(Reuters) – Diante de restrições no quadro fiscal, o governo Luiz Inácio Lula da Silva passou a implementar soluções criativas para aumentar os gastos, além de incorporar receitas ao Orçamento sem a concordância do Banco Central, com especialistas apontando riscos para a credibilidade das contas do governo.
Somente do início de agosto para cá, o governo criou, sob pressão das redes sociais, uma isenção fiscal para medalhistas olímpicos, apresentou um modelo para financiar um vale-gás bilionário fora do Orçamento e orientou a aprovação no Congresso de uma medida que incorpora dinheiro esquecido nos bancos como reforço para atingir a meta fiscal – em três casos em dissonância com as regras fiscais atuais.
“Por um lado, há uma tentativa de flexibilizar as regras para cumprir a meta fiscal no papel, mas conseguir gastar mais. E por outro lado, também há um esforço para estimular o financiamento de políticas públicas fora das despesas primárias por meio de mecanismos de financiamento”, disse o economista e pesquisador do Insper Marcos Mendes.
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“O efeito disto será uma perda gradual de credibilidade no resultado primário, que refletirá cada vez menos o esforço do governo para controlar a dívida pública”, acrescentou.
Embora tenha lutado por medidas que compensassem a grande desoneração tributária sobre a folha de pagamento respaldada pelo entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a necessidade de compensação, o governo contrariou esse princípio ao isentar os medalhistas olímpicos do pagamento de Imposto de Renda sobre seus rendimentos, alegando que não se tratava de renúncia fiscal.
A Medida Provisória do início de agosto foi assinada pelo presidente Lula um dia depois de a Receita Federal publicar nota argumentando que os atletas eram tributados sobre seus rendimentos “como qualquer outra remuneração de qualquer outro profissional”.
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“Uma voltinha aqui ou ali pode dar prazer, pode crescer”, disse um técnico da equipe econômica sob condição de anonimato, criticando a medida por não apresentar sequer uma estimativa do impacto fiscal determinado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF ), mesmo envolvendo valores baixos em relação ao Orçamento total.
O ministério não divulgou o conteúdo de nota jurídica da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional sobre a medida, solicitada pela Reuters por meio da Lei de Acesso à Informação no mês passado, citando a necessidade de “sigilo profissional” para o tema.
Nota técnica da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados afirmou que a medida está em desacordo com a legislação e destaca que a LRF não faz ressalvas para permitir a renúncia de receitas de pequeno valor.
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Outro episódio envolveu um desentendimento entre governo e BC sobre como contabilizar a arrecadação de dinheiro esquecido pelos correntistas em instituições financeiras, o que poderia gerar uma discrepância de mais de 8 bilhões de reais entre os cálculos fiscais do Tesouro Nacional e da autoridade monetária .
A iniciativa faz parte do projeto que estabelece o fim gradual da desoneração da folha de pagamento, com instrumentos de compensação do benefício. Após o BC publicar nota indicando que a medida não representaria receita primária, o governo propôs e aprovou um dispositivo que contraria esse entendimento ao prever que o ganho será contabilizado no Orçamento e ajudará na busca por um déficit fiscal zero .
Parte das ações realizadas desde o ano passado também prevê a utilização de mecanismos para viabilizar pagamentos de diferentes programas sem que os recursos passem pelo Orçamento, o que não conscientiza sobre despesas primárias e, portanto, não ocupa espaço no limite de gastos.
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É o caso do projeto proposto pelo governo no final de agosto para alterar o auxílio gás para famílias carentes, que permite o repasse de recursos da exploração de petróleo no pré-sal para a Caixa Econômica Federal, que ficaria responsável pelo pagamento os benefícios. Sob críticas, a equipe econômica prometeu rever a proposta.
Mecanismo semelhante foi utilizado na operacionalização do programa Pé-de-Meia, com benefícios para estudantes, que recebeu autorização para transferir 6 bilhões de reais no final de 2023 sem impacto no limite de gastos do quadro.
