O Banco Central (BC) elevou as taxas básicas de juros do país em 0,25 ponto percentual, para 10,75%, nesta quarta-feira (18). A chamada taxa Selic é utilizada como referência pelas instituições financeiras do país na hora de fechar empréstimos, para somar esse valor ao valor devolvido ao final do negócio.
Com isso, a taxa de juros real do país é de 7,33%, segundo pesquisa do economista Jason Vieira, da MoneYou. Essa taxa desconta o valor referente à inflação, de forma a avaliar o aumento de valor induzido apenas pelos juros.
O resultado mais recente coloca o Brasil na 2ª pior posição do mundo.
E por que as taxas de juros são tão altas no Brasil? Segundo comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom), tanto fatores internos quanto externos influenciam esse cenário.
Mas, com a recente decisão do BC de aumentar os juros, os economistas apontam uma mudança importante na comunicação do colegiado: o Copom destaca que há uma “assimetria altista” e uma “lacuna no campo positivo” no cenário econômico.
Traduzido de “economês”, isto significa que há uma série de pressões que tendem a piorar o aumento dos preços, sendo uma delas uma força por parte da economia, que está a acelerar demasiado rapidamente.
“Além do pleno emprego e do crescimento económico crescerem acima das expectativas, a procura tem surpreendido, registando níveis muito superiores ao crescimento. Por isso as importações estão em franca expansão”, apontou ao programa Guerra Mundial Quarta-feira Samuel Pessôa, pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV) e chefe de pesquisa do Julius Baer Brasil.
“O crescimento impulsionado pela procura que excede a oferta gera inflação. É a lei da oferta e da procura. Gap positivo significa maior demanda do que oferta”, finaliza.
Porém, antes mesmo da taxa Selic ser elevada na última reunião, economistas apontavam que os juros já eram restritivos no país quando a taxa estava em 10,5%. Então, por que as taxas de juros são geralmente altas no Brasil?
A resposta está em outro fator destacado pelo Copom na reunião desta quarta: as contas públicas.
Questão tributária
O próprio Brasil tem uma taxa de juros neutra – que não esfria nem aquece a economia – alta. Portanto, quando o BC precisa elevar a taxa Selic para controlar a inflação, ela é levada para um patamar muito elevado.
A estimativa da autoridade é que as taxas de juros de equilíbrio estejam atualmente em torno de 4,75% ao ano.
E entre as principais pressões tanto para os juros neutros quanto para a inflação está a situação atual das contas públicas.
“Tivemos ruídos fiscais ao longo do ano que deixaram o mercado mais avesso ao risco. Tem havido uma política fiscal muito expansionista desde a recuperação do governo, [com] que a PEC de transição [por exemplo]você teve muito impulso fiscal na economia”, aponta Beto Saadia, economista e sócio da Nomos.
O crescimento insustentável da economia mencionado por Pessôa está principalmente relacionado com estes impulsos fiscais.
A dívida do setor público consolidado vinha crescendo desde o início do governo Lula, passando de resultados superavitários até atingir o pico do déficit em maio deste ano.
O receio fiscal ao longo do mandato deveu-se ao crescimento dos gastos públicos e, até então, à dificuldade em procurar e aprovar medidas para conter ou compensar esses gastos.
O pior momento para a avaliação de risco ocorreu depois que o governo anunciou a mudança na meta fiscal para 2025, reduzida de superávit primário para déficit zero, o que dá mais espaço para despesas.
Porém, há quem aponte que as perspectivas são boas após os esforços recentes do governo, como o anúncio do pente fino dos benefícios concedidos irregularmente e o congelamento de gastos de R$ 25,9 bilhões sendo apontados como primeiros passos.
“Em relação aos gastos fiscais, estamos vendo realmente um esforço do governo para conter, bloquear, contingenciar, tudo mais, então falo a favor de menos impulso fiscal na economia. Isso ajudará a desacelerar a economia para controlar a inflação”, afirma Saadia.
No entanto, o país tem um histórico de elevados gastos públicos. Em Julho, a dívida pública bruta do país em proporção do Produto Interno Bruto (PIB) atingiu 78,5%, face a 77,8% em Junho.
O momento mais recente de mudança nos gastos coincide com o período em que começou o último ciclo de alta da Selic — antes do atual — e de inflação significativa: a pandemia.
“Tivemos um processo de muitos estímulos em resposta ao período de pandemia. Então vocês tiveram uma expansão fiscal grande, vocês também tiveram um programa de transferência de renda que foi bastante grande, espalhado por um longo período de tempo. Juntamente com a política monetária, no início da pandemia, isso gerou um impulso muito relevante para o crescimento”, afirma Luciano Costa, economista-chefe da corretora Monte Bravo.
“Então, vemos que a demanda se tornou [forte] há muito tempo, e continua crescendo acima do crescimento da própria economia, do PIB”, aponta Costa.
Paralelamente à desvalorização das expectativas de inflação por conta desses fenômenos, a questão cambial também pressiona as expectativas —e faz com que o BC mantenha os juros em patamares ainda mais elevados.
“Neste período, tivemos um processo de deterioração das expectativas de inflação e também de desvalorização da taxa de câmbio, o que acabou impactando também na inflação, principalmente no setor de bens”, diz Costa.
O dólar acumula sete quedas consecutivas, totalizando uma desvalorização de 4,14% frente ao real, chegando a R$ 5,421 na quinta-feira (19). Isto deveu-se às expectativas de que as taxas de juro subiriam aqui e cairiam nos Estados Unidos.
O movimento de fato se concretizou, já que o Federal Reserve, o banco central norte-americano, cortou suas taxas em 0,5 ponto, permanecendo na faixa de 4,75% a 5%.
Esta maior diferença entre as nossas taxas de juro e as deles tende a atrair aqui maior investimento estrangeiro, uma vez que taxas de juro mais elevadas proporcionam maiores retornos.
Mas apesar da valorização do real na última semana, a questão fiscal ainda é um ponto de alerta também para o câmbio.
“O A tendência de valorização dependerá de como se comportará o cenário fiscal. Porque isso significa um aumento significativo de risco que acaba compensando o ganho com o aumento do diferencial de juros”, explica. José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos.
A estimativa da Genial é que a dívida pública continuará aumentando e poderá chegar a 85,7% do PIB em 2026.
Nas últimas semanas, o boletim Focus registrou aumentos consecutivos na expectativa média do mercado para a inflação ao final deste e do próximo ano. Esses elementos foram citados pelo BC como pressões inflacionárias.
O problema das taxas de juro permanecerem elevadas por mais tempo é um golpe directo para a economia do país.
“Um novo ciclo de aumento dos juros, a partir de um nível Selic já restritivo, encarecerá o crédito e gerará desaceleração da atividade econômica – com arrefecimento do consumo e dos investimentos –, além de gerar impacto fiscal relevante devido às altíssimas taxas de juros reais”, aponta Sérgio Goldenstein, estrategista-chefe da Warren Rena.
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