O Museu de Arte de São Paulo (Masp), na capital paulista, abre ao público nesta sexta-feira (5) três novas exposições que dialogam com o tema Histórias da Diversidade LGBTQIA+, escolhido para ser trabalhado pela instituição este ano.
A primeira delas é uma coleção da artista norte-americana Catherine Opie, um dos principais nomes da fotografia internacional contemporânea, que ficará exposta até 27 de outubro. Chamada “Catherine Opie: o gênero retrato”, a exposição apresenta 63 fotografias de suas séries mais emblemáticas, desenvolvidas ao longo de mais de três décadas de trabalho. A curadoria é de Adriano Pedrosa e Guilherme Giufrida.
Opie é pioneira na discussão sobre questões de gênero. “Catherine Opie é uma artista que surgiu da cena californiana, onde estudou nos anos 80. Ela começou com uma prática muito diversificada, fazendo fotografias arquitetônicas e análises da sociedade e cultura americanas. Catherine fazia parte de um grupo de lésbicas, trans, travestis e gays que vivenciavam a vida noturna urbana por lá, especialmente em São Francisco. Ela então decide iniciar uma série de retratos, para realmente registrar, para transformar em imagem essa experiência social que estava vivenciando”, disse Giufrida, em entrevista à Agência Brasil.
Em suas fotografias, a artista retrata diferentes expressões e subjetividades de indivíduos e grupos que se identificam com diferentes gêneros e orientações sexuais, especialmente pessoas queer. “Ela foi pioneira em perceber, registrar e transformar essa experiência em galeria, utilizando o significado clássico que os retratos têm na história da arte”, disse a curadora.
Por isso, os curadores pensaram em dar uma nova abordagem à apresentação dessas imagens, dialogando com o acervo artístico do próprio museu.
“Catherine dialogava com toda a tradição do retrato, em termos de pose, da cor plana do fundo, dos objetos que aparecem nas fotografias. E aqui no Masp temos um grupo significativo dos maiores retratistas da história ocidental. Então, decidimos misturar e justapor alguns retratos dela [feitos por Opie] aos retratos aqui do acervo do museu”, explicou Giufrida.
“Procuramos estabelecer diálogos humorísticos, críticos ou por vezes ácidos, com 21 obras do nosso acervo que também farão parte da exposição. Por isso a exposição se chama Gênero Retrato, porque o artista está lidando tanto com essa tradição do motivo retrato na história da arte, quanto também subvertendo essa tradição ao trazer discussões sobre o corpo, a sexualidade e a identificação de cada pessoa”, disse o curador.
Lia D Castro
A segunda exposição, que fica até 17 de novembro, traz a obra da artista e intelectual Lia D Castro, que faz sua primeira exposição individual em um museu.
“Lia D Castro: em todo lugar e em lugar nenhum” tem curadoria de Isabella Rjeille e Glaucea Helena de Britto e apresenta 36 obras da artista, a maioria pinturas figurativas que exploram cenários onde o afeto, o diálogo e a imaginação são importantes ferramentas de transformação social.
“O artista trabalha com pintura, instalação e fotografia. Ela trabalha com diferentes mídias e tudo isso faz parte de um projeto que ela vem desenvolvendo, em que utiliza a prostituição, o trabalho sexual, para investigar questões relacionadas à masculinidade, cisgeneridade e branquitude”, disse Isabella Rjeille.
Através desses encontros com homens cisgêneros, em sua maioria brancos e heterossexuais, ele produz seu trabalho.
“A maior parte do trabalho que Lia desenvolve e que está na exposição é feito de forma colaborativa, junto com seus clientes que em sua maioria são homens brancos, autodeclarados heterossexuais, de classe média e alta e que a procuram para trabalho sexual. Lia vai trabalhar com esses meninos na preparação do trabalho. A pintura não é um fim, mas um meio”, explicou o curador.
Os clientes não são apenas pintados: eles próprios participam de toda a concepção da obra, sugerindo como gostariam de ser retratados e até assinando as obras criadas em conjunto com o artista. “Ela diz que não quer representá-los, mas sim apresentá-los de uma forma onde eles também tenham voz.”
Em entrevista à Agência Brasil, a artista disse que, antes do retrato, costuma fazer aos seus clientes perguntas que geralmente são direcionadas a pessoas LGBT+ ou negras: “Quando você percebeu que era branco? E quando você descobriu que era cisgênero ou heterossexual?” Com isso, ela subverte questões sobre raça, gênero e sexualidade.
