Há cerca de dois anos, um grupo formado por seis pessoas entrou no Restaurante Maskaem Ipanema, em Rio de Janeiro, por volta das 18h. E lá ele ficou bebendo vinho e comendo até 1h da manhã —saiu quase sete horas depois. Quanto foi a conta? Cerca de R$ 450, ou R$ 75 ou mais por cabeça. Para efeito de comparação, o prato mais barato do Mäska hoje, o mini curry de legumes, custa R$ 83 — o mais caro, o bife de paleta com aligot, pesto de agrião, pão ralado crocante e molho aïoli com pimenta biquinho, custa R$ 139.
O que explica os modestos valores que esse grupo gastou, vale esclarecer, não é o aumento da inflação registrada no Brasil nos últimos anos — mas sim as 18 garrafas de vinho que trouxeram para consumir no restaurante comandado pelo chef Danilo Parah. Explicado: naquela época o empreendimento não cobrava nenhum tipo de taxa de rolha. “Vemos a não cobrança dessa taxa como uma gentileza com os clientes e como uma forma de aumentar o número de clientes”, afirma Gustavo Gill. Ele é um dos sócios do grupo Trëma, dono do Mäska e de outros quatro restaurantes da cidade, entre eles Rudä e Izär.
A empresa implementou esta política assumindo que os clientes levariam para os seus restaurantes, na maioria dos casos, vinhos muito caros e fora do comum. “Não deu certo no Brasil”, reconhece Gill, um dos primeiros a apostar não é cobrada taxa de rolha no Rio de Janeiro. “Esta prática deu origem a muitos exageros”. Trëma, porém, não se despediu da isenção. Motivado por episódios como o dos 18 vinhos, porém, implementou a seguinte política, que ainda hoje prevalece em todos os restaurantes do grupo: a taxa de rolha só é válida a partir da segunda garrafa trazida do estrangeiro. Na Mäska e na Izär, por exemplo, são R$ 80.
“Apesar de tudo, o nosso grupo acredita que não vale a pena cobrar rolha por apenas um vinho”, acrescenta Gill. “Atualmente, no Rio de Janeiro, é uma diferença que leva muita gente a optar por este restaurante e não por aquele.” O empresário espera, porém, que nem todos os clientes façam uso desta política. “Se todos trouxerem vinho de casa, os restaurantes poderão falir”, admite. “Perder receitas com a venda de vinho é doloroso. Eles representam uma parcela considerável da receita do grupo.”
O empresário revela que Trëma ocasionalmente encontra entregadores do Zé Delivery na porta de seus restaurantes. Eles estão lá para entregar vinhos comprados pelos clientes — o aplicativo vende rótulos que custam a partir de R$ 10,79, como o tinto nacional Cantina da Serra, e chegam a R$ 138,89, no caso do espanhol Navaldar Crianza DOC “Nossos maîtres estão chateados que permitimos isso, mas também há outro lado”, argumenta Gill. “Tem clientes que nos visitam e compram nossos vinhos no valor de até R$ 4 mil.”
Os restaurantes que aboliram a taxa de rolha da primeira garrafa — os do grupo Trëma não são os únicos — criaram um tendência no Rio de Janeiro além da polêmicacomo você pode imaginar.
“Sou contra taxas abusivas de rolha, mas não cobrar nada é um desserviço ao setor”diz o chef Thomas Troisgros, que dirige Le Blond, CT Boucherie, Toto e Oseille, todos no Rio de Janeiro.
Ele também está à frente da TT Burger, rede de hambúrgueres que completou dez anos em 2023 e deu origem a outras três marcas — Três Gordos (tradução de Troisgros) com foco em smash burgers; Tom Ticken se dedica a receitas de frango; e Marola é especializada em sanduíches de frutos do mar. No Oseille, o mais novo restaurante de todos, a taxa de rolha custa R$ 180. No Toto, que abriu um pouco antes e funciona no mesmo imóvel, no térreo, custa R$ 70 a garrafa.
“O cliente que traz um vinho de casa, além de não consumir um dos nossos, utiliza nossos copos, talvez um decanter, às vezes um balde de gelo, e é atendido pelos nossos garçons que recebem treinamento para esse serviço”, lembra Tomás. “É por isso que existe a taxa de rolha”. Ele jura que não torce o nariz para os clientes que aparecem com vinhos especiais ou tesouros de adegas particulares. “O problema é que muita gente tira rótulos das prateleiras dos supermercados. E isso porque há restaurantes que acham que vão atrair mais clientes sem a taxa de rolha.”
“As pessoas não consomem vinho em restaurantes só por causa da bebida”, observa Fernando Blower, presidente do Sindrio, Sindicato dos Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro. “Eles fazem isso pelo serviço de sommelier, pelos copos disponíveis, pelo ar condicionado, pela ambientação, pela música e muitas outras coisas. Mas todas essas diferenças custam dinheiro.” Daí a importância, defende, da cobrança da taxa de rolha. “Existe para compensar custos”, resume. “Sem falar que os vinhos são uma fonte de receita muito importante para os estabelecimentos do setor”.
De acordo com o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, a taxa de rolha não é ilegal nem abusiva, desde que a informação sobre a mesma e o seu valor sejam claramente apresentadas, preferencialmente no menu. Alguns estabelecimentos cobram um valor fixo por garrafa, como Toto, Oseille e companhia, enquanto outros adotam um percentual sobre o preço da bebida ou cobram o preço do vinho mais barato da própria carta.
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