O primeiro voto apresentado no processo administrativo em que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) investiga responsabilidades associadas ao rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG) indicava multa de R$ 27 milhões a Gerd Peter Poppinga. Ele era diretor executivo de Ferrosos e Carvão da mineradora no momento da tragédia, ocorrida em janeiro de 2019. A punição foi defendida por Daniel Maeda, diretor da CVM e relator do caso.
A audiência em que o voto foi apresentado aconteceu nesta terça-feira (1º). Após a votação de Maeda, houve pedido de revisão do diretor Otto Lobo e o julgamento foi suspenso. Além de Poppinga, o ex-presidente da Vale Fabio Schvartsman também responde no processo aberto na CVM. O voto do relator, porém, defende sua absolvição.
O rompimento da barragem gerou uma avalanche de resíduos que ceifou 272 vidas, incluindo dois bebês nascidos de mulheres grávidas. Grandes impactos foram registrados em diversos municípios da Bacia do Rio Paraopeba. Na época, as ações da Vale despencaram. A mineradora chegou a um acordo no ano passado e pagou 55,9 milhões de dólares para extinguir uma ação movida nos Estados Unidos, na qual os acionistas exigiam compensação por prejuízos.
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Criada em 1976, a CVM é responsável por monitorar, regulamentar, disciplinar e desenvolver o mercado de valores mobiliários no Brasil. Entre suas atribuições, atua na orientação de boas práticas corporativas e comportamentos executivos.
No processo administrativo, estão sendo analisadas possíveis infrações cometidas por Poppinga e Schvartsman envolvendo o artigo 153 da Lei Federal 6.404/1976. De acordo com o dispositivo, “o administrador da empresa deve empregar, no exercício das suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e honesto costuma empregar na gestão dos seus próprios negócios”.
O processo se desenrolou a partir de uma investigação instaurada em 2019, meses após a tragédia, para apurar a possível violação de deveres fiduciários por parte de executivos da Vale.
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Um relatório de 38 páginas apresentado pelo relator reúne um resumo dos argumentos da acusação e da defesa. Segundo o documento, as auditorias externas contratadas pela Vale ignoraram recomendações técnicas que indicam que o fator de segurança mínimo para uma barragem deveria ser 1,3. A barragem que rompeu recebeu declarações de estabilidade em momentos diversos, mesmo com fatores de segurança abaixo de 1,1. Representantes da consultoria alemã Tüv Süd, que fez a última avaliação, afirmaram em diversos momentos que foram pressionados pela Vale.
A denúncia indica ainda que meses antes da tragédia ocorreu um acontecimento preocupante durante a instalação de um dreno horizontal profundo, em que a mineradora não acionou o nível emergencial 1 ou 2. Aponta ainda que a governança da Vale foi estruturada de tal forma que a alta administração recebeu apenas informações genéricas sobre o risco de rompimento de barragens. Nem tratou cada estrutura isoladamente. Segundo a acusação, ao criar estruturas e não participar de nenhum grupo que discuta um tema que pode causar tantos danos, o administrador age de forma negligente e não pode usar a governança como desculpa.
Além disso, há menção a uma apresentação à diretoria, ocorrida em outubro de 2018, na qual dez barragens, incluindo Brumadinho, foram incluídas em uma lista classificada como “zona de atenção”. Dessa forma, Schvartsman e Poppinga teriam descumprido seu dever de diligência, entre outros motivos, porque não procuraram se informar detalhadamente sobre os riscos, não leram relatórios, não tiveram interesse em investigar as estruturas no “atenção zona”, não prestando atenção a vários sinais de alerta e não dando a devida importância à situação.
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A defesa de Poppinga sustentou que sua diretoria tinha função gerencial e que seu papel era garantir os recursos financeiros e humanos necessários e conceder a devida autonomia às áreas subordinadas. Ele afirma que a única informação que recebeu foi sobre a segurança da barragem de Brumadnho.
Poppinga não teria participado na escolha das auditorias externas nem lhe caberia avaliar o trabalho dos peritos. Sua defesa argumenta ainda que a “zona de atenção” não indicava nenhuma situação grave, apenas que as barragens indicadas deveriam passar por manutenção em relação a algum aspecto específico, não necessariamente grave ou urgente.
