Seis dias antes de a guerra entre Israel e o Hamas completar um ano, o Irã voltou a bombardear o território israelense. E apesar de estar a meio mundo de distância, o que acontece no Oriente Médio reflete no Brasil e no mercado internacional.
Olhando para o petróleo, a reação do mercado foi instantânea: o preço do barril saltou 5% nesta terça-feira (1º).
“O petróleo é uma commodity global. Se houver uma guerra justamente na região de onde vem a maior parte da produção mundial, ela fica menos disponível e o preço sobe”, explica Virginia Parente, economista e professora do Instituto de Energia e Meio Ambiente da Universidade de São Paulo (USP). ).
Em 2023, o Brasil era o oitavo maior produtor da commodity no mundo, com 3,4 milhões de barris produzidos por dia e representando 3% da produção global, segundo dados compilados pelo Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP).
E a oscilação de preços no exterior impacta especificamente os negócios da principal estatal do país: a Petrobras.
“No caso do Brasil, se o preço do petróleo subir muito, os preços da gasolina, do diesel e do gás de cozinha poderão subir. Durante o governo Lula, o preço do barril aqui ficou mais controlado”, aponta Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura.
“Pelo que o presidente diz, mesmo que o preço do petróleo suba lá fora, ele vai tentar segurar o máximo possível aqui. Mas se você segurar muito vai causar prejuízo para a Petrobras, se você soltar vai impactar na inflação. Agora, temos que monitorar o que acontecerá a seguir no conflito”, finaliza.
O medo de um conflito em grande escala entre Israel e os seus vizinhos ainda é sentido no mercado. O próprio Banco Central (BC) destaca essa como uma de suas preocupações em relação à inflação.
O ex-diretor de Política Monetária do BC, Tony Volpon, lembra que em abril o Irã também realizou ataque semelhante. A primeira reacção do mercado foi também especular sobre um aumento no aumento dos preços do petróleo, que rapidamente se estabilizou.
Durante esta terça-feira, o petróleo devolveu parte dos seus ganhos. Ao final do dia, o barril de WTI, principal referência dos Estados Unidos, fechou com alta de 2,44%, sendo negociado a US$ 69,83. A referência do mercado internacional, o contrato tipo Brent, subiu 2,59%, a US$ 73,56.
Apesar do receio verificado nesta terça-feira, Volpon destaca que outros fatores são necessários para que o mercado consolide uma visão mais pessimista.
“A leitura é que o Irão teria de ter o apoio explícito da Rússia e da China para se envolver num conflito aberto, e tudo o que sabemos é que isso não existe. As ações do Irã estão restritas neste momento”, finaliza o ex-diretor do BC.
Ele reforça que o petróleo já estava em queda devido à forte produção nos EUA e no Brasil, por um lado, e à fraca procura da China, por outro.
“Talvez já mereça uma mudança em termos de preços neste momento”, diz.
Agora, é altura de analisar a resposta de Israel e as acções subsequentes do Irão.
“Se o Irão entrar na guerra, poderá acabar fechando o Estreito de Ormuz, por onde passa um terço do petróleo comercializado no mundo. Dessa forma, o barril de petróleo pode ultrapassar US$ 150 e depois impactar a inflação da gasolina e do diesel”, aponta Pires.
Petróleo e inflação no Brasil
Apesar de a Petrobras ter desistido de sua política de paridade de preços internacionais, a estatal não consegue manter os preços praticados no Brasil muito inferiores aos praticados no exterior. Caso contrário, sua receita seria menor em comparação com seus pares.
Mas se os preços do petróleo produzido aqui no Brasil subirem, os valores dos seus derivados acompanharão. Virginia Parente brinca que “o Brasil funciona com diesel” por causa da dependência do transporte rodoviário.
Portanto, a consequência do aumento dos preços dos combustíveis terá um efeito cascata nos preços dos produtos que circulam pelo país.
“O combustível é a base do transporte de mercadorias. E se o custo do transporte da mercadoria fica mais caro, a própria mercadoria também fica mais cara”, aponta o professor da USP.
“Além disso, parte da energia elétrica é gerada por termelétricas que utilizam diesel. Portanto, o aumento dos preços dos combustíveis também impacta o custo da energia, ainda mais neste momento de seca. E a energia mais cara também afeta o preço final de alguns produtos”, indica.
Num momento de seca e de baixos reservatórios hidrelétricos, o país busca acionar suas usinas que geram energia elétrica por meio da queima de combustível para atender a demanda. A produção mais cara levou a Aneel a aplicar bandeira vermelha 2 nas contas de luz de outubro.
E com os preços da energia mais caros, o economista e especialista em índices de preços da FGV/Ibre, André Braz, indica que o espaço para a inflação oficial do país fechar entre 3% e 4,5%, limite da meta almejada, está cada vez mais apertado .
Segundo Braz, a gasolina representa até 7% do orçamento familiar, o que significa que um aumento de 1% no preço da gasolina faz com que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) suba 0,07%.
“Tinha sido debatida uma queda sustentada nos preços da gasolina, mas agora, com o agravamento do conflito no Médio Oriente, a probabilidade é bastante reduzida. Há pressões que desafiam, e a política monetária não é usada para conter esses preços administrados, eles espalham a inflação para vários segmentos, o que alimenta as transferências”, explica o economista da FGV/Ibre.
Agronegócio
De janeiro a agosto deste ano, o Brasil exportou US$ 1,8 bilhão para o Irã. O país é o 29º maior comprador do Brasil, sendo a soja o seu principal insumo, representando 38% de suas compras.
Apesar de não estar entre os principais parceiros do Brasil, a região onde está localizada é significativa para o agronegócio do país. O Oriente Médio representa 5,25% das exportações brasileiras, com cerca de US$ 12 bilhões este ano.
Os principais produtos: açúcar, frango e carne bovina e soja.
Em princípio, o efeito do conflito deveria, de facto, limitar-se ao petróleo. Mas sua evolução ainda está sendo acompanhada, já que o impacto regional poderá afetar o comércio do Oriente Médio, segundo Andréia Adami, professora da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq) da USP e pesquisadora do Centro de Estudos Avançados de Economia Aplicada (Cepea).
“Os efeitos diretos em relação ao Irão têm um potencial pequeno, mas como o conflito dificulta o fluxo de comércio na região, poderemos ter maiores custos e problemas logísticos. Uma escalada afetará as expectativas, o que aumenta a volatilidade dos preços das commodities em dólares”, aponta Adami.
“O efeito deve vir mesmo, principalmente pelo preço do petróleo. Diretamente no comércio, apenas se houver suspensão das transações, o que não parece ser necessário, pelo menos a princípio”, finaliza.
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