Se você deve uma pequena quantia a um parente ou amigo que não cobra juros, talvez não se preocupe tanto com isso. Mas uma dívida, mesmo que pequena, num cartão de crédito com juros rotativos tem o poder de manter o consumidor acordado à noite. A mesma lógica se aplica às empresas, que hoje enfrentam juros básicos elevados e veem suas dívidas cada vez mais caras. Os investidores deveriam se preocupar com as empresas mais endividadas?
Para analistas, depende. Explicam que olhar apenas para os números da dívida milionária não é suficiente e que o setor de atividade, o perfil da dívida e o momento do mercado também precisam de ser incluídos na avaliação.
Na Bolsa, as 15 empresas mais endividadas do Ibovespa têm, juntas, R$ 520,48 bilhões em dívida bruta. Eles foram listados de acordo com a relação Dívida Bruta/EBITDA em pesquisa realizada por Einar Rivero, CEO da Elos Ayta Consultoria. O indicador mostra quantos anos uma empresa levaria para saldar sua dívida líquida em um cenário em que o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) permanece constante.
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A líder do ranking é a MRV (MRVE3), que precisaria de 21,53 vezes o valor da geração de caixa dos últimos 12 meses reportados para pagar suas dívidas.
Empresa | Dívida Líquida/EBITDA | Dívida Bruta (R$ milhões) | Ebit/Dívida Bruta (12 meses) | Dívida Líquida (em R$ milhões) | Dívida de Curto Prazo (CP, em R$ milhões) | Dívida CP vs Dívida Total |
MRV (MRVE3) | 21,53x | 8.268 | 2,57% | 7.819 | 2.352 | 28,44% |
Braskem (BRKM5) | 8,70x | 46.426 | -3,98% | 29.097 | 2.045 | 4,40% |
Azul (AZUL4) | 5,96x | 30.509 | 7,98% | 29.033 | 6.019 | 19,73% |
Eneva (ENEV3) | 4,36x | 19.529 | 13,21% | 17.829 | 1.602 | 8,20% |
Cogna (COGN3) | 4,10x | 6.931 | 11,19% | 5.996 | 285 | 4,11% |
Vamos (VAMOS3) | 3,78x | 13.196 | 16,99% | 11.108 | 1.673 | 12,68% |
CSN (CSNA3) | 3,67x | 50.867 | 11,13% | 34.029 | 8.849 | 17,40% |
Marfrig (MRFG3) | 3,67x | 61.334 | 6,48% | 39.369 | 8.073 | 13,16% |
Taesa (TAEE11) | 3,61x | 10.141 | 24,56% | 9.057 | 1.389 | 13,70% |
Minerva (BEEF3) | 3,56x | 26.087 | 8,24% | 9.574 | 3.582 | 13,73% |
Cosan (CSAN3) | 3,50x | 68.693 | 16,16% | 51.463 | 7.522 | 10,95% |
CCR (CCRO3) | 3,39x | 31.233 | 18,73% | 24.861 | 3.199 | 10,24% |
Equatorial (EQTL3) | 3,39x | 47.538 | 16,61% | 35.560 | 5.649 | 11,88% |
Suzano (SUZB3) | 3,38x | 88.624 | 13,55% | 67.017 | 7.250 | 8,18% |
Corajoso (BRAV3) | 3,35x | 11.113 | 19,84% | 9.529 | 310 | 2,79% |
Além dos indicadores
Contudo, a atuação da construtora não é das mais preocupantes, na opinião de Ângelo Belitardo, gestor da Hike Capital, que vê a Azul (AZUL4) na pior situação atualmente. “É uma empresa com receita vulnerável a juros, pois a demanda por voos pode reduzir drasticamente em cenários de crise e é considerada intensiva em capital, pois gasta enormes quantias para manter as atividades do dia a dia e financiar projetos de crescimento.”
A avaliação demonstra o que apontam os analistas: os múltiplos mais elevados nem sempre são suficientes para compreender a situação financeira das empresas. “É preciso questionar as perspectivas do setor e da empresa no longo prazo, pois o mercado de renda variável está posicionado para o longo prazo”, afirma Mario Okazuka Junior, CEO da GCB Capital.
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Mesmo que as dívidas sejam grandes, Belitardo destaca a importância de analisar o quão resiliente é a geração de receitas das empresas. Bancos, empresas de electricidade e saneamento são sempre citados pela sua capacidade de gerar dinheiro mesmo em tempos de crise, enquanto retalhistas, empresas de educação e construtoras são consideradas mais sensíveis quando as taxas de juro estão elevadas.
Outro fator essencial para avaliar a alavancagem é conhecer o perfil da dívida e se a empresa possui muitas obrigações de curto prazo, o que pode comprometer a operação e gerar dívidas mais caras quando renegociadas. O gestor da Hike aconselha a observar as notações de crédito que as agências de rating atribuem às empresas, sendo o rating A o último aceitável, consoante o caso. Os investidores também podem acessar os balanços das empresas e comparar o passivo circulante, que tem obrigações com vencimento em até 12 meses, com o passivo não circulante para entender se a proporção entre os dois tipos é saudável.
A alavancagem de uma empresa também pode ser elevada se esta estiver a investir num novo projeto, por exemplo. Nestes casos, “é interessante observar as apresentações da empresa e monitorar até que ponto a empresa está cumprindo as orientações que divulgou”, aconselha Okazuka.
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Resiliência e oportunidade
O especialista da GCB Capital alerta contra empresas que contrataram crédito no segundo semestre do ano passado, projetando Selic mais baixa. Como as dívidas geralmente são pós-fixadas e variam de acordo com a taxa básica, as obrigações ficam mais caras. Contudo, considera que “não é nada que o mercado já não esteja habituado”.
A conclusão de Okazuka é que a maior preocupação deve estar nas pequenas e médias empresas, responsáveis pela maior parte do volume recorde de pedidos de recuperação judicial entre janeiro e agosto: “as grandes empresas tendem a ter caixas registradoras mais robustas; Eles sentem o impacto de uma dívida mais cara, mas ela é absorvida pelo negócio.”
Neste contexto, as empresas mais endividadas podem até ser uma oportunidade de investimento. Belitardo elogia o “enorme potencial de crescimento” da Vamos (VAMO3), que “tem uma estrutura sólida e vantagens competitivas”, como a compra de caminhões e máquinas agrícolas com desconto.
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