassem aos perfis e não levantassem suspeitas nos sistemas antifraude dos bancos.
No caso que levou à condenação de nove réus, a quadrilha usou o perfil de uma mulher chamada Maria Clara no Tinder para marcar um encontro com um homem. Ao chegar ao local designado, por volta das 20h, foi abordado por três homens, que anunciaram o assalto, cobriram seus olhos com uma venda e o levaram para cativeiro na Cidade Patriarca, zona leste de São Paulo.
Lá, o grupo pegou o celular e os cartões da vítima, amarrou seus pés e mãos com uma braçadeira (“cabide de gato”) e fez ameaças de morte. Subjugado, o homem forneceu senhas bancárias e endereço residencial. O homem ficou preso de 1º a 5 de outubro de 2022. O grupo roubou R$ 220 mil da vítima.
Os criminosos foram até a residência da vítima e roubaram um carro, aparelhos de TV, uma impressora, um notebook, uma furadeira, sete lixadeiras, uma máquina de solda e malas cheias de roupas.
O homem escapou da prisão por acaso. Um dia, durante uma operação policial próximo ao seu cativeiro, os criminosos se assustaram e fugiram. A vítima aproveitou a oportunidade para escapar de seus algozes.
A investigação começou quando dois integrantes do grupo foram presos em flagrante utilizando o cartão de outra vítima de extorsão. Com base em mensagens encontradas nos celulares dos investigados, a Polícia identificou que os presos faziam parte da mesma “facção criminosa” responsável pelo sequestro.
Os diálogos mostraram uma conversa constante entre um dos presos, Alisson, e “Goiânia”. Tratavam da compra de armas e da divisão dos lucros da quadrilha. As mensagens também mostraram que o grupo mantinha um núcleo de fornecimento de armas, incluindo fuzis.
Durante a investigação, a Polícia descobriu que “Goiânia” serviu como “afinador final” dos EUA na hierarquia do PCC. Ele se identificou dessa forma em um diálogo. Segundo os investigadores, a menção aos EUA está ligada às divisões territoriais da facção. A “melodia final” corresponde à liderança da organização criminosa.
Sobre o “golpe do Tinder”, a Polícia identificou que Alisson criou o perfil “Maria Clara” para atrair suas vítimas. Nesse caso, Alisson entrou em contato com “Goiânia” e ofereceu 30% dos lucros do crime em troca da disponibilização de contas bancárias da empresa para recebimento de recursos.
Os “conteiros” – pessoas que alugam contas para receber dinheiro – também emitiram notas para “lavar” o dinheiro da extorsão, aponta a investigação.
“Conteiros”
O juiz dedicou parte da sentença a falar sobre a participação dos “conteiros” na quadrilha. Segundo Paulo Fernando Deroma De Mello, eles têm “laços estreitos” com outros criminosos. O magistrado chamou de “fantasia” a versão dos réus de que emprestaram suas contas bancárias a estranhos sem saber que os valores eram oriundos do crime.
Segundo o juiz, acreditar em tal narrativa é “desafiar a inteligência de qualquer aplicador da lei”.
“Não é crível que uma organização criminosa com tamanha sofisticação sequestre vítimas, coloque-as em cativeiro e só então ande sem rumo pelas comunidades onde vivem em busca de pessoas “de boa índole” para que elas, ingenuamente, “emprestem” seu banco contas a estranhos, sem conhecer as suas habilitações nem a origem dos valores transferidos”, notou.
Segundo o magistrado, é “absolutamente impossível””que não haja ajuste prévio entre os criminosos que praticam o sequestro, os que distribuíram as contas bancárias e os “contêineres”.
“Ou seja, houve dolo direto, cuja intenção era aderir à organização criminosa destinada a praticar extorsão através de sequestro e receber benefícios financeiros em troca do aluguer de contas bancárias”, indicou o juiz.
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