O sepultamento da fiação nas grandes cidades brasileiras foi completamente ignorado no projeto de decreto que autoriza a renovação antecipada das concessões das distribuidoras de energia elétrica.
O texto, enviado pelo Ministério de Minas e Energia à Casa Civil na última quinta-feira (26), desconsidera qualquer mecanismo de incentivo ao aumento das redes subterrâneas.
O debate sobre o enterramento da fiação aumentou após episódios recentes e prolongados de cortes de fornecimento, como ocorreu em São Paulo no ano passado, mas o assunto não se restringe apenas às questões energéticas – a rede aérea está mais exposta a chuvas, ventos e quedas de árvores.
Esta é também uma discussão urbana e paisagística: as capitais brasileiras, com poucas exceções, têm pouquíssimas linhas subterrâneas. Em São Paulo, por exemplo, menos de 1% da rede está assim. A proliferação de postes e cabos aumenta a poluição visual e dificulta o plantio de árvores nas calçadas.
Os especialistas calculam que enterrar um quilómetro de novas redes custa pelo menos dez vezes mais do que expandi-las por via aérea. Na capital paulista, o valor necessário ultrapassaria os R$ 20 bilhões, segundo estimativa do prefeito Ricardo Nunes (MDB).
Com a renovação antecipada de 20 concessões de distribuidoras, que têm contratos com vencimento entre 2025 e 2031, o Ministério de Minas e Energia prevê investimentos de R$ 120 bilhões nos próximos quatro anos. As empresas necessitarão, entre outros compromissos, de reduzir a frequência e a duração dos cortes no fornecimento.
Nem um centavo, entretanto, será gasto no enterro da fiação. Segundo autoridades que participaram da elaboração do decreto, o custo em todo o Brasil seria de “trilhões” e o melhor seria pensar em uma fonte específica de recursos para redes subterrâneas em alguns locais, como centros históricos, sem misturar esses recursos. ações com investimentos que serão realizados com a renovação das concessões.
A Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) segue a mesma linha. “Não seria correto onerar todos os consumidores com o enterramento da fiação em pequenos trechos da área de concessão”, afirma o presidente da entidade, Marcos Madureira.
Para ele, a solução é buscar “precificação adequada” da tarifa de energia para quem está em uma região beneficiada por redes subterrâneas, que também tendem a valorizar os imóveis.
Madureira lembra ainda que, do ponto de vista estritamente técnico, a eliminação de postes e cabos aéreos nem sempre significa melhoria na qualidade do fornecimento de luz.
Segundo ele, quando houve apagões em São Paulo no ano passado, a energia certamente teria sido menos afetada com a existência de redes subterrâneas. No Rio Grande do Sul, nas últimas semanas, as enchentes impediram o restabelecimento do serviço com fiação enterrada.
“Precisamos melhorar a qualidade [do serviço]mas sem colocar nada mais coercitivo no decreto”, disse o presidente da Abradee.
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