É possível enviar um anúncio de lasanha congelada para a rede social de um cliente que compra presunto, queijo e macarrão mensalmente, mesmo que esse cliente não tenha fornecido seu nome de usuário ao varejista que detém seus dados de compra.
Além disso, para saber se a estratégia deu certo, é possível mapear se o cliente que viu a propaganda na rede social foi até a loja e comprou o produto. A chave para isso são os termos de uso dos programas de fidelidade.
Especialistas avaliam, porém, que esse novo mercado de compartilhamento de dados para publicidade direcionada possui pontos sensíveis à luz da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
No Brasil desde 2021, a empresa Live Ramp, listada nos Estados Unidos, trabalha com “anonimização” de dados, mas o faz de forma que permite encontrar o mesmo público em diferentes bases de dados.
Entre seus parceiros mais conhecidos está o Carrefour, que, por meio da plataforma, já realizou campanhas publicitárias com marcas como Heineken, Coca-Cola e Qualy.
A LGPD exige que as empresas responsáveis pelos dados dos clientes não compartilhem informações sensíveis de seus bancos de dados como nome, CPF ou qualquer outra informação que possa identificar pessoas.
Assim, o negócio da Live Ramp envolve transformar os dados dos varejistas em linhas anônimas, que preservam hábitos de consumo importantes para os varejistas e seus fornecedores em ações publicitárias.
A tecnologia da empresa transforma dados sensíveis em um código de identificação e, assim, é possível separar um determinado público por hábitos de compra: potenciais clientes que compram a marca de cerveja Heineken no Carrefour, por exemplo.
O varejista pode selecionar o público comprador de determinado item, determinando inclusive a preferência por embalagens maiores ou menores.
Uma vez selecionado esse grupo de identificadores, o LiveRamp consegue buscar esse conjunto de consumidores nas redes sociais. O segredo é que o banco de dados desta segunda plataforma pode ser anonimizado utilizando a mesma tecnologia, ou identificadores que utilizem o mesmo princípio.
Portanto, há grandes chances de que os IDs selecionados na varejista sejam encontrados na rede social. Dessa forma, as ações publicitárias alcançam clientes selecionados do Carrefour fora do ambiente online da marca.
Esta correspondência de dados nem sempre é perfeita, pois as pessoas podem fornecer dados diferentes em plataformas diferentes. Porém, se o cliente utilizar informações comuns como e-mail, por exemplo, a tecnologia de dados da empresa irá nomeá-lo com o mesmo padrão de ID em ambos os bancos de dados.
No Brasil, o CPF acaba sendo muito utilizado como “matching” (ponto de encontro, em inglês), porque normalmente você dá essa identificação para tudo no país. O que acontece é a “anonimização” das bases onde estão localizadas. É criado o “Ramp ID” (código de identificação da empresa, em inglês).
Pegamos vários pontos de contato, transformando-os em “Ramp ID”, explica a responsável pela atuação da empresa no setor varejista no Brasil, Thaissa Gentil.
Ela diz que esse ID é capaz de encontrar o mesmo usuário por meio de chaves diferentes, seja e-mail, CPF ou nome. A diferença é que, quando os dados são compartilhados entre empresas, essas informações ficam ocultas sob o código de identificação.
Porém, advogados especializados em segurança de dados alertam para uma linha tênue entre o que diz a LGPD e a atuação das empresas desse nicho.
Se os dados forem anonimizados, eles não poderão ser revertidos, ou seja, não será mais possível chegar até a pessoa. Portanto, se de alguma forma a empresa conseguir chegar até a página do cliente na rede social, pode haver algum problema, afirma Klaus Kiessling, sócio da Risk Consulting.
A partir do momento em que você anonimiza os dados, e ao cruzar outras informações você consegue identificar uma pessoa, isso não é anonimização, argumenta Tertullyano M. Sousa, advogado responsável pela área de privacidade e proteção de dados do MTA Advogados.
Para ele, é importante que esse uso fique claro, por exemplo, nos termos de utilização dos programas de fidelidade dos varejistas.
Este é um dos argumentos jurídicos do Live Ramp. Thaissa afirma que, ao concordar com os termos de uso dos programas de pontos e fornecer seu CPF na hora de realizar compras, o cliente concorda com a utilização de seus dados para direcionamento de publicidade nesses termos.
Além disso, ela argumenta que as informações que permitem a identificação, protegidas pela LGPD, não são compartilhadas entre as empresas. Uma vez que os dados são coletados usando identificadores anônimos comuns.
Além disso, Thaissa afirma que a empresa trabalha com grandes públicos, justamente para diminuir as chances de identificação.
Thaissa explica que “uma determinada marca quer acessar (com publicidade) clientes de fraldas. Conseguimos encontrar 1 milhão de pessoas (com esse recurso de compras), mas não uma pessoa específica. Colocamos esses 1 milhão de pessoas (no banco de dados do Instagram) e digamos que temos uma “taxa de match” de 50%. Então encontramos 500 mil pessoas lá dentro.”
Em seguida, ela diz ainda que o varejista consegue saber quantos desses clientes que receberam a publicidade retornaram a uma loja de sua rede e compraram o produto em questão em até 15 dias, pois esses consumidores são identificados no momento da compra dando seu CPF ou utilizar programas de fidelidade de alguma outra forma.
De qualquer forma, em sua última divulgação de resultados nos Estados Unidos, a Live Ramp listou entre os riscos de sua operação internacional a possibilidade de quebra de sigilo.
“O risco de uma violação significativa da confidencialidade da informação ou da segurança dos nossos dados ou dos nossos clientes, fornecedores ou outros parceiros e/ou sistemas informáticos pode ser prejudicial ao nosso negócio, reputação e resultados operacionais”, afirma a empresa .
Para o presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), Eduardo Terra, essa capacidade de entregar ofertas personalizadas de forma que os clientes realmente recebam a comunicação da empresa é muito importante para o varejo.
Ele lembra que, antes disso, as empresas precisam ter um banco de dados organizado. Através disso, é possível identificar potenciais compradores de determinados produtos, com base nos hábitos de consumo desses clientes.
A partir daí a questão era: como engajar esse cliente? “Dar descontos pode ser uma estratégia”, responde Terra. No entanto, o especialista explica que os retalhistas estavam a ter muita dificuldade em dar o próximo passo.
“E-mails de marketing vão para caixas de spam. Fotografar aplicativos de mensagens costuma ser caro. Portanto, a solução de acessar esse cliente nas redes sociais, que é onde as pessoas estão, torna essa publicidade mais eficiente”, explica.
Ao final, Terra afirma que esse processo, oferecido atualmente por poucas empresas, reduz o custo de aquisição de clientes, pois as campanhas são mais eficazes.
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