Em mais uma novidade para o Carnaval de 2025, o público poderá participar do apresentação dos enredos das escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro.
O evento organizado pela Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa) chamou Noite de Emaranhadosserá nesta sexta-feira (30), a partir das 19h Cidade do Sambana região portuária da capital fluminense. O quartel do clube está localizado no local.
Para quem quiser participar do evento considerado a elite do Carnaval carioca, a entrada é um quilo de alimento não perecível.
A proposta é contar os enredos das 12 escolas de samba, de forma bem carnavalizada e como elas serão abordadas nos desfiles do próximo ano no Sambódromo da Marquês de Sapucaí. Todas as associações já definiram os seus temas.
As apresentações para as escolas mostrarem suas mensagens e explicarem os enredos através da dança, do teatro ou do próprio samba terão horário definido.
“Isso vai gerar um entendimento maior entre as pessoas sobre o que as escolas estão trazendo para a avenida, uma expectativa maior sobre o que cada escola pode trazer para a avenida. Além de poder explicar cada enredo sem realmente ter os sambas prontos para essa apresentação, já que ainda estamos em um momento de competição de samba”, analisou o presidente da Liesa, Gabriel David, à Agência Brasil.
“É uma oportunidade única que as escolas têm. O ápice de tudo é a presença do pessoal do samba, dos sambistas na Cidade do Samba para recomeçar a linha cronológica das tramas de todas as escolas juntas na Cidade do Samba.”
A programação do evento conta ainda com a apresentação do Cacique de Ramos, tradicional bloco da região de Leopoldina, com sua famosa roda de samba, de onde surgiram, entre outros, talentos como Zeca Pagodinho, Jovelina Pérola Negra, Almir Guineto e Arlindo Cruz.
Para que serve o enredo?
O jornalista, pesquisador, roteirista, autor de livros como “Três poetas do samba-enredo” e comentarista de carnaval de escolas de samba, Leonardo Bruno, afirmou que o enredo é o ponto de partida para a preparação de qualquer desfile de escola de samba.
“A primeira coisa que se define em uma escola de samba, ao pensar no carnaval do ano seguinte, é o enredo e é a partir dele que todos os outros setores da escola vão começar a funcionar”, explicou.
“É a partir desse enredo que os compositores vão pensar na composição do enredo do samba. Que o carnavalesco comece a criar fantasias e alegorias, que os próprios tambores comecem a pensar se possuem algum som que possa inspirar seus desfiles, por exemplo o som de outra cidade ou de outro estado que possa enriquecer a apresentação daquele tambor . na avenida. Começa aí o trabalho para o ano seguinte”, disse à Agência Brasil.
“Mais importante que isso é a história que a escola vai contar na avenida. Vale lembrar que essa forma de contar histórias é tipicamente brasileira. É nossa invenção. Só no Brasil uma história pode ser contada através de alegorias, fantasias, samba-enredo, bateria, comissão de frente, asa e carro asa, asa e carro asa, então essa forma de contar história é tipicamente brasileira”, completou.
Na visão de Leonardo Bruno, é justamente essa história que vai impulsionar a escola da avenida. “Certamente os integrantes ficam muito mais entusiasmados e muito mais incentivados a desfilar quando contam uma história sobre algo que querem dizer, por isso nos últimos anos os enredos têm feito muita diferença no carnaval carioca.”
“Nos últimos dez anos, temos visto um movimento muito importante entre os carnavalescos de contar histórias que falem das nossas raízes, da negritude que acabou criando as escolas de samba, que falem das histórias das próprias escolas de samba. A escolha do enredo é um momento fundamental para uma escola de samba e já começa a definir o que veremos na avenida no ano seguinte”, pontuou.
Para o jornalista, autor do livro “Onze Mulheres Incríveis do Carnaval Carioca – Porta bandeiras” e comentarista carnavalesco, Aydano André Motta, se os desfiles das escolas de samba pudessem ser comparados à construção de uma casa ou de um prédio, ele poderia dizer que o o terreno é a pedra angular desta construção.
“É o ponto de partida, é a base, o alicerce, sobre o qual todo o resto será construído. Um bom enredo garante um bom samba, o que garantirá um bom desenho de desfile. Por outro lado, uma trama ruim terá que ser consertada por samba e alegorias e fantasias, ou seja, tudo começa errado”, disse Aydano à reportagem da Agência Brasil.
Segundo o jornalista, historicamente as escolas de samba sempre falaram de seus antepassados, os negros que construíram o samba e o carnaval com personagens invisíveis na história brasileira.
Para ele, esse comportamento se intensificou a partir da década de 1960 com a chegada do cenógrafo, professor, produtor e apresentador de televisão Fernando Pamplona, considerado um mestre entre tantos carnavalescos e artistas da Escola Nacional de Belas Artes e do Theatro Municipal. , para Salgueiro.
“Foi um primeiro momento, tanto que o Salgueiro é campeão com uma trama sobre o Quilombo dos Palmares. Depois, diversas outras escolas seguiram e contaram inúmeras histórias, personagens e fatos que a História oficial do Brasil narrada pelos brancos, apropriados pelos colonizadores, tentou invisibilizar”, afirmou.
Aydano André Motta destacou ainda que nos últimos anos esse movimento se intensificou bastante.
“Tanto que chegamos ao ponto mais alto, ao apogeu da qualidade narrativa do carnaval. Estamos vivendo este momento. São tramas envolventes, que exaltam o povo negro, sua religiosidade, sua arte, seus personagens, suas conquistas e denunciam as tragédias das quais esta parcela da população é vítima”, destacou.
Para o jornalista, esse tipo de narrativa garante às escolas de samba a qualidade de seus desfiles, pois os sambistas e seus integrantes se sentem mais à vontade.
“Quando você tem uma boa história para contar, uma história que tenha a ver com eles e com identificação. Por isso temos que celebrar muito a qualidade narrativa das escolas de samba do Rio de Janeiro”, observou.
Parcelas para 2025
Aydano deu exemplos de tramas para o carnaval de 2025 que seguem esse caminho. Entre os considerados por ele como grandes destaques está a Beija-Flor, que falará sobre Luiz Fernando Ribeiro do Carmo, mais conhecido como Laíla, que morreu de Covid-19 em junho de 2021.
Durante vários anos, Laíla esteve na coordenação de carnaval do Azul e do Branco de Nilópolis, além de ter desempenhado diversas funções em outras escolas de samba do grupo especial. “Um dos maiores sambistas de todos os tempos e que tinha uma religiosidade muito forte [Laila era do candomblé e sempre era visto com várias guias de santo penduradas no pescoço. Na sua sala no barracão da escola tinha sempre um altar com várias imagens de santos e orixás]”, informou o jornalista.
Há ainda outros enredos, que para Aydano André Motta, merecem destaque no carnaval do próximo ano, como “Malunguinho: O Mensageiro de Três Mundos”, escrito pelo carnavalesco do Viradouro Tarcísio Zanon, baseado em uma entidade afro-indígena.
“O da Mangueira falará sobre o povo Bantu e a Pequena África, Paraíso do Tuiuti, que contará a história de Xica Manincongo, uma escrava trans que viveu aqui no Brasil no período da escravidão. O [Unidos da] Tijuca falará sobre Logun Edé, um orixá. Portela falará sobre Milton Nascimento. Existem alguns exemplos. São muitas narrativas e muitas histórias muito bonitas, que agora serão contadas em 2025 na Sapucaí. É a garantia de um desfile de qualidade porque um bom enredo faz um bom samba e um bom desfile”, completou.
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