O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por unanimidade proibir a prática de desqualificação de mulheres vítimas de crimes ou violências sexuais em audiências e investigações judiciais.
A conduta caracteriza-se pela utilização de elementos que remetem à vida sexual da mulher ou ao seu modo de vida, por exemplo, como forma de desqualificar a vítima.
Segundo a decisão, esses pontos não poderão mais servir de argumento na defesa dos acusados de crimes sexuais.
Policiais, promotores e juízes também estão proibidos de tratar desses pontos. Os representantes dos órgãos do Estado devem atuar no sentido de prevenir atos de inabilitação, sob pena de responsabilização.
Os ministros acompanharam o voto da relatora, Cármen Lúcia.
O juiz, que votou na sessão desta quarta (22), é relator de uma ação em que a Procuradoria-Geral da República (PGR) contesta práticas de desqualificação de vítimas de violência sexual em investigações ou julgamentos de acusados do crime.
Sem base
Para a relatora, argumentos que utilizam elementos da intimidade da mulher, como seus hábitos sexuais, não têm base legal ou constitucional.
A conduta costuma ser utilizada pela defesa do acusado, por exemplo. Acontece também que os órgãos de justiça não impedem a prática.
Segundo a juíza, esta prática foi construída sobre um “discurso que distingue as mulheres entre aquelas que ‘merecem e aquelas que não merecem’ ser estupradas”.
Esta é, segundo Cármen, uma forma de “relativizar a prática da violência, a tolerância vivida na sociedade para com os estupros cometidos contra mulheres com comportamento desviante ou desviante do desejado pelo agressor”.
Em seu voto, a ministra citou casos de mulheres que comparecem a delegacias ou participam de audiências pré-julgamento de processos e são revitimizadas. “Eles atribuem a ela [à mulher] que teve uma vida sexual anterior ‘promíscua’ ou o tipo de vestimenta que adotou”.
Ação
A ação foi apresentada ao STF em dezembro de 2023 pela então procuradora-geral da República interina Elizeta Maria de Paiva Ramos.
No pedido, a PGR afirmou que a prática de desqualificar a vítima expondo detalhes de sua vida deve ser invalidada porque representa conduta discriminatória, preconceituosa e manutenção de uma desvalorização da mulher.
Segundo a PGR, a conduta parte da ideia de que seria possível distinguir as mulheres que merecem ou não proteção devido à violência que sofreram.
“Num ambiente que deveria ser acolhedor, a mulher vítima de violência passa a ser, ela mesma, julgada pela sua moral e pelo seu modo de vida, na tentativa da defesa de justificar a conduta do agressor, e sem repreensão proporcional por parte do Estado”, argumentou.
A PGR defende que há omissão das autoridades públicas nestes casos e afirma que o único elemento a considerar na investigação de crimes sexuais é o consentimento da vítima.
A ação pede que os envolvidos e os advogados dos casos sejam proibidos de mencionar as relações sexuais e o modo de vida da vítima, e que os juízes sejam obrigados a combater a prática. Caso contrário, a PGR defende que os magistrados deveriam sofrer penas.
Mariana Ferrer
Um dos casos de desclassificação que ganhou notoriedade foi o da influenciadora Mariana Ferrer. O fato foi lembrado pelos ministros durante o julgamento no Supremo.
Na audiência que prestou seu depoimento, em 2020, Ferrer ficou constrangida e agredida pelo advogado de defesa do réu no caso.
A influenciadora acusou o empresário André de Camargo Aranha de estuprá-la em dezembro de 2018, quando ela tinha 21 anos. Ele foi absolvido em duas instâncias. A influenciadora recorreu ao STJ e ao STF.
Em uma das audiências do caso, em primeira instância, o advogado de defesa, Cláudio Gastão da Rosa Filho, mostrou o que chamou de fotos “ginecológicas” de Mariana e afirmou que “jamais teria uma filha” do “nível” dela. .
Depois de Ferrer chorar com suas falas, Rosa Filho se dirigiu a ela dizendo que “não adianta vir com seu choro disfarçado, falso e toda aquela conversa de crocodilo”.
“Excelência, estou implorando respeito, nem mesmo os acusados são tratados como estou sendo tratado. Pelo amor de Deus gente, o que é isso?”, disse a jovem.
Em uma das ocasiões, o juiz do caso, Rudson Marcos, pediu ao advogado que mantivesse o “bom nível”.
O juiz do caso foi punido com advertência pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
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