Sem confiança mútua entre israelenses e palestinos, hoje uma solução de dois Estados para o conflito no Oriente Médio está mais distante do que no passado, avalia o embaixador de Israel no Brasil, Daniel Zonshine.
Às vésperas do primeiro aniversário dos ataques terroristas de 7 de outubro de 2023, que desencadearam uma guerra com mais de 40 mil mortos na Faixa de Gaza, Zonshine é o entrevistado desta edição do Vozes da Diplomacia.
Questionado sobre o risco de uma “guerra total” na região, na sequência das ações do governo de Benjamin Netanyahu no sul do Líbano e no Irão, o embaixador defende a estratégia e afirma: “Não há espaço para demonstrar fraqueza no Médio Oriente”.
Leia a entrevista abaixo:
CNN – Depois dos ataques terroristas de 7 de outubro de 2023 e de toda a solidariedade da comunidade internacional com Israel, mais de 40 mil palestinos foram mortos na Faixa de Gaza. Quando isso vai parar?
Quando você tem um lado declarando publicamente que pretende eliminá-lo, que o objetivo é exterminá-lo, é difícil parar no meio do caminho. Nosso principal objetivo é libertar os reféns.
Temos conhecimento de 101 reféns ainda nas mãos do Hamas. Sabemos com certeza que 35 não estão mais vivos. Não temos informações exatas sobre as condições de saúde dos demais reféns. Com o passar do tempo, as chances de voltar vivo para casa diminuem.
Precisamos de garantir que o Hamas já não está no comando de Gaza, que existe a criação de uma autoridade palestiniana – talvez com ajuda internacional. Isso permitiria o diálogo e a convivência. Precisamos garantir que um ataque como aquele de 7 de outubro nunca mais aconteça.
CNN – Quais são os limites da resposta de Israel? Independentemente de como classificamos esta reacção, é um facto que milhares de pessoas inocentes e civis estão a morrer.
Logo após os ataques de 7 de outubro, se você me dissesse que estaríamos completando um ano de guerra, eu diria: “Isso é improvável”. Mas, infelizmente, aqui estamos e precisamos lidar com isso. A natureza do conflito é estabelecida pelo Hamas. Eles usam a população civil de Gaza para lançar os seus ataques.
Muitas vezes, pessoas comuns morrem porque estavam no lugar errado, na hora errada. O Hamas utiliza escolas, hospitais e mesquitas como bases militares ou depósitos de munições. Tentamos sempre minimizar os danos colaterais.
CNN – Isso não significa que os civis continuarão a morrer e que a guerra não tem perspectivas de acabar?
O poder do Hamas ainda está muito presente. Por exemplo: a ajuda humanitária que entra em Gaza, 48 mil camiões com alimentos e bens essenciais desde o início da guerra, quase toda passa pelo Hamas. O que vai para a população civil é o resto. Queremos criar condições para um acordo.
Mas é importante destacar: quem escolheu esta arena para a guerra, usando civis como escudo, foi o Hamas. As negociações também são dificultadas pelo facto de os líderes do Hamas estarem espalhados por outros países, como o Qatar e o Egipto, e não ser possível ficar cara a cara com eles.
CNN – Israel já realizou ataques ao Hezbollah no sul do Líbano e ao Irão. Cada vez que isto acontece, aumentam os receios de uma “guerra total” no Médio Oriente. O governo Netanyahu está brincando com fogo?
No dia 8 de Outubro de 2023, um dia após os ataques terroristas do Hamas, começámos a receber mísseis do Hezbollah vindos do norte – sem qualquer acção da nossa parte. Nós apenas reagimos. Entre 60 mil e 80 mil pessoas tiveram de ser evacuadas das suas casas no lado israelita, perto da fronteira com o Líbano.
Em Abril, estive alguns dias em Israel quando o Irão atacou. 350 mísseis balísticos, mísseis de cruzeiro e drones foram lançados contra Israel. Isso é brincar com fogo. Quando você é atacado, você tem que reagir. O Médio Oriente não é um lugar para ser excessivamente educado, para mostrar fraqueza, para mostrar generosidade. Para sobreviver no Médio Oriente, é preciso ser firme.
CNN – Há muito ressentimento de ambos os lados – Israel e Palestina. Ambos são legítimos. Dado o trauma acumulado, estamos mais perto ou mais longe de uma solução de dois Estados?
Dizer que estamos mais próximos seria incorreto. Antes de 7 de Outubro, tínhamos 20 mil palestinianos a atravessar a fronteira de Gaza com Israel todos os dias. Não consigo mais visualizar isso – mesmo que cheguemos a um cessar-fogo e todos os reféns sejam libertados.
A reconstrução da confiança mútua levará tempo – talvez anos. E a solução de dois Estados exige confiança. Estamos falando de uma área pequena e densamente povoada, que equivale a quatro vezes o Distrito Federal. Não é, em comparação, como ter israelenses no Mato Grosso e palestinos no Pará. Infelizmente, estamos mais distantes.
CNN – A relação Brasil-Israel sofreu muito desgaste com os episódios recentes. Israel ficou indignado com as declarações de Lula que comparava a guerra em Gaza com o Holocausto. O governo brasileiro ficou indignado com o tratamento dispensado ao embaixador em Tel Aviv. Existe alguma chance de normalização com Lula e Netanyahu no poder?
Não é nenhum segredo que já tivemos tempos melhores. Desde aquele discurso em fevereiro [a comparação com o Holocausto]estamos numa espécie de crise diplomática. Mantemos contato com o Itamaraty, em alguns níveis, e temos buscado normalizar as relações. As relações culturais, económicas, parlamentares e académicas continuam. Mas as relações entre os governos poderiam ser melhores. Há bons interesses em jogo suficientes para justificar uma reaproximação.
CNN – Que tipo de gesto o governo israelense está disposto a fazer e que tipo de gesto você espera receber do governo brasileiro?
Não faremos isso através da imprensa. Temos que ser criativos e há algumas ideias sendo trabalhadas. Com alguma boa vontade, conseguiremos superar as dificuldades. Esta situação não serve os nossos interesses e o nosso povo.
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