O ex-ministro da Fazenda Antônio Delfim Netto morreu, aos 96 anos, nesta segunda-feira (12). Ele estava internado há uma semana no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, por problemas de saúde.
Descendente de imigrantes italianos, nasceu e cresceu na capital paulista. Formou-se pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) em 1951 e participou do Conselho Consultivo de Planejamento (Consplan) do então governador de São Paulo Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto, em 1959.
Teve trajetória acadêmica como professor titular de Análise Macroeconômica e recebeu o título de professor emérito pela FEA-USP.
Durante a gestão do governador Laudo Natel, em 1967, foi secretário da Fazenda de São Paulo, antes de se tornar, no mesmo ano, ministro da Fazenda no governo do general Arthur da Costa e Silva, durante a ditadura militar (1964-1985) .
Durante a gestão do Tesouro, o país registou um crescimento médio anual de 9% no Produto Interno Bruto (PIB), período que ficou conhecido como um “milagre económico”. Contudo, tal crescimento foi acompanhado de uma inflação elevada, que se tornaria o principal vilão da economia brasileira nas décadas seguintes.
Em 1968, Delfim foi um dos signatários do Ato Institucional 5 (AI-5), que extinguiu os direitos civis e deu início ao período de maior repressão do país. Ao prestar depoimento à Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog, em 2013, o ex-ministro disse não se arrepender de ter assinado o documento.
“Se as condições fossem as mesmas e o futuro não fosse opaco, eu faria tudo de novo. Não só assinei o Ato Institucional 5, como assinei também a Constituição de 1988”, declarou na época.
O AI-5 deu plenos poderes a Costa e Silva, além de suspender o direito ao habeas corpus nos casos de crimes políticos, entre outras medidas. Delfim também negou ter conhecimento de casos de tortura durante a ditadura militar no país.
Apesar do reconhecimento pelo seu trabalho na área econômica, Delfim também era visto como político. Suas habilidades de coordenação e de bastidores para poder participar do poder e fazer avançar a agenda econômica são características comuns citadas por aqueles que conviveram com ele.
Além disso, o ex-ministro era conhecido pela sua capacidade de transitar entre diferentes espectros ideológicos. Mesmo sendo um dos signatários do AI-5 – medida utilizada para perseguir opositores durante o regime militar –, Delfim também se tornaria interlocutor de muitos políticos e governos de esquerda.
A vida depois do Ministério das Finanças
Em 1975, durante o governo do general Ernesto Geisel – que não tinha simpatia pelo ex-ministro – Delfim foi nomeado embaixador do Brasil na França, cargo que ocupou durante três anos em Paris.
De volta ao Brasil, teve breve passagem pelo Ministério da Agricultura no governo do general João Baptista Figueiredo, em 1979. Sucedido na pasta por Angelo Amaury Stábile, Delfim foi nomeado para chefiar o Ministério do Planejamento, onde permaneceu até o fim da ditadura. , em 1985.
Eleições, Assembleia Constituinte e amizade com Lula
Com a redemocratização, foi eleito deputado federal por São Paulo pelo Partido Social Democrata (PDS), sucessor da Aliança Renovadora Nacional (Arena), em 1986. Participou da Assembleia Nacional Constituinte no biênio 1987-1988 e foi reconduzido. eleito em outras quatro ocasiões (1990, 1994, 1998 e 2002).
Teve passagens pelo Partido da Reforma Progressista (PPR), Progressistas e Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Não conseguiu ser reeleito em 2006, deixando a Câmara dos Deputados ao final do mandato, no ano seguinte.
Ser ex-ministro da ditadura militar não impediu que Delfim se aproximasse da esquerda e se tornasse um dos principais assessores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em sua primeira passagem pelo Palácio do Planalto (2003-2010).
Para uma plateia de empresários, Lula mencionou, em 2006, a amizade entre eles.
“Passei vinte e tantos anos criticando Delfim e hoje sou amigo dele. Acho que a evolução da espécie humana é assim. Aqueles que são mais de esquerda tornam-se mais de direita. Aqueles que são mais de direita tornam-se mais social-democratas, mais centristas. E as coisas combinam dependendo da quantidade de cabelos grisalhos que você tem e da responsabilidade. Não tem outro jeito”, disse Lula na época.
Após a saída de Lula e a eleição de Dilma Rousseff, Delfim manteve a condição de assessor econômico do governo. O apoio ao petista não o impediu de criticar medidas tomadas pelo então chefe do Executivo.
Em 2014, criticou publicamente a tentativa do governo de controlar o preço da eletricidade para moderar a inflação, que classificou de “populista”. Segundo ele, a medida aumentaria a desconfiança dos empresários em relação à economia brasileira, reduzindo os investimentos e provocando o aumento da inflação.
Inicialmente, criticou partidos que pediam o afastamento de Dilma da Presidência. Em entrevista ao portal Consultor Jurídica, em 2016, Delfim apontou a gestão da presidente como o principal fator que levou ao seu impeachment.
“Sobre o impeachment, primeiro: está absolutamente dentro da lei, dentro dos dispositivos da Constituição. Houve, de fato, uma violação de função; Não adianta tentar argumentar. No setor privado, se o banqueiro pedir emprestado ao seu banco, ele vai para a prisão e o banco fecha. No Estado, a Lei de Responsabilidade Fiscal diz que se o Estado toma empréstimo no seu banco é uma infração”, explicou.
Lava Jato e anos finais
Em março de 2018, Delfim foi alvo de busca e apreensão pela Polícia Federal (PF) no âmbito da Operação Lava Jato.
A acusação do Ministério Público Federal (MPF) era de que o ex-ministro teria recebido propina de R$ 15 milhões, por meio de contratos fictícios, do Consórcio Norte Energia (composto pelas empresas Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Odebrecht, OAS e J. Malucelli) , que trabalhou na construção da Usina de Belo Monte, no Pará.
A defesa de Delfim negou a acusação e destacou que os valores recebidos por ele eram honorários relativos à consultoria prestada.
Delfim também se revelou crítico ao governo Jair Bolsonaro (2019-2022), a quem acusou, em sua coluna na Folha de S. Paulo, de “administrar a pátria amada com os piores preconceitos identitários e religiosos, além de revelar horror diante da evidência empírica”.
Em 2022, Delfim chegou a afirmar ao portal Poder360 que o então presidente Jair Bolsonaro (PL) representaria um perigo maior para o mercado do que o eventual retorno de Lula ao Planalto.
Dedicou os últimos anos às suas colunas em jornais, expondo sua visão e indicando os desafios a serem enfrentados pela economia brasileira.
O ex-ministro deixa filha e neto. Segundo seu assessor, não haverá velório aberto e seu sepultamento será restrito à família.
*Com informações da Agência Brasil
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