Chanu Gupta viveu praticamente toda a sua vida na capital financeira da Índia, Mumbai – desde que deixou o estado de Uttar Pradesh, no norte do país, ainda criança.
Mas quando as urnas chegarem à cidade para as eleições nacionais deste ano, o vendedor ambulante de 59 anos não poderá votar, tal como milhões de migrantes internos que são a espinha dorsal da economia do país.
“Não posso votar porque não nasci no estado de Maharashtra”, disse Gupta à CNN no distrito comercial de Dadar, em Mumbai, ao lado de um carrinho de rua onde vende raspadinhas e bebidas geladas. “Não tenho direito de votar em outros estados.”
- Chanu Gupta vende raspadinhas em Mumbai, na Índia. /Noemi Cassanelli/CNN
Ao abrigo da lei eleitoral indiana, os eleitores só podem ir às urnas nos seus estados de origem – o que significa que aqueles que trabalham noutras regiões precisam de regressar a casa para exercer o seu direito de voto. Isto é impossível para muitos daqueles que deixam a sua terra natal para trabalhar, especialmente aqueles que vivem informalmente e que dependem do trabalho diário. Na Índia, esse grupo é enorme. Um estudo estima que havia cerca de 600 milhões de migrantes internos no país em 2020, o que representava 43% dos quase 1,4 mil milhões de cidadãos da Índia na altura.
Estes trabalhadores vêm muitas vezes de zonas rurais da Índia, à procura de trabalho em áreas metropolitanas. O salário costuma ser baixo e, mesmo assim, a maior parte vai para o sustento dos familiares. Este fenómeno pode ser observado de perto em Mumbai – a cidade mais rica do país e onde surgiu Bollywood, a indústria cinematográfica indiana.
Repetidamente chamada de “cidade dos sonhos”, Mumbai atrai migrantes de todo o país em busca de riqueza e sucesso.
No último censo nacional de 2011, mais de 43% da população de Mumbai foi classificada como migrante, segundo o think tank Knomad. Muitos vieram de estados com elevadas taxas de pobreza e elevado desemprego, como Uttar Pradesh, Bihar, Rajasthan e Gujarat.
Sinais dessa diversidade estão por toda parte em Mumbai – na variedade de línguas faladas, nos muitos trabalhadores informais que são pagos por dia, nos motoristas de Tuk Tuk, nos trabalhadores da indústria civil e nos vendedores de caldo de cana que se alinham nas calçadas.
Para estes trabalhadores, abrir mão da diária para voltar para casa tem um custo elevado – tanto nos custos de transporte quanto na perda de um dia trabalhado. O efeito destas perdas é especialmente grave para os migrantes que sustentam as suas famílias – o que pode incluir o não pagamento das propinas escolares dos filhos ou o não pagamento da renda aos pais idosos.
A pandemia de Covid-19 pôs em evidência a volatilidade deste tipo de trabalho, quando milhões de indianos perderam o emprego durante a noite e foram forçados a regressar a casa.
“Apesar do alto custo de vida nas grandes cidades, os salários são consideravelmente baixos, o que leva a condições de vida precárias, incluindo a ausência de serviços públicos básicos como o saneamento básico”, afirmou um estudo realizado pelas Nações Unidas que avaliou o impacto da pandemia neste segmento da força de trabalho.
Gupta disse que as vendas de raspadinhas dependem dos dias quentes de verão, quando a eleição está marcada. “Se eu votasse, perderia meu negócio. Ganhar dinheiro é mais importante do que votar, pois tenho que sustentar minha família”, afirmou. “Muitos migrantes como eu, que estão em Mumbai, precisam ganhar dinheiro e não poderão voltar para casa para votar.”
Diáspora indiana
Muitos indianos que vivem no estrangeiro – e que fazem parte da grande diáspora indiana global – enfrentam o mesmo problema, embora as circunstâncias variem consideravelmente.
A maioria são trabalhadores com baixos salários que ajudaram a construir as economias e as cidades modernas das nações árabes ricas em petróleo. Uma parte menor é composta por jovens estudantes de classe média ou abastados que procuram formação profissional e académica nos países ocidentais.
De acordo com estimativas do governo, existem 13,6 milhões de “índios não residentes”, ou INRs, em todo o mundo. O maior grupo está nos Emirados Árabes Unidos, com 3,4 milhões de INR, seguido por residentes da Arábia Saudita, 2,5 milhões, e dos Estados Unidos, com 1,2 milhão.
A pandemia também destacou a condição precária dos INR nos países do Golfo – muitos deles amontoados em dormitórios colectivos ou campos de trabalho. No auge da crise, quando os empregos secaram, as restrições impostas impediram estes trabalhadores de regressar a casa, criando um limbo para milhões de indianos.
Para quem mora em outros continentes, não há possibilidade de voto online ou por e-mail. Em vez disso, os INR devem registar-se como “eleitores não residentes” e depois regressar à sua cidade natal na Índia para assistir pessoalmente às eleições e exercer o seu direito de voto.
A mídia local exemplifica a cidadania de alguns eleitores dedicados que pretendem retornar ao país para participar das eleições. Entre eles, profissionais do Reino Unido e de Dubai. Mas são uma pequena minoria entre os indianos não residentes.
A Comissão Eleitoral da Índia aponta que nas últimas eleições nacionais, em 2019, mais de 71 mil pessoas registaram-se como “eleitores não residentes” – menos de 1% do total de indianos que vivem fora do país.
Incentivando a cidadania
As autoridades indianas têm feito um esforço contínuo para aumentar a participação nas eleições, apelando aos mais de 968 milhões de cidadãos elegíveis para votar – incluindo a criação de assembleias de voto em florestas remotas e nos picos das montanhas.
A Comissão Eleitoral também criou iniciativas de alfabetização eleitoral e campanhas nas redes sociais para impactar os jovens cidadãos.
O esforço resultou na maior participação popular da história do país nas eleições de 2019, quando mais de 67% dos indianos foram às urnas. O enorme grupo de migrantes impedidos de votar contrasta com estas conquistas – e não há perspectivas de melhoria a curto prazo.
Um estudo de 2011 que entrevistou trabalhadores em cinco estados indianos mostrou que 60% dos entrevistados perderam pelo menos uma eleição porque estavam fora de casa à procura de trabalho. Muitos deles abandonaram as suas casas aos 13 anos, ainda antes da idade permitida para obter o título de eleitor, aos 18 anos.
A Comissão Eleitoral reconheceu o problema num relatório de 2022, levantando a questão de como aumentar a participação eleitoral entre os migrantes internos.
Uma publicação da entidade destacou a ausência de uma definição clara do que significa ser um migrante interno, avaliando que esta é a principal contribuição “para a baixa taxa de participação eleitoral do grupo”.
A comissão sugeriu que a instalação de cabines de votação remotas poderia resolver o problema. Mas em 2013, o governo afirmou que não pretendia executar o plano.
Isto significa que, por enquanto, o direito de voto é uma realidade distante para muitos trabalhadores migrantes.
“Não posso dizer em quem votaria”, disse Gupta, o vendedor de raspadinhas de Mumbai. “É a última coisa que penso – meu foco está em pagar as contas.”
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