O Brasil arrecadaria US$ 47 bilhões, equivalentes a cerca de R$ 260 bilhões a preços atuais, se implementasse uma tributação progressiva dos super-ricos, com alíquota entre 1,7% e 3,5%.
Inspirado na experiência atual em Espanha, o cálculo foi apresentado no estudo britânico da Tax Justice Network, que afirma que se este modelo fosse adotado globalmente para os 0,5% mais ricos que possuem mais de 25% da riqueza total, a receita fiscal anual atingiria US$ 2,1 trilhões.
A pesquisa destaca que este montante é o dobro do montante necessário para o financiamento externo do clima para os países em desenvolvimento — um debate presente nas negociações da COP29 deste ano.
“São necessários enormes investimentos para financiar a transformação socioecológica rumo a uma economia sustentável. Embora o sector privado ajude na transformação, uma grande parte destes investimentos exigirá financiamento público ou, pelo menos, garantias públicas”, afirmou.
Tributar quem está no topo, além de ser justificável do ponto de vista social, também parece ético para a Rede de Justiça Fiscal, pois “os cidadãos mais ricos têm mais responsabilidade pelas emissões de carbono, tanto pelo seu consumo mais excessivo como pelos seus hábitos de investimento. ”
Com a medida proposta pela Rede de Justiça Tributária, cada país teria um aumento de 7% no Orçamento.
Neste cenário, o governo brasileiro tem estado na vanguarda da discussão, visível nas reuniões do G20 no Brasil, onde foi defendida uma proposta de taxar grandes fortunas.
Na ocasião, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que fazer com que os super-ricos paguem sua justa contribuição em impostos é importante para combater a fome, e encomendou um estudo para avaliar as possíveis receitas e benefícios da implementação deste tipo de medida.
Mesmo com uma taxa de imposto mais elevada, em teoria, os super-ricos são capazes de pagar menos
O ministro disse também que vários multimilionários continuam a fugir aos sistemas fiscais e a “utilizar lacunas para evitar o pagamento da sua justa contribuição em impostos, minando as capacidades das autoridades públicas” — um ponto importante para a compreensão da tributação dos super-ricos.
Em entrevista com CNNLeonardo Alvim, procurador da Fazenda Nacional e assessor tributário da Procuradoria-Geral da União, explica que “os mais ricos pagam menos impostos que os mais pobres. Isso é o que se chama de regressividade tributária. No Brasil, quanto maior a riqueza, menor o pagamento de impostos.”
E isso acontece, em grande parte, porque não há clareza no conceito de renda para essas pessoas tão ricas. Isto é o que se chama de iliquidez, onde os bens possuídos não têm valor corrigido e podem gerar certas inconsistências, como participações limitadas, imóveis a valor de custo, jóias, entre outros, disse Alvim.
Mesmo que o país já cobre uma alíquota maior de Imposto de Renda à medida que a renda aumenta, Ricardo Castagna, coordenador do curso de Direito da Faculdade Belavista, explica que outras receitas ficam isentas, como os dividendos —lucros atribuídos aos sócios da empresa.
No entanto, o estudo da Tax Justice Network afirma que a ideia de que é necessário liquidar as empresas para pagar o imposto sobre a fortuna é infundada, “pois existem várias propostas para implementar tais impostos de uma forma que a liquidação seja desnecessária”.
O relatório apresenta algumas soluções para esta situação, como a tributação apenas do património líquido acima de um limiar elevado, sem isenção para qualquer classe de activos, acompanhada de transparência.
Ainda assim, para Alvim, o grande problema dos super-ricos é que eles não precisam se desfazer de seus bens, ou seja, raramente são tributados —o ato transacional, do qual o Imposto de Renda cobra o aumento patrimonial, não acontecer.
Tributar os mais ricos prejudica o crescimento económico?
As discussões sobre os impostos sobre a riqueza encontram frequentemente “mitos e equívocos, trazendo à tona a noção de que tais impostos podem impactar negativamente a classe média ou prejudicar a economia”, destacou o estudo.
Para o especialista do Tesouro Nacional, este tipo de argumento é “cientificamente incorreto”: “não há relação entre a progressividade e o facto do crescimento económico, pelo contrário. A progressividade fiscal pode até estimular o crescimento económico.”
Ao introduzir esse modelo no sistema tributário, afirma, grandes monopólios podem ser dissolvidos, abrindo oportunidades de inovação com a formação de novos grupos, como startups.
Segundo pesquisa de Manoel Pires, do Observatório de Política Fiscal, da FGV-Ibre, presente no livro “Progressividade Tributária e Crescimento Econômico”, quando a desigualdade está muito concentrada no topo da renda, os agentes mais ricos ganham poder para influenciar as políticas públicas que lhes são favoráveis.
Como resultado, “a concentração do poder económico resulta numa baixa concorrência, porque os agentes mais ricos adquirem as empresas mais inovadoras e os negócios emergentes. A menor capacidade de arrecadação do Estado reduz o alcance das políticas públicas, afetando a capacidade dos governos de fornecer condições adequadas”, conclui.
Por outras palavras, não tributar os mais ricos prejudicaria até os sistemas económicos e sociais, e não o contrário. Considerando, ainda, que na última década, os 1% mais ricos viram a sua riqueza aumentar em 42 biliões de dólares – quase 34 vezes mais do que os 50% mais pobres da população global.
E quanto à fuga de capitais?
Outro ponto discutido quando se trata de tributação de grandes fortunas é uma possível fuga de capitais. Segundo Leonardo Alvim, não é possível afirmar se isso aconteceria no Brasil, pois há baixa expectativa de arrecadação com o imposto.
No primeiro semestre deste ano, o país registrou a mais intensa saída de capitais estrangeiros da B3 desde 2020, ano da pandemia de Covid-19. Com isso, o saldo negativo do ano totaliza R$ 42,438 bilhões.
O Brasil já tem algumas soluções para esse problema
O Brasil não só avançou nas discussões sobre a questão dos super-ricos, como também o sistema possui algumas soluções que podem contribuir para combater a realidade de concentração de renda descrita pelo estudo britânico.
É o que analisa o conselheiro fiscal, afirmando que mesmo com todas estas questões, a tributação das grandes fortunas ainda não parece a melhor solução, pois o país já dispõe de alguns mecanismos neste sentido. Este é um exemplo de tributação de pessoas físicas offshore, nomenclatura utilizada para investimentos realizados no exterior.
“A partir de agora, 31 de dezembro, disponibilizando ou não o lucro, essa tributação será imposta, falando de pessoas físicas que têm dinheiro em paraíso fiscal e que nunca foram tributadas. Então essa é uma medida correta”, ressalta.
Outro mecanismo interessante é a tributação automática dos fundos de investimento exclusivos, introduzida pelo atual governo e que antes só se aplicava aos fundos abertos através das chamadas “come-quotas”, com alíquotas de 15% no caso de fundos de longo prazo. fundos, e 20%%, no caso de fundos de curto prazo.
Atualmente, 2,6 mil fundos exclusivos — aqueles constituídos especificamente para um ou vários acionistas, geralmente membros de um mesmo grupo ou família — concentram um valor equivalente a 10% do PIB brasileiro.
Antes da mudança da regra, a tributação só ocorria quando o aplicativo era resgatado.
Além disso, Leonardo Alvim destaca que existem outras medidas que podem ser tomadas e devem ser discutidas no Brasil, como é o caso do Pilar 2, construído pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e pelo G20 em 2021.
Estabelece uma tributação mínima de 15% sobre o rendimento das multinacionais. E, juntamente com o Pilar 1 — que define como os lucros serão distribuídos aos mercados consumidores — ganhou um apoio massivo entre países de todo o mundo.
“Parece-me que o que está a ser discutido relativamente à tributação dos super-ricos está mais em linha com o que está a ser debatido pelos países do Pilar 2, do que com um imposto sobre grandes fortunas. Porque, embora ambas as coisas tenham o mesmo objetivo, as medidas do Pilar 2 parecem-me mais eficazes”, conclui Alvim.
Brasil deverá ter 83 mil novos milionários em 4 anos com aumento na concentração de renda
*Sob supervisão de Gabriel Bosa
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