Três crianças assustadas estão sentadas no telhado de uma mesquita na província de Baghlan, no norte do Afeganistão, piscando para afastar a lama que cobre todo o seu corpo.
Ao lado deles, um socorrista desce o irmão mais novo das crianças, Arian, de 2 anos, com um lençol amarrado na cintura, que foi usado para tirá-lo das águas turbulentas abaixo.
“Traga a mãe dele para segurá-lo e aquecê-lo”, diz o socorrista no vídeo.
Nos últimos dias, pelo menos 300 pessoas morreram em inundações em 18 distritos de pelo menos três províncias do norte do Afeganistão, segundo o Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas (PAM). Outras 200 pessoas ficaram feridas.
Os vídeos mostram fluxos de água e lama arrastando casas e pessoas de barro, que lutam para sobreviver, enquanto outros assistem, impotentes, de lugares mais altos.
As crianças resgatadas, de 3, 5 e 6 anos, estavam entre os oito irmãos que estavam em casa com os pais em Folo, no distrito de Bulka, em Baghlan, quando as inundações ocorreram.
O tio deles, Barakatullah, filho do diretor da escola local, disse CNN que algo sinistro parecia estar se formando no final da semana passada, quando um vento forte varreu o distrito e áreas vizinhas, envolvendo tudo na escuridão.
“A visibilidade era tão baixa que nem conseguíamos nos ver”, relatou.
Depois, a chuva começou a cair suavemente durante a sexta-feira (10), algo incomum para os moradores da região, que afirmam não chover com tanta frequência nesta região serrana, onde vivem cerca de 10 mil pessoas.
À medida que a chuva ficou mais forte, de repente a situação “ficou terrível”.
“As pessoas fugiram para locais mais elevados, procurando refúgio nas montanhas e colinas. Infelizmente, alguns que não conseguiram sair de casa foram vítimas das cheias”, ponderou.
Fotos aéreas mostram pertences empilhados em sacos plásticos nos telhados. Além disso, é possível ver mulheres obrigadas a cobrir todo o corpo mesmo em tempos de desastre.
“As mulheres que foram resgatadas são forçadas a usar roupas encharcadas de lama, e mesmo crianças de 2 a 3 meses de idade estão vestidas com roupas igualmente sujas”, disse Barakatullah.
Em Folo, acredita-se que mais de 100 pessoas tenham morrido, acrescentou, a maioria delas mulheres e crianças.
Alguns enterros começaram a ser realizados no fim de semana.
Da seca e da fome às inundações
O fluxo de água e lama arrastou animais e destruiu terras agrícolas numa área que já enfrenta grave escassez de alimentos, segundo Timothy Anderson, chefe do Programa Alimentar Mundial no Afeganistão.
Ele destacou que as áreas atingidas pelas enchentes já foram classificadas como vulneráveis à fome depois de um verão difícil, quando o calor escaldante trouxe a seca.
“Já estava bem escuro. E agora é catastrófico”, disse ele CNN.
As inundações repentinas acontecem anualmente, mas este ano foi muito pior, alerta Anderson.
O especialista alerta ainda que a perda de casas e terras é devastadora para os sobreviventes, que já estavam entre algumas das pessoas mais empobrecidas do país.
“Quando as pessoas perdem algum gado, isso é na verdade [a perda do] seu sustento”, destaca.
Além disso, o acesso às zonas mais afectadas pelas auto-estradas foi afectado pelas cheias, forçando o PAM a utilizar burros para enviar mantimentos.
Num primeiro momento, a organização distribuiu biscoitos e alimentos com alto teor energético para as crianças. Eles também estão apoiando as padarias locais, fornecendo pão grátis.
Nos próximos dias, as equipes começarão a distribuir alimentos suficientes às famílias para um mês.
Anderson comentou que 17 equipes conjuntas de avaliação estão sendo enviadas para a área, juntamente com outros parceiros da ONU.
Ele observou que serão necessários quatro ou cinco dias para que as equipas examinem adequadamente o impacto das inundações nas pessoas, nas suas casas e nas infra-estruturas.
‘Suportando o peso’ da crise climática
Esta catástrofe natural surge após um período de seca no Afeganistão, sendo vista como um exemplo de crise climática — que afeta até países que não são os maiores poluidores.
“Eles não são emissores líquidos de carbono. Esta é uma comunidade e sociedade agrícola de subsistência. Então, eles estão arcando com o peso disso, sem necessariamente terem contribuído muito para [piorar] a questão [da crise climática]”, alerta Anderson, do PAM.
Ele também diz que durante os últimos meses de seca houve esforços para ajudar a comunidade a captar água da chuva em barragens e canais de irrigação para sustentar as culturas. Agora, esses esforços foram anulados, o que representa outro desafio.
“A necessidade é enorme, não apenas no Afeganistão. O mundo está vendo os impactos de eventos muito maiores e mais graves, sejam secas ou ciclones de chuva”, pontua Anderson.
Richard Bennett, relator especial da ONU para os direitos humanos no Afeganistão, destaca que as recentes inundações “são um lembrete claro da vulnerabilidade do Afeganistão à crise climática”.
E numa declaração no domingo, Teresa Anderson, líder de justiça climática global da ActionAid International, disse: “Com o último incidente, o Afeganistão junta-se a uma longa lista de países do Sul Global que enfrentam inundações este ano”.
Compartilhar: