Empréstimos mais caros, a fim de conter os gastos do consumidor, são o efeito mais direto das altas taxas de juros.
Essas taxas nada mais são do que “o preço” dado ao dinheiro ao longo do tempo, por exemplo, na contratação de um empréstimo. Além do valor emprestado, o tomador do crédito deve pagar uma porcentagem — a taxa de juros.
Atualmente, a taxa básica de juros do Banco Central (BC), a Selic, que é usada como referência por outras instituições financeiras, está em 10,5% ao ano.
Com o aumento do custo do crédito, os setores da economia que dependem do fluxo de consumo e financiamento são os mais impactados. Estes incluem construção, varejo e indústria e, mais especificamente, o setor automobilístico.
Em entrevista à CNN, representantes dos setores apontam restrições às suas respectivas atividades devido ao atual nível da Selic.
Construção
O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Renato Correia, diz que o setor funciona e é competitivo com taxas de juros em torno de 9%. Acima disso, as operações tornam-se muito onerosas e, no longo prazo, consumidores e empresas são prejudicados.
“A construção é um setor que investe muitos recursos, tanto em habitação, infraestrutura quanto na construção de obras industriais e corporativas há muito tempo. Portanto, as altas taxas de juros no nosso setor são altamente prejudiciais. Uma taxa de 10,5% ao ano já é muito complicada”, afirma Correia.
“Se as taxas de juro permanecerem elevadas e as taxas aumentarem, voltaremos a experimentar retiradas da poupança, por exemplo, reduzindo a capacidade de investir em habitação. Isso também pode acabar desestimulando a atividade de concessões e parcerias público-privadas”, finaliza o presidente da CBIC.
O problema é que os consumidores deste sector são pessoas que procuram habitação e as taxas de juro elevadas dificultam muitas vezes a aquisição de uma casa própria pelos compradores.
Segundo a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), uma queda de 1% na taxa de financiamento habitacional poderia reduzir em 8% o valor da parcela de um imóvel de R$ 400 mil, permitindo o acesso à moradia para cerca de 400 mil famílias.
Segundo a associação, há cerca de três anos, quando a taxa Selic começou a subir, passando de 2% ao ano, os financiamentos tinham parcelas 27% menores, possibilitando a inclusão de 1,4 milhão de famílias no mercado imobiliário.
“A extensão das taxas de juro elevadas é particularmente prejudicial porque os promotores precisam de condições estáveis e previsíveis para planear os seus investimentos a longo prazo. As altas taxas de juros inibem por muito tempo o lançamento de novos projetos, afetando toda a cadeia produtiva da construção civil”, aponta Luiz França, presidente da Abrainc.
A associação avalia que o BC tem espaço para continuar reduzindo os juros.
Varejo
Após comunicações recentes do BC e dos diretores que compõem o Comitê de Política Monetária (Copom), tem havido muita especulação sobre a possibilidade de os juros voltarem a subir na reunião entre os dias 17 e 18 deste mês.
A última divulgação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), prévia da inflação, mostrou desaceleração, chegando a 0,19% em agosto. Porém, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, disse após o anúncio que o melhor resultado ainda não gera conforto.
O mercado também vê as expectativas caindo e eleva gradativamente as previsões para o IPCA deste ano. Dados da pesquisa Focus divulgados nesta segunda-feira (2) mostraram que as projeções para a inflação de 2024 subiram pela 7ª semana consecutiva, para 4,26%.
O centro da meta oficial de inflação é de 3%, sempre com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.
Devido a esses resultados, o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Felipe Tavares, ressalta que a busca por algum mecanismo para conter a inflação é justificada, mas avalia o controle de juros como inadequado.
“A inflação surpreende os especialistas mês após mês. Isso é um fato. Porém, temos gastos públicos descontrolados e insegurança jurídica que impactam o câmbio e a inflação. E estamos pagando a conta da irresponsabilidade fiscal e da insegurança jurídica através da competitividade do setor produtivo, que terá de pagar juros mais elevados”, explica Tavares.
