“O governo garantiu ao setor siderúrgico nacional que a concorrência no mercado seria justa, só isso.” Secretário do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), Uallace Moreira argumenta que o anúncio das siderúrgicas de que investirão R$ 100 bilhões no Brasil até 2029 é reflexo do recente aumento de tarifas sobre produtos importados.
Há exatamente um mês, em um novo capítulo da chamada “Guerra do Aço”, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) decidiu estabelecer cotas máximas para limitar a entrada de produtos importados no país. Caso as cotas sejam ultrapassadas, a tarifa de importação, antes de 10,8% a 14,4%, passa a ser de 25%.
A “guerra do aço” opõe as grandes empresas siderúrgicas, que reclamam principalmente do aumento das importações chinesas, às indústrias que consomem o produto. Atendendo à demanda, o governo anunciou a nova política tarifária, que tem validade de 12 meses e afeta 11 NCMs – nomenclaturas comuns do Mercosul para descrever cada produto.
Quase um mês depois da medida do governo, as siderúrgicas anunciaram investimentos bilionários na ampliação da estrutura produtiva do Brasil nos próximos cinco anos. O anúncio foi feito pelo Instituto Aço Brasil e não há discriminação quanto ao valor a ser aportado por cada empresa.
Para Moreira, o setor sofria com a concorrência desleal, principalmente pela importação de aço subsidiado, às vezes vendido no Brasil abaixo do preço de custo. Nos últimos anos, por exemplo, as empresas chinesas — em meio à desaceleração da economia do país — despejaram “sobras” de produção em outros mercados.
“Quando uma empresa vende seu produto abaixo do preço de custo, isso indica um volume de subsídios muito alto. O que o governo brasileiro fez foi indicar que garantiria uma concorrência leal ao setor siderúrgico, o que fez com que o setor siderúrgico anunciasse esse investimento”, disse.
Em entrevista com CNNo secretário de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços comenta a Guerra do Aço e o cenário internacional de industrialização e defesa comercial.
Confira a entrevista completa com Uallace Moreira:
CNN: Para o Mdic, os investimentos das montadoras resultaram do aumento dos impostos de importação. O mesmo movimento ocorreu no caso do aço?
Moreira: O setor siderúrgico vinha enfrentando dificuldades devido à concorrência desleal na importação de aço de alguns países, especialmente aço altamente subsidiado. O Brasil não aumentou tarifas para diversos produtos, apenas mostrou a sensibilidade da situação atual do setor, que tem capacidade de produção de 51 milhões de toneladas de aço bruto e operava com capacidade ociosa de 30% a 35%.
Essa capacidade ociosa inviabilizou as atividades e as empresas já anunciavam paradas de fornos. A medida de cota tarifária deu indicação de garantir concorrência leal e participação de mercado para o setor siderúrgico, que anunciou o investimento.
CNN: A tendência é que o governo Lula trabalhe nesse sentido em conjunto com outros setores, para garantir mercado e, em troca, receber investimentos?
Moreira: Isto tem tido resultados, apesar de muitos o criticarem e argumentarem que o aumento das tarifas não gera concorrência nem estimula o investimento. Acontece que esse discurso estava lá na década de 1980, está desvinculado das transformações atuais. O mundo inteiro tem defendido os seus mercados internos, com políticas de incentivos e subsídios.
Nos Estados Unidos, o IRS [Internal Revenue Service] já liberou mais de US$ 1,2 trilhão em incentivos e subsídios e, ao mesmo tempo, adota uma política agressiva de barreiras tarifárias. Europa e China fazem a mesma coisa. Essa dinâmica tem prevalecido e o Brasil não precisa fechar a indústria brasileira, mas garantir a competitividade.
CNN: Como esse investimento, em uma indústria de base, se diferencia dos demais anunciados, diante do cenário internacional de endurecimento da defesa comercial
Moreira: A indústria de base é fundamental para garantir resiliência à cadeia produtiva. Quando há dependência externa, o país fica vulnerável tanto às variações dos preços internacionais como da oferta. E agora há disputas no cenário geopolítico em relação à internalização da cadeia produtiva. Não ter uma indústria de base significa ter alta vulnerabilidade.
CNN: No caso do setor automotivo, o Mover oferece incentivos à sustentabilidade. Para as siderúrgicas e outros setores, quais serão os incentivos para a industrialização verde?
Moreira: Discutimos políticas para promover a transição verde com cada setor. Isto se deveu à nova política industrial e ao CNDI [Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial]. A Nova Indústria Brasil traz linhas de crédito específicas para financiar projetos inovadores e de transição e dialogamos para construir novas medidas no CNDI.
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