Sim, todos sabemos que precisamos debater valorização dos produtos locais como a cachaça, principal destilado brasileiro. Mas como podemos garantir que esta bandeira não seja apenas uma agenda de discussão?
A falta de tradição na valorização coquetéis à base de cachaça no Brasil pode ser atribuída a vários fatores. Historicamente, a cachaça tem sido vista como uma bebida de menor prestígio em relação a outras, como whisky, gin, vodka e rum, e é improvável que isso mude, mas acredito que podemos melhorar consideravelmente esse cenário.
A indústria, ao focar predominantemente na valorização de bebidas espirituosas internacionais, pode inadvertidamente prejudicar a valorização da cachaça, uma bebida genuinamente brasileira. Este fenómeno ocorre por diversas razões interligadas, afetando a percepção do público e a valorização do produto local. Listei alguns temas para reflexão:
- Predominância da comercialização de bebidas espirituosas importadas: grande parte do orçamento de marketing das grandes empresas de bebidas espirituosas é destinada à promoção destas bebidas, e é facto que a educação custa dinheiro, algo para o qual as destilarias de cachaça nem sempre têm orçamento. Essas campanhas são geralmente muito agressivas e de maior alcance, o que pode ofuscar a cachaça, limitando-a a uma imagem de bebida de menor status e de consumo mais local ou tradicional.
- Distribuição e disponibilidade limitadas: As grandes empresas de bebidas espirituosas controlam frequentemente canais de distribuição significativos e podem dar prioridade ao espaço nas prateleiras de acordo com os seus próprios interesses. Isso restringe a disponibilidade da cachaça, limitando sua exposição aos consumidores e às oportunidades de compra.
- Investimentos desiguais em qualidade e inovação: Embora as bebidas espirituosas internacionais recebam frequentemente investimentos substanciais para o desenvolvimento e inovação de produtos, a cachaça muitas vezes não recebe o mesmo nível de atenção ou recursos financeiros para investigação e desenvolvimento. Isto pode resultar na percepção de que a cachaça é de qualidade inferior ou menos versátil em comparação com outros destilados.
- Efeitos culturais e de identidade: Ao enfatizar espíritos estrangeiros, as empresas podem inadvertidamente enfraquecer a identidade cultural da cachaça como símbolo nacional. A falta de representação nos contextos de consumo modernos e internacionais pode fazer com que as gerações mais jovens e os consumidores da classe média considerem a cachaça uma escolha menos atraente.
Não acredito que a indústria seja a grande vilã dessa história, muito pelo contrário, acredito que ela seja o veículo mais eficaz na mudança de comportamento do consumidor, e muitos deles têm a cachaça em seu portfólio de produtos.
A cachaça já é o destilado mais consumido no Brasil, seguido de vodca. Portanto, o que proponho aqui não é um incentivo ao consumo, mas sim uma posicionar e valorizar uma identidade nacional alcoólica.
Hoje vemos a tequila marcando seu território no cenário global de forma bastante agressiva, com publicidade até no famoso tapete vermelho do Oscar, e vejo isso de forma positiva porque esse movimento pode abrir caminho para o destilado nacional. Porém, para que a cachaça tenha chance de ganhar essa notoriedade, é necessário um trabalho de base e de longo prazo, onde a conscientização da comunidade bartending e bares é fundamental para valorizar um pouco mais a bebida em seus cardápios.
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