Apesar da falta de diálogo entre os presidentes Javier Milei e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o governo brasileiro ajudou esta semana a Argentina a desbloquear o fornecimento de gás natural da Petrobras e evitar um colapso energético no país vizinho.
No dia 22, a Argentina contratou às pressas um navio com 44 milhões de metros cúbicos (m³) de gás liquefeito (GNL) da Petrobras para mitigar uma repentina escassez de combustível no país.
O governo Milei corria contra o relógio, pois a escassez de gás já começava a paralisar parte da atividade industrial argentina e a causar filas e fechamentos de postos de gasolina. A crise surge após um aumento no consumo nas últimas semanas, devido a um frio atípico não registrado há décadas no período, e às vésperas do inverno, quando o consumo de gás aumenta drasticamente para abastecer o aquecimento das residências.
Na tarde desta terça-feira (28), às 16h, o navio da Petrobras já estava conectado a um barco regaseificador em águas argentinas, pronto para descarregar o GNL. Mas a empresa brasileira não aceitou a carta de crédito do Banco de la Nación, apresentada pela Enarsa, estatal argentina de energia, e solicitou um novo documento.
As horas se passaram e o descarregamento não foi feito, enquanto na Argentina as notícias da escassez de gás começaram a se espalhar e a alarmar os industriais. As grandes e médias empresas já tinham sido notificadas pelas distribuidoras que, devido a uma situação de força maior que comprometesse o fornecimento, deveriam suspender o consumo de gás natural nas suas instalações.
Na noite de terça-feira, o governo argentino decidiu acionar a diplomacia brasileira. Os primeiros contatos foram entre o presidente da Enarsa e o embaixador brasileiro em Buenos Aires, Julio Bitelli, que posteriormente foi abordado pela chanceler argentina Diana Mondino.
Membros de ambos os governos confirmaram ao CNNque após esta comunicação, Mondino conversou com o Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, para tentar desbloquear a situação.
Vieira se surpreendeu com o contato do embaixador em Buenos Aires quando este estava em jantar na Câmara Americana de Comércio (Amcham), no Palácio do Itamaraty e com a presença de vários ministros, comemorando os 200 anos das relações Brasil-EUA.
Alexandre Silveira, do Ministério de Minas e Energia, não esteve no evento – ele passou o dia viajando para cuidar pessoalmente da situação no Rio Grande do Sul. Vieira pediu que ele verificasse com a Petrobras qual era o problema da carta apresentada e tentasse resolver o problema, evitando maiores danos à já fragilizada economia argentina. Silveira então cuidou pessoalmente do assunto para facilitar uma solução.
De acordo com um relatório feito CNN por uma das autoridades diretamente envolvidas na negociação, por parte do governo houve interesse num resultado rápido, porque se tratava de uma situação urgente para um “país amigo”.
Este responsável descreveu que “havia claramente um certo grau de urgência nas chamadas” devido ao conhecimento, de ambos os lados, do potencial negativo para a economia argentina caso este gás não fosse libertado.
Consultados pela reportagem ressaltam, porém, que a cadeia de contatos, por meio de mensagens e ligações, foi para entender o problema e ver o que poderia ser feito e agilizar o processo, sem interferências políticas e atendendo às exigências da Petrobras.
“Foi uma questão puramente comercial”, afirmam, garantindo que a mobilização demonstra que as relações estão a fluir corretamente e que o diálogo de alto nível para desbloquear a situação indica que a relação está a funcionar.
Assessores próximos ao presidente Lula relatam que o pedido à Petrobras foi feito na última quarta-feira (22), em caráter emergencial, e apesar da disposição da empresa brasileira em enviar o gás solicitado, a Argentina demorou dois dias para apresentar a carta de crédito ao Brasil.
O documento, porém, não continha todos os requisitos exigidos pela Petrobras para servir como garantia de pagamento.
Após contato com a empresa brasileira, o problema foi resolvido com a emissão de uma nova carta de crédito, emitida na manhã desta quarta-feira. A notícia da liberação do carregamento foi dada diretamente pelo chanceler Vieira ao seu homólogo argentino, por volta das 7h de ontem (29), e o início do fornecimento de gás no país foi anunciado pelo porta-voz da Casa Rosada, Manuel Adorni, em entrevista coletiva, gerando alívio no país.
Em nota, a Petrobras limitou-se a afirmar que “a operação de venda de GNL entre a Petrobras e a Enarsa ocorreu conforme acordado no contrato. Ambas as empresas atuaram para viabilizar o início do fornecimento, o que já está acontecendo, no menor tempo possível.”
Na avaliação de altos funcionários do governo brasileiro entrevistados pela CNNtodo o episódio mostra que, embora Lula e Milei nunca tenham se falado, há maturidade nas relações econômico-comerciais entre os dois principais membros do Mercosul e os órgãos técnicos continuam funcionando normalmente.
Nesta quinta-feira, o porta-voz da Casa Rosada elogiou a coordenação entre os países para resolver o problema e afirmou que “devemos agradecer à Petrobrás”.
“Temos que saber agradecer e reconhecer quando as coisas vão bem. É uma questão muito sensível, de alguma gravidade com os setores que tiveram que se abastecer de gás, a rapidez com que o problema foi resolvido com a famosa carta de crédito. Quando estamos satisfeitos com essas questões, num momento tão crítico, é bom mencionar e agradecer.”
Disse ainda que é importante mostrar “quando a diplomacia acontece perfeitamente, quando as relações são bárbaras com um problema que tem de ser resolvido e todos se colocam à disposição”.
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