O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) manteve os juros no atual patamar de 10,5% ao ano, conforme publicado nesta quarta-feira (19), encerrando o ciclo de queda da Selic iniciado em agosto do ano passado , quando a alíquota era de 13,75%.
Segundo comunicado, a decisão foi unânime entre os nove membros do conselho. O placar da disputa foi um dos grandes pontos de atenção dos analistas dada a perspectiva do mercado de que os membros indicados pelo atual governo teriam uma postura mais branda em relação à inflação.
Segundo o BC, a decisão foi tomada diante do cenário doméstico de resiliência nas atividades, aumento das projeções para a inflação e expectativas não ancoradas. No cenário global, o colegiado destacou o clima de incerteza.
“A situação atual, caracterizada por uma etapa do processo desinflacionário que tende a ser mais lenta, maior desancoragem das expectativas inflacionárias e um cenário global desafiador, exige serenidade e moderação na condução da política monetária”, afirmou o BC em nota .
O BC também não prevê novos cortes e mencionou que “a política monetária deve permanecer contracionista por tempo suficiente em um nível que consolide não apenas o processo de desinflação, mas também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas”.
Risco fiscal
O BC destacou que “acompanha de perto” a evolução da política fiscal e como os efeitos impactam as decisões monetárias e os ativos financeiros.
“O Comitê reafirma que uma política fiscal credível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para ancorar as expectativas de inflação e reduzir os prêmios de risco sobre os ativos financeiros, impactando consequentemente a política monetária”, afirmou a entidade de forma alguma.
Fim do ciclo de outono
Foi a primeira vez, após sete reuniões, que o colegiado não alterou as taxas de juros. A decisão deixa a taxa básica no nível mais baixo desde o final de 2021.
A interrupção do ciclo ocorre em meio ao distanciamento das expectativas de inflação com o aumento dos temores do mercado sobre a capacidade do governo de cumprir seu compromisso fiscal de eliminar o déficit das contas públicas a partir deste ano.
A desconfiança se refletiu nos principais indicadores do mercado brasileiro. Desde a última reunião do Copom, em maio, a taxa de câmbio passou do patamar médio de R$ 5,10 para a faixa atual de R$ 5,40 — alta de quase 6,5%, enquanto o Ibovespa caiu cerca de 7,6%.
O mercado já antecipou o fim do ciclo de corte
A decisão confirma as apostas do mercado pela interrupção do ciclo de queda dos juros em meio a um cenário de desancoragem das expectativas de inflação desde a última reunião do Copom, em maio.
Até abril deste ano, o Boletim Focus ainda apontava que a Selic poderia encerrar 2024 em um dígito, em 9%. Porém, a partir desta semana, as projeções passaram a apontar para uma Selic de 10,5% no final deste ano.
Desde o início do ciclo, foram sete cortes consecutivos, sendo seis de 0,50 ponto e o último, em maio, de 0,25 ponto.
O mercado reajustou as expectativas para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) há seis semanas, colocando a expectativa em 3,96% ao final deste ano, segundo Boletim Focus publicado nesta segunda-feira (17). Para 2025, ocorreram sete revisões para cima, com a previsão atual de 3,8%.
Para este ano até 2026, a autoridade monetária persegue o centro da meta de 3%, com margem de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo (1,5% —4,5%).
O movimento reflete a deterioração da confiança dos investidores na capacidade do governo de controlar os gastos públicos e cumprir as metas de colmatar o défice fiscal a partir deste ano.
A mudança de percepção ocorreu após sinalizações do governo de que o equilíbrio das contas será alcançado com o aumento das receitas, e não com o corte de despesas.
O temor se intensificou nas últimas semanas, quando o Tesouro anunciou uma medida provisória (MP) que altera os créditos do PIS/Cofins para compensar a isenção da folha de pagamento, medida que gerou grande oposição de parlamentares e de diversos setores da economia.
Diante da pressão, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) devolveu parte do texto ao governo. Em resposta, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que não existe um “plano B” para compensar a isenção.
Posteriormente, Haddad, ao lado da ministra do Planejamento, Simone Tebet, defendeu uma agenda de revisão dos gastos do governo.
Lula retoma críticas ao BC
Além da percepção negativa do cenário fiscal, o mercado também considera a volta dos atritos entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente do BC, Roberto Campos Neto.
Os ataques à gestão do BC reforçam os temores de uma maior influência de Lula no município a partir de 2025, quando termina o mandato de Campos Neto à frente do BC.
Desde 2021, o BC funciona de forma independente, mudança que estabeleceu que o trabalho de quatro anos dos indicados para chefiar o órgão começa no primeiro dia útil do terceiro ano de mandato do presidente da República.
A medida já foi duramente criticada por Lula, que já afirmou que o governo reavaliaria a autonomia do BC ao final do mandato de Campos Neto.
“O que eu quero saber é o resultado [de um BC autônomo], o resultado será melhor? Um Banco Central autônomo será melhor? Isso melhorará a economia? Ótimo, mas se não melhorar, temos que mudar”, afirmou.
O chefe do Executivo virou o jogo novamente nesta terça-feira (18), afirmando que Campos Neto está trabalhando para prejudicar o país, argumentando que o comportamento da autarquia é a única “coisa desajustada” no Brasil no momento.
“É o comportamento do Banco Central. Isso é uma coisa desajustada. Um presidente do BC que não demonstra capacidade de autonomia, que tem lado político, e que, na minha opinião, trabalha muito mais para prejudicar o país do que para ajudar o país. Não há explicação para a taxa de juros como ela está”, disse o presidente em entrevista à Rádio CBN.
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