O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teve o microfone cortado antes de encerrar seu discurso na abertura da Cúpula do Futuro da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, neste domingo (22).
Lula criticava organismos internacionais e apontava que o Sul Global “não está representado de forma condizente com o seu peso atual”, quando seu discurso foi interrompido.
Antes do início dos discursos dos chefes de Estado, o presidente camaronês da Assembleia Geral da ONU, Philémon Yang, reforçou aos chefes de Estado e de governo que os discursos seriam limitados a 5 minutos de duração. Caso contrário, o áudio do microfone seria cortado.
O presidente brasileiro não foi a única autoridade a ter seu discurso interrompido. Os representantes de Serra Leoa e do Iêmen, que antecederam a participação de Lula, também tiveram seus microfones cortados.
Durante o discurso, Lula pediu “transformações estruturais” para resolver o que chamada de “crise da governança global”.
Ele ressaltou que atualmente “a maioria dos órgãos não tem autoridade e meios de implementação para fazer cumprir as suas decisões”.
“A Assembleia Geral perdeu a vitalidade e o Conselho Económico e Social foi esvaziado. A legitimidade do Conselho de Segurança diminui cada vez que aplica padrões duplos ou permanece silencioso diante das atrocidades”, disse o presidente.
Lula disse que a “pandemia, os conflitos na Europa e no Oriente Médio, a corrida armamentista e as mudanças climáticas revelaram as limitações dos organismos multilaterais”.
O Palácio do Planalto divulgou o discurso completo preparado para ser lido no evento deste domingo.
Leia o discurso preparado por Lula para a Cúpula do Futuro da ONU:
Agradeço ao Secretário-Geral António Guterres pela iniciativa de promover esta Cimeira do Futuro.
Felicito a Alemanha e a Namíbia, através do Chanceler Olaf Scholz e do Presidente Nangolo Mbumba, por liderarem o processo que nos trouxe até aqui.
Há quase vinte anos, o então Secretário-Geral Kofi Annan convidou-nos a pensar sobre como revigorar o multilateralismo para enfrentar os desafios do novo milénio.
Naquela ocasião, destaquei nesta plataforma a necessidade de reformas para que a ONU pudesse cumprir o seu papel histórico.
Essa reflexão conjunta rendeu frutos como a Comissão de Consolidação da Paz e o Conselho de Direitos Humanos.
Outras ideias nunca saíram do papel.
Temos duas grandes responsabilidades para com aqueles que nos sucederão.
A primeira é nunca mais voltar.
Não podemos recuar na promoção da igualdade de género, nem na luta contra o racismo e todas as formas de discriminação.
Nem podemos viver novamente com ameaças nucleares.
É inaceitável regressar a um mundo dividido em fronteiras ideológicas ou zonas de influência.
Naturalizar a fome de 733 milhões de pessoas seria vergonhoso.
Voltar atrás em nossos compromissos é colocar em xeque tudo o que construímos com tanto afinco.
Os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável foram o maior empreendimento diplomático dos últimos anos e estão no bom caminho para se tornarem o nosso maior fracasso colectivo.
Ao atual ritmo de implementação, apenas 17% dos objetivos da Agenda 2030 serão alcançados dentro do prazo.
Como presidente do G20, o Brasil lançará uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza para acelerar a superação desses flagelos.
Na COP28 do Clima, o mundo fez um balanço da implementação global dos objetivos do Acordo de Paris.
Os actuais níveis de redução das emissões de gases com efeito de estufa e de financiamento climático são insuficientes para manter o planeta seguro.
Em parceria com o Secretário-Geral, em preparação para a COP30, trabalharemos em prol de um equilíbrio ético global, reunindo diferentes setores da sociedade civil para pensar a ação climática na perspetiva da justiça, da equidade e da solidariedade.
A nossa segunda responsabilidade comum é preparar o caminho face a novos riscos e oportunidades.
O Pacto para o Futuro nos mostra o rumo a seguir.
O documento trata de temas importantes como a dívida dos países em desenvolvimento e a tributação internacional de uma forma sem precedentes.
A criação de um fórum de diálogo entre Chefes de Estado e de Governo e líderes de instituições financeiras internacionais promete colocar a ONU no centro do debate económico global.
O Pacto Digital Global é um ponto de partida para uma governação digital inclusiva, que reduz as assimetrias de uma economia baseada em dados e mitiga o impacto de novas tecnologias como a Inteligência Artificial.
Todos estes avanços serão louváveis e significativos.
Mas ainda assim nos falta ambição e ousadia.
A crise de governação mundial exige transformações estruturais.
A pandemia, os conflitos na Europa e no Médio Oriente, a corrida aos armamentos e as alterações climáticas revelaram as limitações dos organismos multilaterais.
A maioria dos organismos carece de autoridade e meios de implementação para fazer cumprir as suas decisões.
A Assembleia Geral perdeu a vitalidade e o Conselho Económico e Social foi esvaziado.
A legitimidade do Conselho de Segurança diminui cada vez que aplica dois pesos e duas medidas ou permanece silencioso face às atrocidades.
As instituições de Bretton Woods ignoram as prioridades e necessidades do mundo em desenvolvimento.
O Sul Global não está representado de uma forma consistente com o seu actual peso político e económico [neste ponto, o microfone foi cortado e Lula encerrou a fala] e demográfico.
A Carta das Nações Unidas não faz referência à promoção do desenvolvimento sustentável.
Precisamos de coragem e vontade política para mudar, criando o amanhã que queremos hoje.
O melhor legado que podemos deixar às gerações futuras é uma governação capaz de responder eficazmente aos desafios que persistem e aos que surgirão.
Muito obrigado.
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