Os advogados de Schvartsman afirmaram que ele foi acusado exclusivamente por causa de sua posição e que nunca teve conhecimento dos riscos envolvidos na barragem. Acrescentaram que não é razoável exigir que o presidente da empresa, com responsabilidades de gestão e estratégicas, questione o factor de segurança das estruturas e duvide da informação prestada pelas áreas técnicas especializadas. Afirmaram também que a apresentação que listava as barragens “em zona de atenção” também garantia que todas tinham recebido declarações de estabilidade, pelo que não havia razão para considerá-la como um sinal de alerta.
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Voto
A posição do relator pela absolvição de Schvartsman vai contra as expectativas da Associação dos Familiares das Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem de Brumadinho (Avabrum). A entidade tem feito campanha pela punição do ex-presidente da Vale, chamando a atenção para as investigações policiais e a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) que indicam que Schvartsman tinha conhecimento do estado precário da estrutura que desabou.
Há duas semanas, a Avabrum enviou uma carta ao presidente da CVM, João Pedro Barroso do Nascimento. No documento, a entidade enfatiza sua luta para que o Estado brasileiro responsabilize as pessoas que cometeram crimes graves no episódio envolvendo o rompimento da barragem.
Caso criminal
Além de responder à CVM, Schvartsman também foi uma das 16 pessoas acusadas na ação penal que julga responsabilidade pelo rompimento da barragem. Eles foram acusados de homicídio doloso qualificado e diversos crimes ambientais. Porém, no início deste ano, o ex-presidente da Vale obteve habeas corpus e deixou de ser réu.
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O Ministério Público Federal (MPF) interpôs recurso contra sua exclusão do processo, alegando que havia provas suficientes de que Schvartsman sabia do risco de rompimento da barragem e nada fez para evitá-lo. Os advogados que representam o espólio de 40 vítimas também entraram com uma petição pedindo o retorno do executivo ao banco dos réus.
Entre os 16 arguidos no processo-crime, 11 nomes estão ligados à Vale e cinco ligados à empresa alemã Tüv Süd, que assinou o relatório de estabilidade da estrutura que ruiu. O processo estava paralisado desde abril deste ano, conforme decisão do ministro Sebastião Reis Júnior, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ele concedeu prazo para a defesa de três engenheiros da Tüv Süd – Makoto Namba, André Jum Yassuda e Marlísio Oliveira Cecílio Júnior – para análise de provas apresentadas pelo MPF. Em audiência no dia 3 de setembro, foram concedidos mais 30 dias. Aproximando-se o fim deste período, a expectativa dos atingidos é que o processo seja retomado nos próximos dias.
Embora Poppinga tenha sido indiciado em inquérito da Polícia Federal, ele não é réu na ação penal. Isso porque o processo teve início na esfera estadual a partir de uma denúncia do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) formulada a partir de investigações da Polícia Civil. O ex-diretor da Vale não foi indiciado. Posteriormente, quando o Superior Tribunal de Justiça determinou a federalização do caso, o MPF reapresentou a reclamação do MPMG. Na época, o MPF informou que poderia apresentar denúncia adicional com base na investigação da Polícia Federal, o que não aconteceu até o momento.
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Poppinga também enfrenta um processo criminal envolvendo outra tragédia, decorrente do rompimento de uma barragem na zona rural de Mariana (MG). A estrutura ficou a cargo da Samarco, cujos acionistas são Vale e BHP Billiton. Seu colapso, em novembro de 2015, causou 19 mortes, poluição na Bacia do Rio Doce e impactos em dezenas de municípios de Minas Gerais e Espírito Santo. Poppinga era, na época, membro do Conselho de Administração da Samarco e foi denunciado em 2016 junto com outras 21 pessoas. Em 2019, um habeas corpus determinou que ninguém seria julgado pelos crimes de homicídio e lesões corporais. Quase nove anos depois da tragédia, o processo trata apenas de crimes ambientais.
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