O fim da hiperinflação após a criação do Plano Real em 1994 trouxe estabilidade económica e preparou as bases para o crescimento do país nas últimas três décadas. Mas, apesar da inflação nos níveis do primeiro mundo, as taxas de juro não seguiram a mesma trajetória neste período.
Para Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos, isso aconteceu porque “as finanças públicas continuaram sendo um adolescente rebelde querendo gastar mais do que pode”.
A política fiscal, segundo Franco, ainda é o maior desafio, porque envolve aspectos políticos e sociais. “O inspetor consolida todos os sonhos do país dentro do orçamento e, ao mesmo tempo, as suas restrições”, diz, lembrando que grandes ambições se traduzem numa vontade “absurda” de gastar dinheiro. “Essa equação não foi resolvida no Plano Real, mas trazida para uma situação administrável.”
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Do lado da execução da política monetária, Franco considera “bem sucedida” a ideia de separar os mandatos dos diretores do Banco Central do mandato do Presidente da República, mas vê que ainda há avanços além dos alcançados nas três primeiras décadas do real.
Tendo sido presidente do Banco Central entre 1997 e 1999, Franco compara as disputas entre autoridades governamentais e o Banco Central às dificuldades enfrentadas pelas agências reguladoras, que tinham autonomia através da lei.
“Há um certo mal-entendido sobre o que é uma agência reguladora, que não é como qualquer outro cargo executivo. Não se supõe que o presidente do Banco Central seja amigo do presidente da República”, afirma.
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Franco, um dos integrantes da equipe econômica que implantou o Plano Real, foi entrevistado no podcast Selecionadores de ações, em um episódio especial que faz parte da série “30 anos do Plano Real: passado, presente e futuro da moeda que mudou o país”. Até 1º de julho, o InfoMoney publicará reportagens, entrevistas, vídeos e artigos sobre a trajetória da moeda brasileira desde sua criação até os dias atuais.
Inflação de 50% ao mês, 12.500% ao ano
Franco era secretário adjunto da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda quando nasceu o Plano Real, com uma missão nada simples. “Em junho de 1994, último mês do Cruzeiro Real, moeda anterior ao Real, a inflação era de 50%, o que dá 12.500% ao ano”, lembrou o economista.
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Na época, o cotidiano era marcado por longas filas nos supermercados nos primeiros dias do mês, quando os trabalhadores recebiam seus salários, e recorrentes corridas aos bancos para depositar o que sobrava no famoso “overnight”, investimento ajustado pela inflação. .
“Existem zilhões de histórias de pessoas que ganham dinheiro pela manhã e correm para o banco. Foi porque o dinheiro estava derretendo a 1,5% ou 2% ao dia”, lembra. “Era uma questão de sobrevivência, de preservar o dinheiro na conta, para não perder parte a cada hora que passa.”
Um tal problema exigia soluções mais criativas do que as anteriores iniciativas mal sucedidas para controlar a escalada de preços e a desvalorização da moeda. Franco diz que foi necessário resgatar as experiências clássicas da Europa com a hiperinflação após a Primeira e a Segunda Guerras, bem como uma série de outras em África, na Europa Central e até na América Latina.
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“Como o nosso [hiperinflação] Foi muito longo, incluiu elementos de todos os lugares. Nossa experiência foi muito rica, inclusive a dos planos que fracassaram. O real foi a quinta reforma monetária”, explica.
De 50% em junho de 1994, a inflação caiu para 6,7% em julho, primeiro mês em que a nova moeda entrou em vigor – ou cerca de 120% ao ano. “Nos primeiros 12 meses da nova moeda, o IPCA acumulado foi de 33%. Aos olhos de hoje, 33% ao ano é muito, quase inaceitável, mas para aquela época já era espetacular”, lembra. Em 1998, quando Franco já era presidente do Banco Central, o IPCA era de apenas 1,6% no ano.
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Congelamento de preços: “Total falta de compreensão do problema”
Franco lembra que a equipe econômica envolvida no Plano Real teve que resistir à pressão para adotar o congelamento de preços, prática comum no período de hiperinflação. Havia, na altura, uma cultura política de manutenção dos preços a qualquer custo, o que, para o economista, “demonstrava uma total falta de compreensão do problema”.
Em vez da já conhecida saída de planos anteriores mal sucedidos, a opção foi adotar um caminho alternativo, envolvendo três frentes: um ajuste fiscal, a criação da URV (Unidade Real de Valor) – indexador que funcionava como moeda “virtual” na transição para o real – e, por fim, a troca de moeda.
“Foi incrivelmente melhor do que imaginávamos. Em 15 dias já pude perceber que todos haviam entendido” a URV, conta. Portanto, o sistema em que coexistiam a moeda oficial (o real Cruzeiro) e a URV foi mantido por apenas quatro meses antes da mudança para o real – tempo menor do que o estimado anteriormente.
“O Mint teve que fazer o que nunca tinha feito antes”
O Plano Real não foi feito apenas a partir de decisões econômicas. Para colocar a nova moeda em circulação em julho de 1994, Franco lembra de um obstáculo prático: a fabricação de notas pela Casa da Moeda. “A Casa da Moeda teve que fazer o que nunca tinha feito, que foi uma família inteira de notas”, de uma só vez, diz.
Havia também necessidade de intensa articulação política. Franco lembra da última reunião antes da edição da medida provisória do Plano Real, com a presença do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, do presidente Itamar Franco, e de outros membros do governo.
“Sempre que me perguntam qual foi o pior dia, lembro-me daquele encontro”
Durante essa longa reunião, FHC renunciou em três ocasiões diferentes devido a discussões relacionadas à conversão e aumento real do salário mínimo, além do congelamento de preços. Segundo o economista, as propostas rejeitadas por FHC eram um “videoteipe” do Plano Cruzado, aprovado no governo do presidente José Sarney.
Textos de Franco, Pedro Malan e Edmar Bacha – também integrantes da equipe econômica criadora do Plano Real – sobre o contexto histórico e as decisões tomadas para manter a estabilidade econômica foram compilados no livro 30 anos de verdadepublicado no mês passado pela Intrínseca.
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