“Da mesma magnitude, é uma honra, um prazer e uma responsabilidade imensa ser indicado para a presidência do Banco Central”, disse na tarde desta quarta-feira (28) o diretor de Política Monetária da autoridade, Gabriel Galípolo.
O que analistas e economistas apontaram para CNN é que a “imensa responsabilidade” destacada pelo indicado gira em torno do delicado momento atual.
“Galípolo assumirá o comando em um período complexo para a política monetária interna. Embora minha avaliação seja de que a política fiscal está no caminho certo e que estamos longe de uma crise fiscal, o Banco Central terá que levar em conta essas percepções da média do mercado, especialmente porque elas refletem nas expectativas e perspectivas para os cenários econômicos. inflação”, comenta Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos.
O cenário apresentado é o seguinte: as expectativas de inflação do mercado não estão ancoradas, ou seja, a perspectiva é que a inflação suba mais que o esperado até o final do ano.
No último boletim Focus, divulgado nesta segunda-feira (26), o mercado elevou pela 6ª vez consecutiva a aposta no Índice de Preços ao Consumidor (IPCA) de 2024, para 4,25%. A expectativa fica próxima do teto de 4,5% da meta de inflação, cujo centro é de 3%.
Nos últimos meses, o indicador calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) vinha apresentando resultados acima dos esperados pelos economistas. Isso levou o BC a adotar uma postura mais rígida no comunicado da sua última reunião de política monetária, na qual manteve a Selic em 10,5% e sinalizou que adotaria “maior vigilância”.
Isso, somado aos discursos recentes das autoridades locais, deu um sinal claro ao mercado: o aumento dos juros está na mesa do Comitê de Política Monetária (Copom). E é em meio a essa expectativa dos investidores que Galípolo é indicado.
“Mesmo nomeado, Galípolo assume uma responsabilidade numa fase difícil para o Banco Central, porque subir juros é sempre uma fase difícil. E entraremos na próxima reunião do comitê com a expectativa de um primeiro aumento”, aponta Beto Saadia, economista do Nomos.
“O desafio dele é dar a volta e trazer a inflação de volta à meta. Temos alguns grandes vilões da inflação: um deles é o dólar em patamar elevado, o outro são as expectativas elevadas e a inflação de serviços resiliente”.
Para Saadia, a nomeação antecipada de Galípolo para a presidência do BC teve como objetivo aliviar a desconfiança do mercado. Próximo de Fernando Haddad enquanto trabalhava no Ministério da Fazenda e “menino de ouro” nas palavras do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Galípolo era visto pelos analistas como alguém que poderia ceder à política pressão do governo.
“Falava-se em ‘Tombinização’ do BC”, aponta Camila Abdelmalack, economista-chefe da Veedha Investimento, em referência ao ex-presidente do município Alexandre Tombini, que foi bastante criticado por ter cedido às pressões de Dilma Rousseff governo.
Sinais para combater a inflação e credibilidade
“No entanto, a postura que o diretor adotou recentemente, seguindo os sinais mais duros de combate à inflação, reduziu essa percepção”, aponta Abdelmalack.
O próprio Galípolo é uma das autoridades do Copom que recentemente indicou que um aumento dos juros poderia estar em discussão na próxima reunião. Para Jefferson Laatus, estrategista-chefe do grupo Laatus, essa postura já sinalizava uma tentativa de mediação com o mercado, antecipando sua nomeação.
O economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo, reforça que embora as declarações aliviem os ânimos, elas não resolvem o problema de credibilidade em relação à futura diretoria do BC.
“A credibilidade é extremamente difícil de construir, mas fácil de perder. Houve um contratempo no caminho, mas [Galípolo] está tentando se recuperar”, aponta Camargo, em referência à reunião do Copom de maio.
O encontro foi marcado pela divisão do colegiado. Os quatro indicados por Lula – entre eles Galípolo – votaram pela manutenção da taxa de corte vista até então, de 0,5 ponto.
