A falta de zelo de Javier Milei em qualificar políticos com ideologia de esquerda, que já gerou tensão na campanha eleitoral, gera agora atritos diplomáticos com outros países.
A crise mais recente ocorre com o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, depois de o presidente argentino ter chamado a sua mulher, Begoña Gómez, de “corrupta”. Em resposta, a Espanha decidiu retirar permanentemente o seu embaixador da Argentina.
Veja abaixo os momentos de tensão e crises diplomáticas desencadeados pelos discursos de Milei antes e depois de sua posse como presidente, em dezembro do ano passado.
Brasil
Há um ano, quando ainda era candidato, Milei descreveu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em entrevista à emissora argentina Rádio La Red, como um “esquerdista selvagem” que, segundo ele, “apoia ditadores, caras que violam direitos humanos direitos, autocratas, com as mãos manchadas de sangue.”
Depois, antes do segundo turno das eleições, o presidente argentino foi questionado pelo jornalista peruano Jaime Bayly sobre se Lula era “corrupto” e respondeu: “Obviamente, por isso foi preso”. Questionado se se reuniria com o companheiro brasileiro, o então candidato disse “não”.
Milei disse ainda que “com a ajuda de Lula”, a equipe do então candidato e ministro da Economia Sergio Massa “contratou um grupo de brasileiros que se dedicam a fazer campanha” contra ele.
“Há algumas reclamações de que os arredores [do ex-presidente Jair] Bolsonaro fez isso, avisando que Lula estava fazendo um movimento para financiar essa campanha negativa contra mim.”
Ainda durante a campanha, Milei disse que não faria negócios com “nenhum comunista”. “Sou um defensor da paz, da liberdade e da democracia. Os comunistas não entram lá. Putin não entra lá. Lula não entra aí”, afirmou.
Para sua posse, Milei não apenas convidou Bolsonaro, mas também o colocou ao lado de outros presidentes que estiveram na cerimônia.
Lula optou por não ir e enviou em seu lugar o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, apesar da tentativa da chanceler argentina Diana Mondino de convidá-lo pessoalmente, entregando ao presidente brasileiro, em rápida viagem a Brasília, uma carta de Milei.
Nem Lula visitou a Argentina nem Milei visitou o Brasil desde que o economista libertário assumiu o cargo.
China
Durante a campanha, Milei disse que não promoveria relacionamentos ou negócios com “nenhum comunista”. A lista de países com os quais ela descartou ligações foi: Brasil, Cuba, Venezuela, Coreia do Norte, Nicarágua e China.
“Sou um defensor da liberdade, da paz e da democracia. Os comunistas não entram lá, os chineses não entram lá. Putin não vai lá. Lula não entra lá. Queremos ser o farol moral do continente, os defensores da liberdade, da democracia, da diversidade, da paz”, disse ele.
Milei já disse que a China tem uma “vocação totalitária”, equiparou o governo chinês a um “assassino” e disse que as pessoas na China não eram livres.
Após a vitória de Milei, o governo comunista respondeu que romper os laços com Pequim seria um “erro grave” e que estava pronto para trabalhar com o novo governo argentino.
Colômbia
Em janeiro, pouco mais de um mês após assumir o cargo, Milei chamou Petro de “comunista assassino que está afundando a Colômbia”. O Ministério das Relações Exteriores da Colômbia expressou “seu protesto mais enérgico contra as declarações desrespeitosas e irresponsáveis de Milei”.
O embaixador da Colômbia na Argentina, Camilo Romero, escreveu em X que “Milei é uma hipócrita”. “Enquanto hoje ele pede ao nosso governo um acordo para seu novo embaixador na Colômbia, ele chama o presidente Gustavo Petro de assassino. Ele já havia atacado Lula (Brasil) e até o Papa Francisco. Podemos pensar de forma diferente, mas a região e a irmandade histórica do nosso povo devem superar as diferenças.”
Em março, após completar quatro meses como presidente, Milei disse em entrevista ao CNNsobre Gustavo Petro, que “não se pode esperar muito de alguém que foi um assassino terrorista”.
A alusão é ao passado do presidente colombiano, que fez parte da guerrilha M-19. Não há, porém, registros de que Petro tenha participado de assassinatos.
Em resposta, o governo colombiano ordenou a expulsão de todo o corpo diplomático argentino do seu país. “As expressões do presidente argentino deterioram a confiança de nossa nação, além de ofenderem a dignidade do presidente Petro, que foi eleito democraticamente”, afirmou Bogotá em comunicado.
Dias depois, os dois países anunciaram conjuntamente que mantiveram diálogos e que “deram passos concretos para superar quaisquer diferenças e fortalecer esta relação”.
O governo colombiano informou então que deu instruções para que o embaixador colombiano – que havia sido chamado para consultas – retornasse a Buenos Aires, e que concedeu o acordo para que o novo embaixador proposto pela Argentina retornasse a Bogotá.
Espanha
A gota d’água para a nova crise diplomática do governo foi a viagem de Milei a Madri e, em evento organizado pelo Vox, partido espanhol de extrema direita, qualificou a esposa do primeiro-ministro Pedro Sánchez, Begoña Gómez, de “corrupta”.
Gómez está sendo investigado por suposto tráfico de influência em licitações espanholas. O insulto fez com que o governo espanhol retirasse definitivamente o seu embaixador de Buenos Aires.
O governo espanhol exige um pedido público de desculpas de Milei. A Casa Rosada, porém, afirma que Sanchez é quem precisa se retratar e que a Argentina não pedirá desculpas.
Milei lembra que o ministro dos Transportes espanhol, Óscar Puente, insinuou que Milei consumiu “substâncias” durante a campanha eleitoral.
O presidente argentino argumenta ainda que Sánchez fez campanha para Massa, que não ligou para parabenizá-lo pela vitória nas eleições e que também o criticou.
Em resposta à decisão espanhola de destituir o seu embaixador, Milei disse que era “um absurdo digno de um socialista”, chamou Sánchez de “delirante” e disse que o espanhol tem um “complexo de inferioridade” em relação a ele.
México
Em 2022, quando era deputado, Milei criticou o atual presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, que apoiou o colombiano Gustavo Petro nas eleições, pedindo à população que “elegesse bem”.
“López Obrador é verdadeiramente patético, lamentável, nojento. Não só pela questão da intervenção [no processo eleitoral colombiano], mas por arrogância fatal. Quem é ele para dizer a cada colombiano o que significa votar bem e o que significa votar mal?” é outro membro do nefasto grupo Fórum de São Paulo.
A resposta de López Obrador veio durante a campanha eleitoral, quando chamou Milei de “fascista ultraconservador” por criticar o Papa Francisco.
“Ninguém se atreveu a insultar o Papa como Milei faz e sem fundamento. É por causa do conservadorismo deles, porque eles são assim. E não pense que existe diferença entre Milei e outra conservadora, não, elas são a mesma coisa. O que acontece é que Milei diz isso porque ele fala mal”, disse o presidente mexicano.
Após a eleição de Milei para a presidência, López Obrador disse que esta vitória foi um “golo contra” dos argentinos, que votaram em alguém que os “despreza”.
Em entrevista com CNNo presidente argentino respondeu: “Que uma pessoa ignorante como López Obrador fale mal de mim é um elogio, me eleva”.
López Obrador voltou às críticas nas redes sociais: “Milei afirmou que sou ‘ignorante’ porque o chamei de ‘fascista conservador’. Ele tem razão: ainda não entendo como os argentinos, sendo tão inteligentes, votaram em alguém que não trabalha bem, que despreza o povo”, escreveu no X, o antigo Twitter.
Compartilhar: