Em meio às expulsões de embaixadores, o CNN ouvimos especialistas sobre qual é a situação atual do governo da Nicarágua. O país centro-americano expulsou o embaixador brasileiro Brano de Souza e, em resposta, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu, nesta quinta-feira (8), expulsar também a embaixadora da Nicarágua no Brasil, Fulvia Patricia Castro Matu.
As disputas diplomáticas revelam o enfraquecimento da relação entre o presidente Lula e Ortega.
Figuras de longa data na política latino-americana foram postas de lado após um pedido do Papa Francisco para que Lula intercedesse em nome dos bispos e padres sequestrados na Nicarágua.
Ortega teria ignorado, mais de uma vez, as tentativas do petista de contatá-lo.
Mas afinal quem é Daniel Ortega e como podemos classificar o governo da Nicarágua?
Para fazer isso, precisamos voltar à história.
Daniel Ortega chegou ao poder após a Revolução Sandinista, que pôs fim a uma ditadura de direita em 1979. Antes disso, o país foi alvo de forte influência dos Estados Unidos, que queriam construir um canal que ligasse os dois oceanos. (Atlântico e Pacífico).
Ortega foi eleito com 60% dos votos e assumiu a presidência em 1985. “Daniel Ortega vem do movimento sandinista, que foi um movimento revolucionário muito importante na Nicarágua. Ele foi presidente nos anos 80, com esse caráter do sandinismo. Hoje as coisas estão muito mais complexas”, afirma Carolina Silva Pedroso, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
O Sandinismo é um movimento que nasceu no início do século XX, contra a interferência americana no país. Foi liderado pela Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) contra a ditadura da família Somoza.
“Daniel Ortega vem pela esquerda. Ele foi o principal líder do movimento sandinista na década de 1980, quando representou claramente uma alternativa de esquerda à longa ditadura da família Somoza”, disse Rafael Ioris, professor de história latino-americana na Universidade de Denver.
O sandinismo foi fundado em princípios que caracterizam os movimentos de esquerda como as ideias antiimperialistas, populistas e sociais.
Ortega era visto como um líder de esquerda na época e permaneceu no poder até 1990, quando perdeu as eleições para Violeta Barrios de Chamorro, acabando com o poder dos sandinistas na Nicarágua.
O político perdeu outras duas eleições, em 1996 e 2001, e só voltou ao poder em 2007, durante eleições democráticas.
Ortega volta diferente
“No início do século XXI, Ortega regressa ao poder com uma liderança muito diferente da do sandinismo clássico”, acrescenta Ioris.
Os especialistas concordam que Ortega minou gradualmente qualquer instituição democrática para permanecer no poder. “Governos que são eleitos democraticamente, mas para se manterem no poder, rompem gradativamente com as instituições democráticas, rasgam as regras dos jogos democráticos”, afirma Regiane Bressan, professora de Relações Internacionais da UNIFESP.
Em seu primeiro mandato, Ortega removeu os impedimentos à reeleição no país e com isso disputou mais três eleições, onde venceu todas.
Em 2012, a vitória veio acompanhada de denúncias de fraude eleitoral. Em 2016, o líder bloqueou todos os adversários e foi duramente criticado pela comunidade internacional.
Em 2018, os protestos contra o governo Ortega foram duramente reprimidos e mais de 300 pessoas morreram nas ruas. A votação mais recente, em 2021, foi cercada por alegações da oposição de que possíveis opositores políticos foram presos dias antes do dia das eleições.
Para Pedroso, “a Nicarágua de Daniel Ortega em 2024 não é a mesma que a Nicarágua de Ortega na década de 1980. Hoje a repressão do governo Ortega é muito mais dura contra a sua própria dissidência do que contra os opositores “de direita”, os opositores tradicionais”.
Os especialistas sublinham que a atual administração de Ortega é menos ideológica e mais autoritária. Portanto, os investigadores têm dificuldade em classificar a orientação política do regime nicaraguense: “É uma autocracia entre ele e a sua esposa. É o regime de Ortega-Murillo.”
Perseguição à Igreja Católica
Especialistas apontam que além de perseguir a oposição e a população, Ortega tenta a todo custo expulsar a Igreja Católica. Um fato curioso para quem estuda história, pois a igreja foi fundamental e um dos locais de resistência do movimento sandinista, liderado por Ortega no passado.
“Ortega, hoje, se apoia em movimentos neopentecostais, em igrejas neopentecostais, que é conservadora nos costumes. Quem também apoia o regime são os evangélicos”, afirma Pedroso.
Nos últimos anos, Ortega expulsou 18 freiras, prendeu padres e bispos e queimou imagens de santos em igrejas e centros religiosos.
A igreja foi inclusive um dos fatores que levou a um esfriamento ainda maior das relações entre Ortega e o presidente Lula.
Brasil – Nicarágua: uma relação que nunca foi próxima
Apesar de Lula e Ortega estarem inseridos no mesmo contexto de ascensão da esquerda na América Latina nos anos 2000, a relação entre eles nunca foi muito próxima.
“Ambos têm uma história na década de 80, onde eram líderes claros de esquerda. Mas desde o retorno de Ortega, em 2007, não creio que tenha havido relação entre os dois”, afirma Ioris.
As recentes rupturas entre governos colocam o Brasil numa posição complicada, já que Lula quer assumir o papel de liderança na América Latina. “Com a Nicarágua, Lula, apesar de reconhecer que Ortega ‘deixou cair a bola’ com a democracia, manteve canal aberto até ontem, até o momento em que a representação diplomática foi expulsa. Na minha opinião, o Brasil tentará retaliar o mínimo possível. O Brasil não retaliou Javier Milei ou Maduro. Seguindo essa lógica, o Brasil não reagirá. Ele vai esperar a calmaria passar para tentar reconstruir o relacionamento”, afirma Bressan.
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