Por outro lado, os cinco membros restantes do governo de Jair Bolsonaro —incluindo o atual presidente do BC, Roberto Campos Neto— se mostraram inclinados a reduzir o passo para um corte de 0,25 ponto.
Na avaliação do mercado, a postura sinalizaria um conselho mais alinhado ao atual governo e menos comprometido com o controle da inflação.
A unanimidade do Copom voltou na reunião seguinte, com o colegiado concordando em interromper o ciclo de queda e manter os juros em 10,5% ao ano, movimento que se repetiu na última reunião, no final de julho.
A nomeação de Galípolo coloca os olhos do mercado nele e vai testá-lo através das frases que serão ditas a partir de hoje até a saída de Campos Neto, segundo Jansen Costa, sócio-diretor da Fatorial Investimentos.
“Todas as atas das próximas reuniões serão vistas com ceticismo. O mercado vinha cobrando aumento da taxa Selic devido aos núcleos de inflação mais elevados, mas agora vai olhar o posicionamento do Banco Central”, aponta Costa.
Para Jansen Costa, em especial a próxima reunião do Copom, que será realizada entre os dias 18 e 19 de setembro, será um divisor de águas, pois deverá deixar mais claros os rumos de Galípolo para a política monetária local.
Mas para José Márcio Camargo ainda é preciso aguardar a composição da nova diretoria para de fato avaliar a postura do BC daqui para frente.
Perspectiva sobre a gestão do Galípolo
Para o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, a expectativa é que, com Galípolo na presidência do BC, haja atenção na comunicação da autoridade com a imprensa e o mercado, já que o diretor tem uma postura mais próxima da mídia.
“Diferente do que Ilan [Goldfajn] e [Henrique] Meirelles [ex-presidentes do BC]cria um ponto de tensão que precisaremos observar, pois muitas vezes pode causar ruídos desnecessários, como vimos nas últimas semanas”, destacou.
Ele destacou ainda que mesmo a última ata do Copom não trouxe comunicação clara sobre as decisões da autoridade.
De forma mais positiva, Salto, da Warren Investimentos, avalia que a indicação é muito positiva para os mercados.
Para ele, o Galípolo se sairá bem e atuará de forma técnica, ouvindo a burocracia permanente da autoridade monetária.
Sobre a relação do indicado com o governo federal, Saadia, do Nomos, afirmou que a relação de Galípolo com o governo pode ser um dos pontos fortes do mandato.
“Lula teve seus momentos de resistência em relação à política de juros e, a partir de agora, ninguém melhor que Galípolo para convencer o presidente da necessidade de aumentar os juros”, disse Saadia.
Outros desafios do Galípolo
Embora o desafio de pesar a relação com o mercado e o governo pareça mais proeminente, há outras tarefas que se destacam para o futuro do Galípolo. Entre eles, a continuidade do trabalho do BC em inovação e eficiência no sistema financeiro.
“Galípolo herda questões de desafios dos avanços tecnológicos. O protagonismo tecnológico do Banco Central com o Pix, por exemplo, ajudou a estimular a competitividade bancária do país”, aponta Saadia, que destaca, além da ferramenta de pagamentos, o desenvolvimento do Open Finance e do Drex.
“Campos Neto lidera bem e se posiciona como o grande protagonista e amplificador desses trabalhos tecnológicos do Banco Central. O Galípolo precisa ampliar o trabalho que já está sendo feito e ser porta-voz dessas iniciativas”, finaliza.
Por outro lado, além do cenário doméstico, Galípolo também precisará estar atento ao exterior, especialmente aos passos norte-americanos do Federal Reserve (Fed).
“Se a Reserva Federal começar a reduzir as taxas de juro, teremos a oportunidade de retomar o ciclo descendente, aqui, no próximo ano. Portanto, erros cometidos no curtíssimo prazo custarão caro no futuro. É um quadro complicado, mas minha opinião é que Galipolo está preparado para enfrentá-lo”, finaliza Salto.
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