Dezenas de servidores demitidos ou demitidos entre 1990 e 1992 — durante a gestão do ex-presidente Fernando Collor — procuraram o Ministério Público do Trabalho (MPT) para denunciar situações de perseguição e assédio moral no ambiente de trabalho.
Foi iniciado um procedimento de investigação. Além de sistematizar as informações trazidas pelos anistiados, o órgão enviou notificações à Advocacia-Geral da União (AGU), Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Ministério da Gestão e Inovação nos Serviços Públicos e à Comissão de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados.
Cerca de 120 mil servidores e empregados perderam o emprego durante a redução do aparato administrativo. Anos depois, em 1994, a Lei de Anistia dos Servidores Públicos (8.878/94) permitiu o retorno dos trabalhadores ao serviço.
Porém, havia prazo para esse retorno, e a Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef) estima que apenas 10% dos atingidos pela redução de cargos públicos conseguiram ser reincorporados.
Mesmo aqueles que retornaram às suas atividades após 1994 acabaram enfrentando outros percalços: salários desatualizados, assédio moral, preconceito de idade e condições de trabalho precárias.
Desde julho, a procuradora trabalhista do MPT, Geny Helena Marques, recebia as denúncias.
“A intenção não é olhar para a situação específica de cada pessoa, mas sim considerar a sua situação em conjunto. Há situações em que os servidores ficam marginalizados por já serem antigos. Tem gente que está trabalhando em locais sem janelas, sem ventilação”, disse o promotor CNN.
Diante de denúncias como essas, e do caso do ex-ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, o governo estabeleceu o Plano de Combate ao Assédio na Administração Pública.
A portaria publicada no Diário Oficial desta terça-feira (1º) foi resultado de discussões realizadas desde 2023 e traz diretrizes e regras de conduta para órgãos e entidades federais. Para os anistiados, existe a expectativa de que seus casos também sejam debatidos nesta esfera.
Diferença salarial
A representante dos anistiados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marlucia de Souza, relata anos de disparidades salariais.
“Depois de muita luta e obtenção de anistia, só depois de 15 anos conseguimos retornar ao serviço público para integrar o quadro de funcionários desaparecidos do MCTI, em regime CLT. Sem direito à progressão desde o retorno em fevereiro de 2010, sem avaliações ou tratamento isonômico”, explica.
No caso de Marlúcia, a diferença salarial chega a mais de 40%. Com remuneração correspondente a R$ 3.380,19 brutos, caso a tabela tivesse sido reajustada pelo IPCA, o salário bruto com progressão neste caso seria de R$ 6.347,50.
“Queremos o direito à progressão no regresso, com atualização urgente das tabelas salariais, pois é absolutamente ilegal congelar o estatuto funcional dos indivíduos anistiados.”
Câmara dos Deputados
Em junho, o caso dos anistiados pelo governo Collor foi tema de debate na Comissão de Administração e Função Pública da Câmara dos Deputados, com foco no decreto que fixou a remuneração dos servidores públicos no quadro desaparecido.
Solicitando o debate na ocasião, a deputada Erika Kokay (PT-DF) define as medidas tomadas nos casos dos servidores como “um processo extremamente cruel”.
“Os servidores que estavam em órgãos extintos ou que foram privatizados, em grande parte retornaram a partir de 2008 na condição de CLT, sem direito a salário real desde 2010, nem a promoções, progressões. Encontravam-se em situações de profundas disparidades salariais, exercendo a mesma função de outro funcionário estatutário”, explica o parlamentar.
“Obviamente, se transpormos esses funcionários celetistas que estão na administração direta, resolveremos praticamente quase todos os problemas”.
Uma das soluções para reduzir as injustiças contra a categoria é que o tempo em que foram excluídos do serviço público seja considerado para fins de aposentadoria.
“A injustiça que foi cometida contra eles foi reconhecida. E se foram anistiados para reconhecimento e reparação da injustiça, nada mais justo que o tempo que passaram afastados também seja contabilizado para todos os efeitos”, argumenta Erika Kokay.
Readmissão de pessoas anistiadas
Outro pedido dos anistiados é que o governo federal reabra o prazo para readmissão dos anistiados no serviço público.
“Tem gente que perdeu o prazo, muita gente não sabia disso. Essas pessoas não foram readmitidas. É necessário um novo decreto do presidente Lula reabrindo o prazo”, explica o secretário-geral do Sindsep-DF, Oton Pereira Neves.
Nesse sentido, uma lei foi aprovada no Congresso nessa perspectiva, mas foi vetada pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
Segundo a mensagem de veto presidencial da época, que cita pareceres dos Ministérios da Justiça e do Planejamento e da Advocacia-Geral da União (AGU), a proposta era inconstitucional e “contrária ao interesse público”.
Na época, estimava-se que 20 mil servidores seriam beneficiados com a reabertura do prazo. Pela justificativa do veto, os servidores já haviam tido oportunidades de optar pelo retorno, e, portanto, não se justificaria uma nova reabertura do prazo “17 anos após a publicação da anistia original”.
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