“No meu processo inicial de pesquisa, usarei a prostituição como meio de comunicação e ponte até a chegada desses meninos. No terceiro ou quarto encontro, começamos a escrever sobre o trabalho por trás ou além da prostituição. Quero saber quem eles são, o que fazem. E aí faço algumas perguntas também mais relacionadas à branquitude, quando descobriram que são brancos e o que significa ser branco em relação a outras pessoas não brancas dentro do Brasil.”
“Meu foco é falar sobre a branquitude dos homens brasileiros. O trabalho envolve esse processo de fazer sexo, a entrevista e depois vou perguntar se eles têm interesse em ir a museus”, explicou.
Durante esse processo, Lia disse que também se “autodescolonizou”. “Comecei a entender o quão objetificado era meu corpo. Fomos criados para ver o mundo através dos olhos de um homem branco e odiar como os brancos. Eu chamo isso de retina colonial. Uma das funções da retina é captar a imagem e transformá-la de acordo com a memória que ela tem dessa imagem.”
“Fomos educados para ver o mundo através dos olhos de um homem branco. E como podemos remover esses véus, essas camadas? Durante esse processo, retirei todas essas escalas de branquitude e as memórias da masculinidade branca, porque isso é obrigatório.”
Em seus trabalhos, Lia apresenta um processo criativo marcado por escolhas sempre coletivas: da paleta de cores à assinatura das obras. Nas obras, a artista também se retrata: enquanto os homens estão nus, ela está vestida, com o corpo coberto de bandagens, contrariando a tradição histórica da pintura ocidental, em que a grande maioria dos nus é feminina.
“Meu trabalho é organizar os desejos dessas pessoas. Em seguida, eles escolherão suas poses, a paleta de cores e também assinarão. Eu não os represento, eu os apresento. Eles estão na assinatura, estão nas suas escolhas emocionais. Quando falo sobre David, não falo dele como um objeto. O Davi existe, está aí pela assinatura, pelo DNA e pela memória afetiva de escolha”, disse.
O carinho, aliás, é uma das palavras-chave para compreender o trabalho do artista. “Muitas vezes ela aparece na série com eles. Outras vezes estão sozinhos, no sofá. Ou, às vezes, aparecem com a cabeça no colo, lendo um livro. O livro é algo muito recorrente na obra da Lia”, lembrou o curador.
“Tem essa construção que a Lia cria, esse lugar de vulnerabilidade e intimidade. Ambos estão em situação de vulnerabilidade, nesse lugar de intimidade, mas também têm esse espaço possível para abordar as questões de uma forma muito afetuosa e transformadora”, completou.
Além das pinturas, a exposição contará com fotografias que registram o processo utilizado por Lia. Há também um caderno com mais anotações teóricas e desenhos feitos pelo artista, com técnicas preparatórias para pintura.
Profano Ventura
A última exposição, que pode ser vista até 18 de agosto, será apresentada na sala de vídeo do museu e é dedicada às obras do artista visual, pastor, cantor, escritor e compositor Ventura Profana. A curadoria é de David Ribeiro.
“Ventura Profana trabalha com diversas linguagens como audiovisual, música, intervenções artísticas. Ela tem uma linguagem muito múltipla. Este trabalho artístico está imbuído de um sentido missionário, religioso, espiritual”, disse o curador.
“Antes de se autodenominar artista, escritora, cantora e compositora, Ventura costuma se colocar em primeiro lugar como pastora missionária, ou seja, é uma pessoa que tem esse desejo, esse interesse, de comunicar uma palavra de fé e de transformação e que está buscando construir ou apresentar muitas possibilidades de vida, especialmente para corpos dissidentes, pessoas trans, travestis, racializadas.”.
Assim como no trabalho missionário, a artista busca ressignificar os símbolos e valores da doutrina cristã, combatendo a visão opressora e fetichista que reproduz a exploração dos corpos negros e travestis. “Isso é o que Ventura chama de teologia da transmutação, um pensamento espiritual, filosófico ou moral em que o pastor artista revela e transforma toda violência e sentimento de desprezo em base para a construção de uma nova vida”, explicou Ribeiro.
Nesta exposição serão apresentados quatro novos vídeos: “O maior projeto de saneamento”, “O poder da fechadura que reza”, “Tente vir antes do inverno” e “Para ver as meninas e nada mais nos braços”.
“Eles representam, com muito vigor, esse pensamento espiritual, religioso e filosófico do pastor artista”, resumiu o curador.
Além dos vídeos, o Masp promoverá, no dia 17 de julho, às 19h, em seu canal no YouTube, um bate-papo com o artista e o curador.
Mais informações sobre as três exposições podem ser encontradas no site do museu, que tem entrada gratuita todas as terças-feiras e também na primeira quinta-feira do mês.
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