O atual período de seca é o mais intenso da história do Brasil, segundo o Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden), e os impactos vão além das questões climáticas ou dos efeitos na saúde da população.
O cenário inédito visto em diversas regiões do país nas últimas semanas também deve ter impacto mais imediato no bolso dos consumidores, afirmam economistas ouvidos pelo CNN. Entre os principais pontos destacam-se o aumento dos preços dos alimentos e o aumento das contas de energia.
Há também efeitos que deverão ser sentidos em horizontes mais longos, como maior pressão sobre a inflação e, consequentemente, maior aperto nas taxas de juros, em decorrência da falta de oferta e interrupção das operações.
Pressão sobre a comida
A queda na produção alimentar é um dos sintomas mais visíveis da actual situação de seca. Com menor disponibilidade, a tendência é que os produtos fiquem mais caros.
“O Brasil é um país agrícola, grande parte da oferta de alimentos básicos depende de condições climáticas regulares, justamente para que não haja redução da oferta e, consequentemente, aumento dos preços”, diz André Braz, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV) .
Segundo Braz, a situação tem impacto maior nas famílias de menor renda, já que grande parte do orçamento desse grupo é destinada à compra de alimentos.
Com as mudanças climáticas cada vez mais frequentes, a laranja, por exemplo, é um dos alimentos que pode ter maiores problemas devido à massa de ar quente em grande parte do Brasil, além da banana, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Segundo a empresa, a produção já teve aumento de preços devido à baixa quantidade produzida e isso deve aumentar bastante devido à irregularidade nas chuvas.
Pressão sobre energia
A falta de chuvas também aumenta o preço da conta de luz, já que mais da metade da produção energética do país vem da matriz hidrelétrica. Para evitar a escassez de energia no país, o governo é obrigado a acionar termelétricas, que envolvem maiores gastos operacionais.
A seca fez com que o rio Madeira, em Rondônia, caísse abaixo de um metro pela primeira vez desde o início das medições do Serviço Geológico Brasileiro (SGB), em 1967. Como consequência, a hidrelétrica de Santo Antônio desligou parte de suas unidades geradoras.
A projeção da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) é que o país registre até 50% menos chuvas nos próximos meses, afetando os níveis dos reservatórios e o funcionamento das hidrelétricas, segundo a agência.
Atualmente, o nível dos reservatórios — ou seja, a energia armazenada no sistema — está em 54,27% na sexta-feira (6) no subsistema Sudeste/Centro-Oeste, enquanto na região Sul está em 61,42%.
Quando comparados com o mesmo mês de setembro do ano passado, porém, os níveis ainda estão abaixo do patamar.
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Com essa situação, muitos temem que ocorra outra crise hídrica como a vista em 2021, quando os mesmos subsistemas do Sudeste/Centro-Oeste e do Sul atingiram níveis de reservatórios de 16,8% e 28,6%, respectivamente.
Foi neste momento que a Aneel levantou pela última vez a bandeira vermelha, que significa cobrança extra pelo consumo de energia — pelo menos até setembro deste ano.
Após determinação da Aneel, a bandeira vermelha voltou, no nível 1, com custo adicional de R$ 4.463 para cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos.
A justificativa foi a previsão de chuvas abaixo da média, resultando em menor afluência aos reservatórios do país. Segundo o governo, a redução ficará cerca de 50% abaixo da média.
“Com a queda dos reservatórios hidrelétricos, o país tende a adotar bandeiras energéticas que encarecem as tarifas de energia. Além disso, o acionamento de termelétricas aumenta a demanda por combustíveis, que acabam ficando mais caros para o consumidor”, explica Alexandre Pires, professor de economia do Ibmec-SP.
No final de agosto, o Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse CNN que prevê a ativação de “70% a 80%” de todo o parque termal brasileiro nas próximas semanas, caso as chuvas não retomem antes do previsto.
Este cenário poderá até ter repercussões nos meses seguintes. Em condições normais, é neste semestre, período em que normalmente chove mais, que o sistema consegue encher os reservatórios para “garantir um bom abastecimento de energia no inverno seguinte (…) e isso pode não acontecer”, afirma. Braz.
Pressão sobre setores da economia
O cenário também pode pesar sobre a atividade industrial e empresarial, tanto no comércio quanto nos serviços, descreve Braz. O especialista afirma que com as bandeiras tarifárias ativadas, a prestação de serviços, assim como os produtos no comércio, ficam mais caros —e as famílias pagam essa conta.
Além disso, Pires destaca que o acionamento das termelétricas pressiona os derivados de petróleo, o gás natural e o álcool, impactando “o preço do combustível para o transporte rodoviário e, portanto, do frete — que é uma variável essencial na cadeia logística”.
Segundo Braz, a situação também pode influenciar as decisões do Comitê de Política Monetária (Copom), que decidirá entre os dias 17 e 18 deste mês os novos rumos da política monetária no Brasil.
O mercado projeta que o Banco Central decida aumentar os juros, que atualmente estão em 10,5%, mas o especialista acredita que isso não será precipitado na próxima reunião.
“Essa seca se intensificou e se generalizou ao longo do último ano, embora as áreas mais afetadas tenham se deslocado do Sudeste para o Norte, em relação a 2021. Mas uma seca quase generalizada e prolongada é o aspecto mais preocupante da situação. 2024”, finaliza Pires.
*Sob supervisão de Gabriel Bosa
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