A reforma tributária não será suficiente para remediar o que Henrique Meirelles aponta como um dos principais entraves do setor: a elevada carga tributária.
O ex-presidente do Banco Central (BC) e ex-ministro da Fazenda destaca a importância da simplificação do sistema tributário, mas indica que o projeto que tramita no Congresso não sanará todas as distorções que existem hoje.
Meirelles afirma que o sistema atual gera três problemas principais: a complexidade da arrecadação, uma carga tributária elevada em comparação com outros países emergentes e a má distribuição dessa tributação.
Neste caso, a reforma visa manter a carga atual. Mas o número de isenções propostas afeta todo esse cenário, principalmente para a indústria.
“É legítimo que os setores busquem isenções, mas isso gera complexidade e problemas para outros setores em relação à carga tributária”, aponta o ex-ministro.
“A questão da carga tributária afeta diretamente o setor. E isso é uma distorção que, aparentemente, a reforma não vai resolver”, finaliza.
Meirelles falou nesta sexta-feira (20) no Tractian Maintenance Day 2024, evento promovido em São Paulo pela empresa brasileira de inteligência artificial Tractian, para discutir a aplicação da tecnologia na indústria.
O ex-presidente do BC comentou os desafios e oportunidades para o setor.
Quando o assunto é complexidade do sistema tributário, Meirelles retoma dados do Banco Mundial, que indicam que as empresas brasileiras gastam cerca de 1.700 horas por ano em conformidade fiscal.
Com a implementação da dualidade do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), a reforma substituirá cinco tributos – federais, municipais e estaduais – para reduzir essa complexidade. Ao recolher o imposto na ponta final, no local de origem do comprador, também possibilita o fim da guerra fiscal.
No entanto, as isenções pressionaram a taxa média do IVA a aumentar para compensar a cobrança. E o valor, que já deveria ser elevado (26,5%), acaba sendo pago por setores não isentos, como a indústria.
Meirelles indica que a solução está em uma reforma mais profunda que a tributária.
“Precisamos reduzir a carga tributária da indústria, e para isso é preciso reduzir os gastos do governo, e para isso precisamos de uma reforma administrativa”, afirma o economista.
Gastos públicos agressivos
Meirelles ressalta que o Brasil não consegue competir globalmente por ter uma produção industrial altamente tributada.
Por trás deste obstáculo, o ex-ministro das Finanças aponta que está “o governo, com uma política de despesa pública muito agressiva”.
“Os elevados gastos sociais têm um efeito importante na economia. Por um lado, isso gera um aumento no consumo, especialmente aquele consumido pelas classes de renda mais baixa. Tivemos surpresas no crescimento do ano passado, muito ligado ao consumo interno”, afirma.
Em 2023, o Produto Interno Bruto (PIB) do país cresceu quase 3%. O problema apontado pelos economistas é que este crescimento é apoiado por um impulso fiscal que aumenta a procura acima da oferta existente, pressionando a economia a um nível que esta não consegue sustentar sem gerar problemas.
“O outro lado da questão é que isso gera inflação. À medida que o governo injeta recursos fundamentais na economia, há um superaquecimento de setores que não encontram oferta suficiente”, explica Meirelles.
E por causa desta pressão inflacionária, o ex-presidente do Banco Central destaca que isso obriga a autoridade a manter juros mais elevados.
Na quarta-feira (18), o BC retomou o ciclo de aumento da taxa Selic, elevando-a para 10,75%. Entre os motivos apontados pelos dirigentes do município estão as expectativas não ancoradas devido ao medo fiscal.
“Isso cria uma situação que não é ideal. Enquanto a política fiscal vai de um lado da expansão, a política monetária vai do outro. Não é exatamente isso que funciona bem”, comenta Meirelles.
Ele lembra que, durante sua gestão na autarquia, o BC precisou aumentar os juros para conter a inflação. Mas a política fiscal do governo Lula, na altura, era mais responsável, o que teria permitido controlar mais rapidamente o aumento dos preços e garantir um crescimento económico robusto e sustentável.
“Dentro da situação atual isso não voltará a acontecer”, pontua Meirelles.
O economista destaca que para alcançar um crescimento sustentável o país deve seguir o caminho da criação de empregos.
“A melhor política social que existe é o emprego. As empresas cresceram contratando trabalhadores, é a melhor solução e estratégia para programas. Quando se trata do Bolsa Família, o apoio a quem está fora do mercado de trabalho é necessariamente positivo, mas desde que seja meramente complementar. Que a base da política seja a criação de empregos para o crescimento económico”, argumenta.
Mas é aqui que Meirelles destaca que a indústria encontra uma oportunidade.
Com o crescimento da demanda das classes populares, os produtores devem buscar concentrar seus esforços no atendimento desta demanda.
“Em termos de visão estratégica, a linha principal do mercado interno tem que ser atender a esse consumo gerado pelos programas sociais. Quanto mais a empresa conseguir desenvolver produtos para atender a classe de menor renda, melhor”, afirma o ex-ministro.
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