O economista-chefe da CNC destaca que o varejo é um dos principais setores afetados pelas altas taxas de juros, pois a percepção de maior crédito leva os consumidores a controlarem seus gastos.
“As taxas de juro elevadas tendem a ter um impacto muito negativo no setor retalhista, porque é um segmento muito cíclico. Qualquer variação na renda disponível ou na percepção de confiança do consumidor tende a afetar a redução do consumo, e isso significa redução na receita do varejo”, aponta Tavares.
“Se isso continuar por muito tempo, você tem esse efeito acumulado de juros compostos. O consumidor fica cada vez menos confiante em consumir, cada vez consome menos e isso vira uma bola de neve. A saída desse cenário torna-se mais distante e difícil de alcançar”, finaliza.
O economista chama as altas taxas de juros de “detratores da economia real”, pois mais do que afetar os próprios setores, impactam o dia a dia de comerciantes e consumidores.
Ele explica que o varejo tem margem operacional baixa, ou seja, precisa manter constantemente um alto volume de vendas para alcançar resultados satisfatórios e cumprir compromissos.
“O Brasil ameaça vivenciar um extenso ciclo de novos aumentos nas taxas de juros, e isso pode ter efeitos muito significativos no crescimento da economia brasileira neste ano e no próximo. Esse cenário de aumento dos juros tende a ter efeito prolongado e, em algum momento, a conta deixa de ir para o bolso do trabalhador pelo simples aumento dos juros e do financiamento”, pondera Tavares.
Entre os bens cujo consumo mais deveria ser reduzido estão aqueles de maior valor agregado e que dependem de financiamento, como veículos e eletrodomésticos.
Indústria
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) avaliou como equivocada a decisão do Copom de manter a taxa de juros em 10,5% na reunião de julho.
Entre os principais alertas do setor está a elevada taxa de juros real do país, o valor descontado da inflação. Segundo pesquisa do economista Jason Vieira publicada na plataforma MoneYou, o nível atual da Selic coloca a taxa de juros real em 7,36%, a terceira maior do mundo.
Segundo a CNI, a alta explica parte significativa do aumento dos preços do crédito, situação que implica restrições à atividade econômica brasileira.
“Esperamos que a Selic volte a ser reduzida o mais rápido possível. A retomada dos cortes é fundamental para reduzir o custo financeiro suportado pelas empresas, que se acumula ao longo das cadeias produtivas, e pelos consumidores”, reforçou o presidente da CNI, Ricardo Alban, em nota.
“Caso contrário, continuaremos a penalizar não só a economia brasileira, mas principalmente os brasileiros, com menos empregos e renda.”
A confederação alerta que a alta dos juros afeta o setor em um importante momento de neoindustrialização, pautado pelo programa Nova Indústria Brasil (NIB).
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou nesta terça-feira (3) que o Produto Interno Bruto (PIB) do país cresceu 1,4% no 2º trimestre. A indústria, com alta de 1,8%, foi um dos principais destaques positivos.
No entanto, a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) alerta que a perspectiva de os juros permanecerem elevados por mais tempo levanta dúvidas sobre a sustentabilidade do aumento.
“A Firjan, porém, chama a atenção para a sustentabilidade desse resultado, principalmente o crescimento da taxa de investimento. Essa taxa no Brasil (16,8%) é muito baixa em comparação com a média mundial (26,5%), o que pode limitar o potencial de crescimento futuro. Uma elevada taxa de investimento é essencial para garantir um crescimento sustentado a longo prazo, pois permite a expansão da capacidade produtiva e a modernização das infra-estruturas económicas”, aponta em nota.
“Nesse sentido, a Firjan reitera a importância de uma política fiscal mais ativa. A falta de convicção para enfrentar o ajuste fiscal pressiona o risco-país e a taxa de câmbio, comprometendo uma redução sustentada das taxas de juro. Políticas fiscais e monetárias alinhadas são cruciais para aumentar a taxa de investimento, garantir o crescimento económico sustentável e promover o emprego e o rendimento a longo prazo.”
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