Mais recentemente, a Câmara aprovou a utilização de recursos do Fundo Nacional de Aviação Civil para conceder crédito a companhias aéreas do BNDES. A medida depende agora de sanção presidencial.
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O governo também aumentou substancialmente os repasses do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico para a Finep, órgão público de incentivo à pesquisa, e reciclou o uso de recursos do Fundo Garantidor de Operações (FGO), fortemente abastecido para o combate à pandemia, e que agora impulsionará os empréstimos aos microempreendedores.
Procurado, o Ministério da Fazenda afirmou que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional considerou não haver renúncia de receita na medida que isenta premiações olímpicas, mas não explicou o entendimento. O ministério destacou que valoriza “a aplicação irrestrita” de regras fiscais “que garantam a solidez das contas públicas”.
Sobre a captura de dinheiro esquecido nos bancos, o Tesouro afirmou que a contabilização do resultado primário é feita pelo BC e a compensação pela isenção será feita à luz da decisão do STF.
O ministério disse ainda que o projeto de auxílio ao gás é uma iniciativa do Ministério de Minas e Energia e, conforme proposto, não tem impacto fiscal, mas haverá necessidade de previsão orçamentária caso haja possível redução da receita proveniente o deslocamento. de recursos do pré-sal para o programa.
Na avaliação do ex-secretário da Fazenda Jeferson Bittencourt, economista da ASA, tem sido observada uma relativização das convenções, com implementação de medidas “de forma alheia” à LRF, subversão de princípios orçamentários e enfraquecimento do arcabouço das contas públicas .
Criticou a utilização de fundos privados para implementar políticas públicas, o que reduz o controlo orçamental, questionando também a falta de compensação de benefícios aos medalhistas olímpicos e o caminho encontrado para forçar o aumento da receita com recursos esquecidos nos bancos.
“Agregar valor (ao resultado primário) apenas para cumprir a meta não mudará nossa posição fiscal, apenas tirará credibilidade da meta”, disse.
COMBATE AO FOGO
Além dessas flexibilizações, uma decisão proferida esta semana pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Flávio Dino, autorizou a abertura de crédito extraordinário, que não está sujeito a limite e meta de gastos, para combate a incêndios florestais no país.
A legislação prevê esse instrumento em situações emergenciais, mas seu uso normalmente é autorizado pelo Congresso sem necessidade de aprovação do Judiciário e a autorização dada pelo ex-ministro da Justiça de Lula levanta dúvidas se a porta pode ter sido aberta para outras iniciativas pelo tipo.
Aprovado em 2023, o quadro fiscal prevê um crescimento real de até 2,5% das despesas primárias ao ano, mas as contas continuam numa trajetória de compressão face ao crescimento mais forte das despesas obrigatórias, como a segurança social e os mínimos de Saúde e Educação. .
No cenário de aperto de contas, uma segunda fonte da equipe econômica afirmou que a maioria das autoridades governamentais sabe que a adoção de medidas específicas de revisão de registros e busca de fraudes em programas sociais não é suficiente para manter o quadro fiscal em pé. nos próximos anos.
“Temos que fazer algo mais estrutural”, disse, sob condição de anonimato, ao defender a apresentação de propostas de ajustamento nos programas sociais e laborais este ano, mas considerando que ainda é necessário amadurecer as medidas para evitar resistências políticas no PT e dentro do governo.
Desde o início do terceiro mandato de Lula no ano passado, a dívida bruta, um indicador-chave da solvência das finanças públicas, aumentou quase 7 pontos percentuais, para 78,5% do PIB em Julho. Enquanto isso, as projeções do mercado para o futuro das contas públicas permanecem sem amarras, com analistas privados estimando um déficit primário de 0,6% do PIB este ano e de 0,75% do PIB em 2025, segundo o boletim Focus do BC.
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